Zeca Veloso diz não ser consumido pela ansiedade às vésperas de lançar seu primeiro álbum solo, oito anos após o início do projeto “Ofertório”, que o apresentou para o Brasil ao lado do pai, Caetano Veloso, e dos irmãos, Moreno e Tom. Chamada “Boas novas”, a obra de estreia do cantor e compositor de 33 anos entra nos serviços de streaming às 12h de hoje e conta com nove músicas inéditas — a décima, “O sopro do fole”, foi lançada com antecedência pela tia Maria Bethânia, em 2021, e regravada na voz de Zeca no ano seguinte. A versão do carioca integrou a trilha sonora da novela “Pantanal”, da TV Globo.

— Tenho que falar a verdade. Obviamente escolhi fazer (o trabalho), mas não creio que tenha sido ideia minha. Isso veio junto com caminhos que considero espirituais. É por isso que fico tranquilo, porque já não é comigo — contou ele, em voz suave e postura serena, no escritório de sua gravadora, a Sony Music, em São Paulo.

O lançamento não figura como uma ruptura de Zeca com suas raízes, pelo contrário. O quarteto formado por Caetano e os três filhos, por exemplo, aparece logo na primeira canção do álbum, “Salvador”. A faixa foi composta ao longo de sete dias, no fim de dezembro de 2021. Os acertos finais surgiram na véspera de Natal, quando as outras canções do projeto já estavam preparadas e Zeca avançava para a produção. O ponto de partida para “Salvador” foram a palavra “arco” e a percepção de que dali sairia uma “música baiana” — como o nome da faixa sugere.

Com metais bem marcados, a canção discorre sobre um guerreiro que não se dá por vencido “sob o céu do Salvador”. Aos mais atentos, a letra reforça a intimidade de Zeca com a leitura da Bíblia, prática recorrente em sua vida. Foi lendo os Salmos que ele aprendeu a palavra “broquel”, que denomina um pequeno escudo de combate e que aparece na faixa.

— “Salvador” foi uma música sobrenatural — afirma ele, contando que a decisão de trazer o pai e os irmãos para cantar também passa por esses mesmos princípios espirituais. — (Convidá-los) também veio desse mesmo lugar de inspiração que eu creio que vem do divino.

Zeca Veloso: voz em falsete e canções que vão do soul ao samba — Foto: Divulgação/Elisa Maciel Zeca Veloso: voz em falsete e canções que vão do soul ao samba — Foto: Divulgação/Elisa Maciel

Discreto, Zeca conta que deixou de frequentar a Igreja Universal do Reino de Deus, mas que permanece cristão e evangélico — embora tenha preferido não dizer qual igreja passou a frequentar.

— A fé cristã é uma coisa central na minha vida, a coisa mais importante para mim é Jesus — diz.— Nem me lembro mais como tudo começou, eu tinha 10 para 11 anos. Lembro que já ali na minha adolescência foi algo muito real, era verdade. Fui tendo sempre essas experiências de ouvir a voz de Deus, o que creio ser a voz de Deus, e isso foi se intensificando à medida que fui me aproximando.

E por que não lançar um álbum de canções puramente religiosas?

— Entendo que a minha inspiração vem de Deus, e a maneira que eu faço as coisas também, então tem pouco a ver ou tem menos a ver com a minha vontade — detalha ele sobre a decisão de não lançar um álbum gospel.

O álbum de Zeca surge poucos meses após a bem-sucedida turnê de reencontro de Caetano Veloso e Maria Bethânia nos palcos. Na sequência de shows pelo Brasil, recheada de grandes sucessos dos dois irmãos, uma faixa enfrentava resistência das multidões: era “Deus cuida de mim”, do pastor Kleber Lucas, que ganhou uma versão de Caetano em 2022. Zeca diz estar ciente de que pode enfrentar barreira semelhante.

— Acho que é natural, né? Isso é bíblico — resume.

A jornada até o álbum começou há quase cinco anos, quando Zeca chamou Luciano Oliveira — que foi do duo eletrônico The Twelves — para mostrar suas composições. Da conversa, ele passou a enviar demos das faixas. Um pedido do colega, porém, o intrigou: ele gostaria apenas de receber o material com a voz de Zeca, sem instrumento acompanhando.

— Perguntei: “Pô, você não quer nem meu piano? (risos)” Com o material, ele passou a rearranjar as músicas só com minha voz, justamente porque ele trabalhava com remixes. Depois convidei Antônio Ferraz, que é um amigo muito próximo. Comecei com eles, que são pessoas de confiança, amigos — afirma ele, que chegou à conta de dez produtores no trabalho, além de também produzir.

Luciano conta que ainda no primeiro encontro Zeca mostrou um bom volume de músicas e que uma delas, “Talvez menor”, foi lançada basicamente igual ao que o cantor imaginou no primeiro dia. Muitas outras, porém, mudaram bastante.

— O processo de “Máquina do Rio” foi diferente. Ele me mostrou como um samba, mas para mim era um soul, bem Tim Maia— diz Oliveira. — Aos poucos, fui convencendo-o a mudar de ideia. Mas, claro, ainda tem samba no álbum (“Sal desse chão”, com participação de Xande de Pilares e produção de Pretinho da Serrinha).

Muitas canções trazem o mesmo registro em falsete que Zeca experimentou em sua primeira canção. “Todo homem”, que fez parte do projeto “Ofertório” e conta com 23 milhões de visualizações somente no YouTube.

— Eu gosto de cantar nessa região, é onde tenho facilidade, mas estamos explorando outras ondas — conta.

A capa do álbum: estreia de Zeca Veloso — Foto: Divulgação A capa do álbum: estreia de Zeca Veloso — Foto: Divulgação

Faixa que dá nome ao disco, “Boas novas” teve um “empurrãozinho” do irmão Tom, também filho da produtora Paula Lavigne, que apareceu um dia mostrando uma melodia sem letra. Foi no ano de 2020, quando a família esperava o nascimento de Benjamin, filho de Tom. A essa altura, os irmãos, ao lado do pai, tinham encerrado há pouco tempo a turnê do “Ofertório” e lidavam com a chegada da pandemia da Covid-19.

— Há músicas que não vêm do meu controle, da minha vontade de falar algo, e sim de outro plano espiritual — inicia. — Essa coisa de “Boas novas” eu não sabia o que era, mas já existia essa melodia do refrão. Pensei nessa parte e senti que era isso, eram “Boas novas”. Tudo aconteceu em um momento em que eu estava deitado na cama. Não é como se eu tivesse pensado num disco em que daria “Boas novas”, ou isso que penso no mundo, foram coisas que me vieram.

Com o trabalho novo pronto a ganhar o mundo, Zeca conta que está tentando se tornar mais seguro com as próprias criações. E isso tem a ver com a busca de aprovação das faixas pelo pai.

— Eu tinha uma mania muito feia de mostrar tudo pra ele antes, pra ver se ele gostava ou não, se ele aprovava ou não. Aí, tô trabalhando para confiar mais nas coisas que surgem. Até porque elas vêm desse lugar especial de inspiração — conta. — Até consigo discordar. Não é fácil, mas até consigo em alguns lugares.

Ele diz, inclusive, que não sente pressão em corresponder-se com o trabalho de Caetano. Embora veja com bom olhos as semelhanças.

— Sei que tem coisas que têm a ver com o trabalho do meu pai, tem coisas que não. Acho que é bacana ter a ver. Continuidade é uma coisa importante, no sentido de a gente não abandonar certas coisas — pondera.

Ouvir opiniões, inclusive, não é um problema para Zeca, diz quem é mais próximo dele. O amigo de adolescência e produtor Antônio Ferraz diverte-se ao contar que uma das mudanças pela qual passou a faixa “O sopro do fole” se deu após uma conversa do cantor com um motorista de aplicativo que tinha nascido em um dos estados do Nordeste. Ao longo da corrida, Zeca colheu informações sobre como a faixa deveria soar, para ligar-se mais aos ritmos musicais daquela região.

— Ele chegou um dia dizendo que deveria ter mais respiro no acordeão da música. Perguntamos de onde tinha vindo isso e ele disse que mostrou a demo ao motorista e ele tinha recomendado — diverte-se o amigo e cocriador do selo Confuso Editions. — O Zeca tinha essa ambição de fazer um disco de Música Popular Brasileira, e para isso, tinha em mente que teria que utilizar um leque variado de sonoridades.

Além de ser classificado pelos amigos como alguém bastante flexível, Zeca não esconde que a timidez também é um traço importante de sua personalidade. Ao ser perguntado sobre o tema, ele sorri abertamente (esse é o momento em que a semelhança física com a juventude do pai é mais perceptível) e diz que, sim, é alguém mais reservado.

— Eu sou um tanto tímido, mas a gente tem que vencer isso aí, né? — promete.

Agora dedicado ao negócio da família, ele conta que chegou a resistir ao convite do pai para entrar na turnê do “Ofertório”. E só depois mudou de ideia.

— Meu pai chamou a gente para participar e eu não aceitei de primeira, resisti e depois topei. Foi bom — diz, com reservas. — Agora eu tenho um trabalho.