Vitória (ES) se prepara para receber, entre os dias 26 e 29 de novembro, um dos encontros mais simbólicos da resposta ao HIV/aids no país. O X Encontro Nacional da RNP+Brasil reunirá 90 representantes da Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV e Aids, que completa três décadas de atuação, articulação política e enfrentamento ao estigma. A capital capixaba, anfitriã desta edição, será cenário de debates estratégicos, intercâmbio de experiências e reafirmação do protagonismo de quem vive com HIV/aids.

Organizado pela RNP+ES em parceria com a Secretaria de Estado da Saúde (Sesa), Secretaria de Direitos Humanos (SEDH) e Secretaria das Mulheres (SESM), o encontro é mais que uma data comemorativa: é um gesto político de resistência. É também um retorno ao estado onde nas últimas décadas despontaram bases importantes do controle social em saúde.

30 anos de protagonismo: uma rede que mudou a história

Fundada em 1995, a RNP+Brasil nasceu para romper o silêncio e assegurar que pessoas vivendo com HIV/aids tivessem voz nas decisões que impactam suas vidas — uma quebra de paradigma que se tornou referência internacional. Hoje, a Rede está em diferentes estados e segue pautando políticas, monitorando recursos públicos e defendendo direitos.

Thiago Rodrigues, Secretário Político da RNP+ES e um dos articuladores do encontro, resume esse legado numa fala carregada de história — e de memória:

“Acredito que o legado mais importante da RNP+Brasil nesses 30 anos, seja o fortalecimento dos pares e o incentivo no protagonismo das pessoas vivendo com HIV/aids, que deve acontecer nas discussões e construções das Política Públicas, através do controle social e do monitoramento de políticas existentes e preconizadas. Daí o lema, nada para nós, sem nós. Não fosse o ato de resiliência dos fundadores da rede em 1995, com a ideia de garantir voz as pessoas vivendo, nossa conversa talvez nem existira. Por esse motivo respeito meus antecessores e ancestrais nesse movimento que foi e é construído por vidas e mortes.”

A fala reforça algo que atravessa toda a história da RNP: o que sustenta a Rede é o laço entre pares, a política feita a partir da vida real.

Vitória como território político

A escolha do Espírito Santo como sede do encontro foi resultado de articulação e, sobretudo, de confiança no protagonismo local. Thiago explica:

“Em 2023, no último encontro realizado em Fortaleza- CE, o núcleo da RNP+ES, foi representado por 6 pessoas, em maioria jovens de até 29 anos. No decorrer do encontro Nacional e conforme atuação dos membros do estado do Espírito Santo, acreditamos que seriamos capazes de sediar o X Encontro Nacional, sendo aqui comemorado os 30 anos de existência e atuação da rede, sendo uma vitória, de resistência e resiliência, linguagem utilizada inclusive pela delegação Capixaba quando propôs ser o estado sede em 2025, é uma vitória completar 30 anos em Vitória, e dessa forma e em alusão a Capital do Espírito Santo, Vitória, propomos que X Encontro da RNP+BR acontecesse no estado do Espírito Santo.”

A RNP+ES, com mais de duas décadas de atuação, tornou-se referência no estado e no país. A escolha de Vitória também reforça o papel das juventudes no ativismo atual — uma geração que assume o bastão, sem romper com quem abriu caminho.

Ativismo, política pública e responsabilidade social

A construção do encontro é fruto de parcerias e, como destaca Thiago, de vigilância cidadã:

“Nos últimos 02 anos, a RNP+ES, efetuou diversas cobranças através do controle social, pautando o uso correto e devido do recurso federal em todo o território Capixaba, diante disso nossa organização vai além da realizada entre os membros do núcleo estadual, contamos com parcerias, como a Secretaria de Direitos Humanos e das Mulheres. Desse modo, entregamos um evento que será custeado com o recurso proveniente da Portaria federal de custeio nº 232, de 07 de fevereiro de 2022, e apoio das Secretarias Estaduais de Direitos Humanos e das Mulheres, do núcleo do Ceará e Ministério da Saúde por meio do Dathi.”

90 vozes, 90 territórios

A presença de delegações de todas as regiões do Brasil transforma o encontro em um mapa vivo da epidemia e das desigualdades do país:

“O impacto em reunir 90 pessoas de diversas regiões do Brasil, demonstra forte atuação que a RNP+Brasil possuí em território nacional, é possível a partir desse encontro assim como nos demais que o antecederam pensar as estratégias locais por meio de experiência exitosas em outros territórios, a troca em pares fortalece a Rede Nacional e assim fortalece os territórios e seus núcleos. Por meio deste encontro também é possível mensurar as realidades regionais e suas desigualdades.”

Essa troca entre pares é o coração da RNP+ — é o que renova as estratégias e dá materialidade às políticas.

Estigma: o obstáculo que o tempo não derrubou

Perguntamos a Thiago sobre as barreiras que ainda dificultam o envelhecimento com HIV/aids, a vivência trans e o acesso à saúde. A resposta é direta:

“Sinto que essas discussões ainda enfrentam barreiras sociais, isso porque, esses corpos perpassam pelo estigma, preconceito e exclusão social, por vezes provocada pela falta acesso aos serviços básicos como Saúde e Assistência e pela violação constante dos Direitos Humanos. Envelhecer não é fácil, imagina para uma pessoa Trans vivendo com HIV/aids…”

E ele conclui com uma síntese dura e realista: “O maior desafio é social. O pós diagnostico vem carregado de desinformação, medo, estigma e preconceito. É nítido que ao longo dos anos aconteceram evoluções significativa no tratamento (…) todavia ao longo desses 40 anos, nada mudou sobre o estigma.”

A fala ecoa pesquisas recentes: quase metade das pessoas vivendo com HIV no Brasil já sofreu discriminação.

A luta continua

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Thiago também aponta o que falta para transformar a forma como o país vê o HIV/aids: “Precisamos de novas referências, de figuras públicas que digam abertamente que vivem com HIV/aids, que inspirem esses jovens e as pessoas com novos diagnósticos que viver com HIV/aids é possível.”

Em um país onde a imagem pública do HIV ainda é marcada por desinformação, representatividade se torna ferramenta de saúde.

Ele enfatiza a urgência de modernizar o cuidado: “(…) ao invés de fazer uso de 360 comprimidos de lamivudina + 180 delutegravir, ou 180 comprimidos do dovato, (…) teria a administração do medicamento 2 vezes ao ano (…)”

O tratamento injetável semestral é visto como um divisor de águas — e a expectativa é que o Brasil avance nessa incorporação.

O que fica depois do encontro?

Thiago resume sua expectativa de forma afetiva e política: “Espero que meus pares levem desse encontro, acolhimento, esperança e renovação para seus territórios. (…) Compreendendo que a luta não acabou.”

E quando pensa no futuro da Rede, ele responde sem titubear: “A cura, a incorporação de novas tecnologias para o tratamento ideal, redução do estigma (…).”

Thiago fala a partir da vivência, e sua identidade é parte inseparável da militância: “Thiago Rodrigues – Secretário Político, homem Gay, Negro, Candomblécista e Vivendo com HIV/aids….” Sua biografia é manifesto. Sua voz, parte de uma geração que transforma espiritualidade, raça, sexualidade e saúde em luta por direitos.

Quando as delegações desembarcarem em Vitória, não estarão apenas inaugurando mais um encontro. Estarão reafirmando um legado de 30 anos que insiste em dizer: ninguém será deixado para trás; ninguém fala por nós; nada para nós, sem nós.

Redação da Agência de Notícias da Aids

Dica de entrevista

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