A descoberta da estrutura do DNA no início dos anos 1950 é um dos capítulos mais fascinantes na história da ciência, repleto de pesquisas brilhantes, ambição desmedida, intensa rivalidade e pura dissimulação.

Houve muitos protagonistas, incluindo Rosalind Franklin, uma mestra da cristalografia de raios-X, e Francis Crick, um físico em busca do segredo da vida. Neste mês, com a morte do geneticista americano James Watson aos 97 anos, o último desses protagonistas se foi.

Esse drama intenso acabou mudando como concebemos a vida e a nós mesmos. À medida que a descoberta do DNA recua na história, torna-se difícil até imaginar como as pessoas pensavam sobre a vida antes dessa descoberta revolucionária.

Em séculos anteriores, filósofos naturais escreviam sobre uma misteriosa “força vital” dentro das células que diferenciava a vida da matéria inanimada. Médicos notavam aflições hereditárias transmitidas através das gerações, mas não tinham ideia de como isso acontecia.

“As leis que governam a hereditariedade são completamente desconhecidas”, reconheceu Charles Darwin em 1859 em “A Origem das Espécies”.

Darwin tentou desvendar esse mistério e fracassou. Ele imaginava que partículas fluíam das células por todo o corpo até os espermatozoides e óvulos que davam origem à próxima geração.

Gregor Mendel, plantando ervilhas em seu jardim aproximadamente na mesma época, chegou mais perto de uma solução. Ele descobriu que suas plantas herdavam cores e outras características em proporções confiáveis. Mas ele só podia especular sobre os fatores que elas transmitiam aos seus descendentes.

No início dos anos 1900, biólogos redescobriram Mendel e conceberam esses fatores como genes. Alguns diziam acreditar que os genes eram apenas uma abstração matemática, enquanto outros pensavam que eram moléculas físicas.

Mas eles não conseguiam concordar sobre quais das muitas moléculas na célula eram genes. Alguns pensavam que eram proteínas. Outros olhavam para uma substância misteriosa que agora chamamos de DNA.

O trabalho que Watson e outros realizaram no início dos anos 1950 ofereceu uma visão estranhamente simples de como a vida funciona.

O DNA era feito de duas fitas torcidas uma ao redor da outra, cada uma decorada com quatro unidades moleculares chamadas bases —um alfabeto de quatro letras para escrever genes. O passo crucial pelo qual uma célula se transformava em duas células era dividir essas fitas e, em seguida, adicionar uma segunda fita a cada uma delas, copiando fielmente o script original.

Essa descoberta desbloqueou mais revelações. Nos anos 1950 e 1960, Crick e outros pesquisadores decifraram o código pelo qual as células usam os genes codificados em seu DNA para construir proteínas.

Outros cientistas mostraram como erros se infiltram na sequência do DNA —mutações desencadeadas por radiação e produtos químicos, por exemplo, ou erros que as células cometiam ao copiar seus próprios genes.

Esses erros podiam causar distúrbios genéticos devastadores. Mas também eram a matéria-prima para a seleção natural. Finalmente, os cientistas haviam encontrado uma base molecular para a teoria da evolução de Darwin.

Em 1990, Watson tornou-se o primeiro líder do esforço do governo dos Estados Unidos para sequenciar o genoma humano, os 3 bilhões de pares de bases contidos em uma célula.

Ele durou apenas dois anos no cargo, mas o trabalho continuou sem ele. Em 2001, mais de uma década após o início do projeto, os cientistas finalmente criaram o primeiro rascunho do genoma humano —uma colagem repleta de erros de vários indivíduos.

O sequenciamento do genoma tornou-se mais rápido e barato nos anos seguintes. Hoje, o genoma de uma pessoa pode ser sequenciado com precisão em questão de horas.

Com o custo do sequenciamento genômico tendo despencado para algumas centenas de dólares, médicos regularmente obtêm os genomas de seus pacientes para verificar doenças hereditárias. Geneticistas podem explorar nosso passado evolutivo ressuscitando os genomas de nossos ancestrais que viveram centenas de milhares de anos atrás.

Watson pode ter desempenhado um papel crucial na abertura da era moderna da biologia molecular, mas ele abraçou algumas ideias sobre hereditariedade que existiam muito antes de ele reconhecer a dupla hélice.

Até os seus 90 anos, ele falava tanto publicamente quanto privadamente sobre sua convicção de que pessoas negras tinham genes que as tornavam menos inteligentes que pessoas brancas.

Os comentários levaram o Laboratório Cold Spring Harbor, que o havia nomeado diretor em 1968, a romper todos os laços com ele em 2019. “O Laboratório condena o uso indevido da ciência para justificar preconceitos”, disse em um comunicado.

O sequenciamento do genoma que Watson ajudou a tornar possível deu aos cientistas uma visão muito diferente da humanidade. Em 2023, por exemplo, as Academias Nacionais de Ciências recomendaram que os cientistas não usassem raça como categoria em estudos genéticos. Eles apontaram que as categorias raciais tradicionais são substitutos pobres para a diversidade genética.

Para entender como nosso DNA molda nossas vidas, precisamos abordar a questão de como nossa experiência interage com ele. E os cientistas ainda estão lutando para responder a essa pergunta.

Mesmo o próprio DNA continua a desconcertar os cientistas. Se você pudesse esticar os 3 bilhões de pares de bases em uma única célula humana, eles mediriam mais de 1,8 metro de comprimento. Mas não podemos pensar no DNA como apenas uma simples linha de texto contendo nada além de receitas para proteínas.

Na verdade, nossos genes codificadores de proteínas constituem apenas uma pequena fração do nosso DNA, enquanto o resto é uma confusa selva de interruptores genéticos de liga/desliga e pedaços parasitas de DNA, muitos dos quais vêm de vírus que infectaram nossos ancestrais.

Com trabalho árduo suficiente, os cientistas resolverão muitos desses mistérios do DNA. Mas levará décadas em vez de alguns anos, e o drama exigirá um elenco de cientistas muito maior do que aquele ao qual Watson pertencia.