Um estudo realizado por cientistas, que revisitaram informações de 2008 coletadas pela missão Cassini – um projeto conjunto da Nasa, ESA (Agência Espacial Europeia) e Agência Espacial Italiana -, reforçou a hipótese de que Encélado, Lua de Saturno, pode apresentar os elementos necessários para o desenvolvimento de vida.
Na ocasião, a sonda Cassini, que sobrevoou uma região muito próxima a Encélado conseguiu atravessar plumas de gelo e gases, possibilitando a coleta de um material expelido do oceano subterrâneo da lua, trazendo novas informações sobre sua química interna.
Quase 20 anos depois, na revisão publicada no início de outubro na revista Nature Astronomy, os cientistas afirmam ter identificados moléculas orgânicas complexas, consideradas essenciais para desenvolvimento da vida em grãos de gelo expelidos por Encélado.
Quais foram os resultados das amostras coletadas na Lua de Saturno?
Os resultados das amostras reafirmaram a presença de precursores de aminoácidos – blocos fundamentais das proteínas – e, além disso, constataram outras moléculas que não haviam sido identificadas nos dados anteriores. Isso aponta para novas possibilidades químicas no oceano subterrâneo sob sua crosta de gelo.
“Encontramos várias categorias de moléculas orgânicas – ou seja, que contêm principalmente carbono – que abrangem uma gama de estruturas e propriedades químicas”, declarou o autor principal do estudo, Nozair Khawaja, cientista planetário da Universidade Livre de Berlim, para a Nature.
Khawaja diz acreditar que “esses compostos sejam intermediários na síntese de moléculas mais complexas”, destacando que é importante observar que, entretanto, “essas moléculas também podem ser formadas abioticamente, sem qualquer interação com a vida na Terra“.
Encélado: entenda detalhes de uma das Luas de Saturno
Descoberto em 1789 pelo astrônomo britânico William Herschel, Encélado é o sexto maior satélite natural de Saturno e é visto como um dos locais com maior potencial para abrigar vida além da Terra.
Com 504 km de diâmetro, Encélado orbita Saturno a cerca de 238 mil km de distância e esconde sob sua superfície um oceano líquido protegido por uma camada de gelo, que pode variar entre 20 a 25 km de espessura.
Para muitos cientistas, esse oceano pode ser dinâmico e ativo. Visto que apresenta fortes indícios de aberturas hidrotermais que liberam água aquecida e rica em minerais. Ambiente semelhante ao que pode ter originado os primeiros organismos vivos da Terra.
Entretanto, apesar da empolgação impulsionada pela identificação das moléculas orgânicas, Khawaja reforça: “não encontramos vida em Encélado e não encontramos nenhuma bioassinatura”.
Uma das Luas de Saturno pode conter vida, de acordo com estudos científicos. (Foto: Nasa Hubble Space Telescope | Unsplash)
O cientista também reconheceu os limites tecnológicos da missão, alegando que “mesmo que essas coisas existissem lá, duvido que as encontrássemos nos dados dos instrumentos da Cassini, que são uma tecnologia com décadas de idade”.
“Entretanto, temos evidências convincentes de que todas as três pedras fundamentais da habitabilidade – água líquida, uma fonte de energia e elementos essenciais e orgânicos – existem em Encélado”, completou.
Decisivos para a descoberta, os grãos coletados haviam chegado praticamente inalterados aos instrumentos da Cassini, sem sofrer efeitos da radiação espacial, o que permitiu a preservação das informações químicas do oceano subterrâneo.
A exploração em Encélado continuará avançando, e a ESA já planeja uma próxima missão à lua mais cotada para a existência de vida fora da Terra.
“Encélado é, e deve ser classificado como, o alvo principal para explorar a habitabilidade e pesquisar se há vida ou não”, completou Khawaja.
Vida fora da Terra? Astrônomo responde
A Gazeta do Povo questionou o astrônomo Alexandre Cherman, ex-diretor do Planetário do Rio de Janeiro, sobre as possibilidades da vida fora da Terra e as recentes descobertas em Encélado.
Ele aponta que, “como a nossa tecnologia de viagens espaciais ainda não nos permite grandes saltos para fora da Terra, o nosso imaginário se acostumou com a ideia de que os alienígenas, que porventura existirem, virão até nós, e não nós até eles”.
“Isso deixa implícito que esses alienígenas, que podem ou não existir, seriam mais evoluídos do que nós, do ponto de vista tecnológico. Ou seja, quando pensamos em ‘vida alienígena’, nosso primeiro pensamento costuma ser “naves espaciais” (isto é, tecnologia avançada). Obviamente isso é um viés que não se justifica. E se os alienígenas forem primitivos? Ou microscópicos, unicelulares? É disso que estamos falando quando falamos de Encélado”.
Cherman diz que “se houvesse [vida em Encélado], muito provavelmente seria uma vida incipiente”.
O astrônomo explica que a ciência evolui a partir de pesquisas, descobertas, erros e acertos.
“Sempre que aprendemos algo, andamos na direção certa. A busca por vida fora da Terra é fascinante e, sem dúvida, uma das fronteiras científicas mais cobiçadas. Mas como dizia Carl Sagan, ‘afirmações extraordinárias requerem evidências extraordinárias'”.
“E evidências de que existe vida fora da Terra ainda não temos. Mas temos, sim, descoberto ambientes que, apesar de hostis, se assemelham com a Terra jovem, onde sabemos que a vida surgiu. Ou seja, estamos longe de bater o martelo, mas estamos mais perto do que estávamos ontem, ou anteontem.”