A acusação de Cotrim Figueiredo — que numa entrevista ao Expresso veio assegurar que teria sido alvo de pressões para desistir da sua candidatura, nomeadamente vindas da candidatura de Marques Mendes, mas sem dar mais detalhes — irritou seriamente a campanha do rival. Sucederam-se as respostas: logo na sexta-feira, o diretor de campanha, Duarte Marques, desmentia categoricamente o assunto; a seguir, Marques Mendes garantia que o “desespero” dos adversários é visível nos “ataques pessoais” que lhe lançam; esta segunda-feira, Duarte Marques exigia, em declarações ao Observador, que Cotrim — que entretanto veio dar o assunto por encerrado — detalhasse quem fez essas pressões, e quando, por uma questão de “caráter e seriedade”.

Mas as declarações de Duarte Marques iam mais longe e passam por muita da narrativa que a campanha tem construído à volta do perfil de Mendes (isento e independente, mesmo vindo de uma vida ligada à política e ao “sistema”) — e que, neste caso, acredita contrastar com o de Cotrim.

Se Cotrim tem tentado surgir como uma voz fresca, que quer romper com as práticas velhas de fazer política ou de falar de política, a campanha de Mendes aproveita o episódio para desmontar essa ideia: “Revela que às vezes aqueles que mais pugnam por modernizar a política, por trazer novos valores à política e por fazer diferente, à primeira oportunidade caem logo no erro de fazer aquilo que mais afasta as pessoas da política, a prevaricar e a usar os truques do passado que mais afastam as pessoas”, argumentava Duarte Marques ao Observador.

Mais: a questão define o “caráter” dos dois, acrescentou. “Luís Marques Mendes é uma pessoa de caráter que faz política pela positiva e um tema destes é um tema que magoa, e portanto, como pessoas de bem, exigimos que o Cotrim Figueiredo explique e esclareça aos portugueses — esse sim é um ato de coragem”.

O último passo do raciocínio ilustra a estratégia da campanha de Mendes: colocar Cotrim a correr na pista de Ventura, e não como seu competidor direto. Isto porque o golpe “baixo” da acusação lançada no Expresso, dizia Marques, enquadra-se na ideia de que Cotrim tem protagonizado “alguma aproximação a algumas técnicas, a algum discurso, a algumas posições mais típicas, por exemplo, de André Ventura e do Chega”. Possivelmente por uma tentativa de competição eleitoral entre o eleitorado dos dois candidatos, admitia.

Se a análise que tem sido feita por muitos na ‘bolha’ política é que a candidatura de Cotrim pode prejudicar sobretudo a de Marques Mendes, a campanha do social democrata tenta sacudir assim essa ideia: Cotrim tem feito um discurso mais anti-sistema, sobre corrupção e interesses ocultos, ou com queixas sobre estar a ser desfavorecido pela comunicação social, tudo ideias que colam mais com o tipo de campanha de Ventura. Os eleitores de Mendes serão tipicamente, sugere-se na campanha, mais afetos à ideia do tal “sistema”, sem se deixarem levar por este tipo de discursos.

Mesmo que admitam que alguns votantes PSD/AD serão inevitavelmente atraídos para Cotrim, os elementos da equipa de Mendes têm um dado a que se agarrar: nas últimas sondagens, que colocam Mendes na frente da corrida, Cotrim também sobe (ver dados em baixo). Ou seja, se Mendes continua a subir mesmo que Cotrim também suba nas intenções de voto, pode concluir-se que os impactos da candidatura do liberal não estão a ser assim tão danosos para Mendes, pensa (ou deseja) a campanha.

Onde é que Cotrim estará, então, a ir buscar eleitores, uma vez que as sondagens lhe atribuem intenções de voto mais altas do que as que o próprio partido tinha nas últimas eleições? Ao Chega ou, de forma transversal, aos mais jovens, conjetura-se do lado de Mendes. Outra explicação para tentar contrariar os danos que Cotrim pode fazer será que o próprio Mendes atrai liberais e inclui alguns na sua Comissão de Honra (por exemplo, a ex-deputada do partido Carla Castro), pelo que há uma ‘troca’ de potenciais eleitores que não tem necessariamente de favorecer Cotrim e prejudicar Mendes.

O discurso que Cotrim atira agora contra Mendes é, curiosamente, o mesmo que Mendes acredita que parece copiado de Ventura: associa-lhe “interesses” possivelmente escondidos, pintando-o como uma espécie de candidato do sistema — com o que o sistema pode ter de mau. “Conheço a vida política, mas não conheço todas as posições que tomou. Não sei se algumas das opiniões que tomou nos anos de comentário foram puramente motivadas pela opinião pessoal ou se tiveram outros interesses por trás”, atirava Cotrim na entrevista ao Expresso, acrescentando: “Marques Mendes tem uma vida política muito longa, com várias facetas e variantes que desconheço, na advocacia, em escritórios de advogados“. Assim, concluía, não tinha elementos para dizer se Mendes é ou não uma pessoa “séria”.

A mesma entrevista deixava claro que para Cotrim a luta é, também e de forma assumida, pela conquista do eleitorado do PSD: “O candidato Marques Mendes está com menos 10 pontos percentuais do que teve a coligação que suporta o governo, se é [o candidato] do governo então não está a fazer um trabalho extraordinário”, disparava. Mesmo que Mendes tente atirá-lo para outra pista, partilhada com Ventura, Cotrim quer competir diretamente com o ex-líder do PSD.