No âmbito do Encontro do Adult Immunization Board (AiB), que decorre entre hoje e amanhã em Lisboa, tendo como tema a “Imunização de adultos em Portugal: sucessos, lições aprendidas e o caminho a seguir, o pneumologista Filipe Froes, do Hospital Pulido Valente e consultor da Direção-Geral da Saúde, analisa o caso português. Destaca a confiança da população e o Programa Nacional de Vacinação, com 60 anos, como pilares únicos. Da pandemia, defende a manutenção da acessibilidade e a crucial conversão de dados em conhecimento para superar barreiras e robustecer a vacinação de adultos
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HealthNews (HN) – Na sua perspetiva, o que torna o caso de Portugal verdadeiramente único ou um “case study” interessante no contexto europeu da vacinação de adultos, para além das elevadas taxas de vacinação pediátrica e contra a gripe?
Filipe Froes (FF) – Diria que há dois fatores decisivos para o sucesso da vacinação em Portugal: a confiança e a história. A confiança da população nas organizações de saúde, nas sociedades científicas e nos profissionais é enorme, o que se traduz numa adesão muito significativa às medidas propostas. Não devemos ignorar, aliás, que temos um Programa Nacional de Vacinação com quase 60 anos – foi criado a 4 de outubro de 1965. Cobre atualmente 12 doenças para todas as crianças e mais sete para crianças incluídas em grupos de risco. É uma das histórias de maior sucesso na saúde em Portugal e, provavelmente, um dos investimentos mais rentáveis de sempre. Esta conjugação de fatores faz de Portugal um exemplo a seguir, indiscutivelmente, no que toca à confiança e à trajetória do programa. O que nos falta agora? Melhorar a vigilância, a comunicação e, nalguns aspetos, a acessibilidade.
HN – Tendo em conta a sua vasta experiência em doenças infeciosas e em crises de saúde pública, que lições da pandemia de COVID-19 podem e devem ser aplicadas de forma permanente para reforçar os programas de vacinação de adultos em Portugal?
FF – Olhe, destacaria três aspetos. Durante a pandemia, conseguimos garantir uma acessibilidade notável à vacinação, e isso é determinante. Manter esse acesso facilitado, que reduz o esforço das pessoas, é crucial. Depois, é preciso realizar mais estudos sobre o impacto real das doenças que podem ser prevenidas por vacinação em Portugal. Só assim as pessoas conseguem perceber com clareza o risco que correm e os benefícios da vacina. Por fim, tudo isto depende de uma comunicação adequada, assente em dados robustos, exemplos concretos e informação transparente sobre a carga da doença. Só assim se mantém o nível de confiança nas autoridades e nos profissionais de saúde.
HN – Que barreiras, muitas vezes não reconhecidas, persistem no sistema de saúde português que impedem uma abordagem mais proativa e universal na vacinação de adultos, e como podemos combatê-las?
FF – A barreira principal, a meu ver, está na dificuldade em transformar dados em informação, e a informação em conhecimento. Temos muitos dados, mas falta-nos capacidade – humana e técnica – para os processar e interpretar devidamente. Conhecer, neste contexto, significa conseguir caracterizar com rigor a carga da doença, perceber o risco real que as pessoas enfrentam e o que isso significa nas suas vidas. Só com esse conhecimento se pode criar um termo de comparação claro entre o custo da doença e o benefício da vacinação. Sem isso, continuaremos a avançar a meio gás.
Entrevista MMM/HN
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