O sexo une os cônjuges e o objectivo das relações sexuais não é necessariamente a procriação. A afirmação é do Vaticano, que publicou na terça-feira, 25 de Novembro, uma nota doutrinal sobre o valor da monogamia, já aprovada pelo Papa Leão XIV, na sequência do debate sobre a poligamia praticada por alguns fiéis africanos, questão que surgiu durante o Sínodo Mundial, presidido pelo Papa Francisco em 2023-2024
Nesta nota, intitulado Una Caro (uma só carne), Elogio à Monogamia, a Santa Sé aborda a questão das relações sexuais, afirmando que é um aspecto importante da união conjugal: “A união sexual, como modalidade de expressão da caridade conjugal, deve naturalmente permanecer aberta à comunicação da vida, mesmo que isso não signifique que deva ser um fim explícito de cada acto sexual”. Convém lembrar que Una Caro é a forma como a Bíblia exprime a unidade matrimonial.
A Santa Sé salienta agora que o “propósito unificador da sexualidade (…) não se limita a assegurar a procriação, mas ajuda a enriquecer e a fortalecer a união única e exclusiva e o sentimento de pertença mútua”.
Na introdução, o cardeal Victor Manuel Fernández e o monsenhor Armando Matteo, prefeito e secretário do Dicastério para a Doutrina da Fé, escrevem que o texto “baseia-se, por um lado, em diversos diálogos com bispos de África e de outros continentes sobre a questão da poligamia, no contexto das suas visitas ad limina; e, por outro, na constatação de que várias formas públicas de uniões não monogâmicas — por vezes chamadas ‘poliamor‘ — estão a crescer no Ocidente, para além das mais privadas ou secretas que têm sido comuns ao longo da história”.
O documento cita não só Papas, mas também poetas como Pablo Neruda, Eugenio Montale, Paul Éluard, Rabindranath Tagore e Emily Dickinson e retoma o tema do Concílio Vaticano II, que “apresenta o matrimónio antes de mais como obra de Deus, que consiste numa comunhão de amor e de vida”.
Poligamia e poliamor
Este documento teve origem no debate no sínodo mundial, quando alguns dos bispos do Norte da Europa lembraram que os bispos africanos são contestatários da abertura pastoral em relação aos homossexuais, mas defendem a prática da poligamia no seu continente, pois há poligâmicos convertidos ao catolicismo. Neste âmbito, o antigo Santo Ofício decidiu, então, com este texto elogiar a monogamia em vez de ir contra a poligamia, ou o poliamor ocidental. A nota doutrinal em causa define o matrimónio como “unidade indissolúvel”, ou seja, como uma “união exclusiva e pertencimento recíproco” e realça que o “contexto global de desenvolvimento do poder tecnológico” leva o homem a ver-se como “uma criatura sem limites”, distante do amor exclusivo.
Dois aspectos da unidade entre casais, a pertença mútua e a caridade conjugal, também são referenciados: “A pertença mútua própria do amor mutuamente exclusivo implica um cuidado delicado, um santo temor de profanar a liberdade do outro, que tem a mesma dignidade e, portanto, os mesmos direitos. Quem ama sabe que o outro não pode ser um meio de resolver a sua própria insatisfação, sabe que o seu próprio vazio deve ser preenchido de outras maneiras, nunca pela dominação do outro. É isso que não acontece em muitas formas de desejo doentio que resultam em várias manifestações de violência explícita ou subtil, opressão, pressão psicológica, controlo e, em última instância, asfixia”, pode ler-se.
Na conclusão, a nota doutrinal realça que “todo o matrimónio autêntico é uma unidade composta por dois indivíduos, que exige uma relação tão íntima e totalizante que não pode ser compartilhada com outros”. É a unidade que fundamenta a indissolubilidade. A fidelidade é possível somente a partir de uma comunhão escolhida e renovada.
Na conferência de imprensa, o cardeal Fernández, citado pelo jornal La Repubblica, abordou a coincidência entre a publicação do Vaticano e o Dia Mundial para a Eliminação da Violência contra as Mulheres. Embora no texto, “a palavra feminicídio não apareça, na descrição da não-pertença mútua, certamente tínhamos em mente esta questão muito séria, um termo que Papas recentes, incluindo Leão XIII, usaram, e cujas causas são descritas no documento quando falamos de não-dominação do outro”, revelou, prometendo que é um tema que a Igreja ainda precisa “de explorar mais a fundo”.