Nos últimos meses, legisladores de diversas partes do mundo fecharam o cerco ao livre acesso de menores de idade à pornografia. Reino Unido, França e duas dúzias de estados americanos passaram leis que obrigam plataformas de conteúdo adulto na internet a verificarem a idade dos usuários.

As normas exigem que a checagem da informação vá além da simples pergunta “Você tem mais de 18 anos?”, que qualquer criança sem supervisão consegue burlar.

As medidas têm implicações que, na prática, acabam equivalendo à pura e simples proibição de conteúdos pornográficos – até mesmo para adultos, já que algumas das principais empresas do ramo pornográfico se recusaram a aplicar as novas regras. No Texas, por exemplo, só é possível acessar alguns desses sites por meio de redes privadas virtuais (VPN). 

O tema tem reacendido um debate que mobilizou a opinião pública em meados do século 20: o quanto a sociedade está disposta a restringir a liberdade de expressão para impedir que as crianças tenham acesso a um conteúdo sexualmente explícito?

Tendência de propagação

A verificação de idade tradicionalmente se dá na base da autodeclaração. Ao visitar uma plataforma, o usuário confirma que é maior de idade com um clique para ter seu acesso liberado – um sistema com falhas óbvias. Agora, a discussão tem sido sobre quem recai esta obrigação de checar idade de usuários e de que forma seria melhor determiná-la. 

Em junho deste ano, a Suprema Corte dos Estados Unidos assegurou uma vitória importante aos estados que impuseram limites aos sites pornográficos: a corte manteve a lei texana que obriga plataformas com até 30% de conteúdo impróprio de exigirem documentos de identidade oficiais e dados de cartão de crédito. Processos semelhantes correm para outros 20 estados daquele país.

As regras que exigem a verificação de identidade certamente afastaram muitos usuários maiores de 18 anos, receosos de fornecer seus dados para páginas nada respeitáveis.

Os grupos ligados à liberdade de expressão na internet – que representam os interesses das plataformas de conteúdo adulto nos tribunais – argumentam que a retenção dos dados, como suas informações bancárias associadas a uma “navegação sensível” representam risco de vazamento de informações e comprometimento de reputações. 

Além disso, crianças e adolescentes teriam facilidade de burlar tais barreiras pelo emprego de uma VPN. Com um conhecimento cada vez maior e mais precoce das tecnologias de rede, ninguém poderia impedir um jovem de ver o que quiser online impondo barreiras possíveis de burlar com uma VPN. 

Pornhub deixou de funcionar em 17 estados

Gigante do ramo, o Pornhub, do advogado canadense Solomon Friedman retirou-se de 17 estados americanos em protesto contra a medida. Ele propôs que a verificação de identidade se dê no nível do navegador. 

“A única solução que garante tanto a proteção de crianças e adolescentes quanto a privacidade é uma verificação baseada no dispositivo ou no navegador, um passo simples para a Google ou a Apple”, afirmou Friedman em uma entrevista para a Agência France Press.

Friedman ainda afirmou que a perseguição à pornografia online teria até o potencial de aumentar o interesse dos jovens pela transgressão. O ideal, para ele, seria que governos permitissem a normalização da pornografia para que seu acesso fosse considerado “banal” pela juventude.  

Total descontrole

Para o advogado especialista em direito da criança e do adolescente da OAB Ariel de Castro Alves, a verificação de identidade e faixa etária no nível da navegação representaria, sim, uma solução prática para o “total descontrole” no acesso de menores de idade à internet no Brasil.

“Entendo que Microsoft, Mozilla Firefox e a Google, entre outros, só deveriam ser acessados mediante a identificação do usuário para restrição do acesso aos conteúdos inadequados para as crianças e adolescentes”, defendeu. 

Para além do consumo de pornografia, o acesso de crianças e adolescentes a redes sociais só deveria ser permitido por meio de sistemas de identificação com biometria ou documentos digitais. Ele ainda acredita que as diretrizes de classificação indicativa para programas de TV deveriam ser aplicadas para a internet.

Projetos de lei que aumentam a punição para crimes sexuais contra crianças e adolescentes em ambiente digital tramitam em comissões temáticas no Congresso Nacional. Também foram propostas alterações no Estatuto da Criança e do Adolescente que preveem a proteção dos menores de idade contra a exposição à pornografia.

Na opinião de Marcelo Träsel, professor de Comunicação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, as restrições que plataformas americanas colocam sobre o acesso aos seus conteúdos tendem a se generalizar no resto do mundo por uma questão de “facilidade”.   

“Estas medidas poderiam, sim, resultar numa proibição da pornografia digital online. No caso do Tumblr, alguns anos atrás, motivações comerciais levaram ao banimento destes conteúdos na plataforma em todo o mundo”, lembra Träsel. 

Danos graves

Entre os anos 1950 e 1970, os Estados Unidos vivenciaram embates judiciais envolvendo a publicação de material pornográfico. Ao fim, a Suprema Corte decidiu que os estados não podiam impedir a produção de conteúdo (revistas ou filmes) sexualmente explícitos, desde que o material não fosse vendido a menores de idade. Mas a internet complicou as coisas.

Em um mundo hiperconectado, o conteúdo pornográfico — inclusive cenas que as revistas adultas do passado jamais ousariam retratar — se tornou acessível a crianças e adolescentes.

Mesmo quando vetou a proibição de material pornográfico, o tribunal estabeleceu que material sem qualquer “importância social” poderia ser banido. A jurisprudência abarcava, por exemplo, a revista Playboy, que misturava imagens de mulheres nuas com entrevistas e reportagens. Mas o conteúdo pornográfico atual é mais agressivo e explícito

De acordo com pesquisas dedicadas ao tema, a primeira exposição à pornografia costuma acontecer entre os 11 e os 13 anos de idade.

Estudos indicam que a exposição de jovens a conteúdos pornográficos pode levar a graves problemas de saúde mental, como a “normalização” de atos “violentos e misóginos”, de acordo com o Unicef. Para a Sociedade Brasileira de Psicologia, o consumo precoce de material adulto também está ligado à maior probabilidade de desenvolver comportamento sexual de risco.

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