Luís Rosa — Já os GNR cantavam em 1986 que os “pós modernos agarram na indústria / E fazem dela uma outra angústia”. Jorge Pinto, diz João Cotrim Figueiredo, não é um pós moderno, é um pós produtivista que “privilegia as preocupações ambientais em vez da produção”, logo defende o empobrecimento, ao mesmo tempo que defende um modelo de desenvolvimento chinês à custa de crimes ambientais. Pinto, o último candidato a entrar na corrida às presidenciais com o apoio do Livre, nem sequer conseguiu explicou o que é ser pós produtivista (um auto-retrato do próprio Pinto). E só este ataque bem sucedido, porque feito na área core do Livre (o ambiente), serviria para dar uma vitória clara a João Cotrim Figueiredo — e logo frente a um candidato que disputa consigo o eleitorado jovem e urbano. Mas o Cotrim conseguiu ir mais longe, com calma, diplomacia mas sem perder a assertividade. O ex-líder da IL denunciou a corrupção e o desperdício financeiro na Saúde e, perante a resposta romântica do “bombeiro” Jorge Pinto sobre o SNS, conseguiu colar o candidato apoiado pelo Livre a uma ideia de inércia perante os problemas reais do SNS. Pior: perante a ideia de Jorge Pinto de uns Estados Gerais da Saúde para resolver os “problemas do SNS”, caso o Governo não consiga resolver os mesmos, Cotrim acusou-o, com razão, de “intervencionismo” e de querer, como Presidente da República, diminuir e substituir-se às oposições. Foi o que Mário Soares fez no seu segundo mandato, transformando-se no verdadeiro líder da oposição ao Governo de Cavaco Silva — a maior violação dos poderes presidenciais de que há memória e que, aparentemente, é uma inspiração para Jorge Pinto.

Nos restantes temas, nomeadamente a competitividade económica, Cotrim Figueiredo manteve-se sereno e calmo. Perante o populismo de Jorge Pinto de não ligar às empresas mas sim “às pessoas”, ao mesmo tempo que acusou o Governo de querer “transformar Portugal num Bangladesh” com o novo Código Laboral, Cotrim respondeu com o óbvio: “Como é aumentamos os salários? Por decreto? E quem cria os empregos, não são as empresas?”. Pelo meio, não se percebeu como a nova utopia da esquerda do Livre, que consiste no contributo da “automação” para a subida dos salários e a emancipação do ser humano, se vai concretizar.

E no final deste autêntico passeio no parque, Cotrim Figueiredo ainda teve tempo de seduzir o eleitorado que votou em Passos Coelho em 2015. E de se oferecer para ser apoiado pelo ex-primeiro-ministro. De Jorge Pinto, pouco se viu, talvez por não ter conseguido “agarrar a indústria” da retórica e de ainda “viver” na “angústia” da utopia.

Miguel Pinheiro — Há uma frase batida que nos diz o seguinte: “Faz-se campanha em poesia, governa-se em prosa”. No mais recente debate presidencial, ficou claro que João Cotrim Figueiredo faz campanha em prosa e Jorge Pinto faz campanha em má poesia. O eflúvio poético do deputado do Livre que fica para a História da campanha é este: “O SNS é a mais bela das conquistas da nossa democracia”. Cotrim teve de lhe explicar o óbvio, com a adesão à realidade de um prosador: quem não reconhece os problemas da Saúde nunca os vai resolver.

Houve mais momentos em que Jorge Pinto se comportou como Assurancetourix, o bardo de Astérix que irritava de tal maneira os gauleses com a sua harpa e o seu canto que acabava sempre amarrado para deixarem de o ouvir. Sobre o pacote laboral, declamou: “Não quero falar das empresas, quero falar das pessoas”. Infinitamente paciente, Cotrim perguntou-lhe: “E as pessoas empregam-se onde? Todas no Estado?”

Tudo visto e somado, ficou claro que Jorge Pinto tem um problema e João Cotrim Figueiredo tem uma oportunidade. Foi um debate esclarecedor, excepto num ponto: Cotrim acusou o adversário de ser um “pós-produtivista” (o que me parece, sem dúvida, grave), Jorge Pinto reconheceu e prometeu esclarecer, só que depois a vida meteu-se pelo meio e ficámos todos na ignorância. Foi pena.

Miguel Santos Carrapatoso — Jorge Pinto entrou neste debate disposto a mexer com os nervos de João Cotrim Figueiredo — e foi conseguindo aqui e acolá. O liberal não esteve particularmente eficaz (veja-se a forma como se perdeu no raciocínio quando queria acusar o adversário de sectarismo) e cometeu erros perfeitamente dispensáveis. Quem parte com a vantagem e com as aspirações renovadas de Cotrim, sobretudo depois do desempenho positivo contra Henrique Gouveia e Melo, tem de fazer uma exibição categórica contra um candidato que o Livre teve de inventar à pressa só para dar um ar da sua graça nesta campanha — ouvir Jorge Pinto a defender a China enquanto modelo de desenvolvimento não constava do cartão do bingo para o debate desta noite. É verdade que, quando Cotrim conseguiu construir uma linha de raciocínio coerente do início ao fim, mostrou domínio dos dossiês e uma visão de sociedade que, atendendo aos resultados eleitorais, será maioritária no país. Como ponto de consolação, ainda se despediu falando diretamente ao coração dos passistas. Ajudou, mas, no futuro, terá de fazer bem mais e melhor contra adversários que serão seguramente mais exigentes.

Pedro Jorge Castro — João Cotrim de Figueiredo tem uns 240 mil seguidores, somando Instagram, Twitter, Facebook e Tik-Tok. Provavelmente serão bastante menos, porque deve ter elementos da claque que o seguem em todas as redes. Um debate em horário nobre, mesmo contra um Jorge Pinto que ninguém visualiza em Belém, facilmente duplica, triplica ou até quadruplica aqueles números — pelo que não se pode desperdiçar.

Fica mais difícil de perceber a atitude blasé do ex-presidente da Iniciativa Liberal neste debate. Foi cansaço? Foi desleixo? Foi preguiça? Foi enfado? Foi excesso de confiança? Foi altivez perante este adversário? Um bocadinho disto tudo misturado?

Pareceu surpreendido com a boca da cobardia atirada pelo diretor de campanha de Marques Mendes (num artigo que saiu no Observador às 14h02); disse que não fez as contas ao valor em que o Estado foi lesado pela médica do caso Obélix (e que apareceu nas notícias todas); deu a entender que não viu a entrevista de Jorge Pinto à RTP; e, para cúmulo, mesmo no fim, perdeu-se num raciocínio e admitiu isso mesmo.

A campanha não lhe está a correr mal desde que apareceu uma sondagem a colocá-lo em quarto, tem capitalizado bem a discriminação, mas tem de aproveitar todas as oportunidades para chegar a tantos indecisos que o estão a comparar com os candidatos que não estão no debate.

A vitória neste confronto não esteve em causa. Apesar de o candidato do Livre ter tripulado ambulâncias como voluntário, o que pode enternecer avós indecisas, bastaria a Cotrim chamar-lhe pós-produtivista e exibir o seu horror às empresas para vencer. Mas teria experiência e traquejo suficientes para dominar e não se mostrou em forma (apesar do piscar de olho aos fãs de Passos Coelho).

Do outro lado, Jorge Pinto aproveitou a montra e surpreendeu: não é propriamente “menos do mesmo”, como ele gostaria, mas para já saiu-se menos mal, e pode mesmo vir a tornar-se a terceira figura do Livre depois destas eleições, num partido que apenas vive dos co-líderes Rui Tavares e Isabel Mendes Lopes.

Recorde aqui:

o debate entre Catarina Martins e Gouveia e Melo

debate entre Gouveia e Melo e Cotrim Figueiredo

debate entre André Ventura e António José Seguro

o debate entre Marques Mendes e António Filipe