O número de mortes confirmadas continuava a aumentar e o fogo, mesmo controlado, ainda ardia nesta quinta-feira em três blocos de apartamentos do complexo residencial Wang Fuk Court, no distrito de Tai Po, em Hong Kong, quando a polícia da região administrativa especial chinesa anunciou a abertura de uma investigação criminal à empresa responsável pelos trabalhos de reabilitação nas torres de 31 andares.

As averiguações preliminares concluíram que o uso de material altamente inflamável, nomeadamente placas de poliestireno e andaimes de bambu, terá contribuído para que o incêndio se tenha propagado rapidamente, de forma “descontrolada”, pelo interior e exterior dos apartamentos, na quarta-feira à noite, pelo que a polícia decidiu actuar depressa.

Segundo o Governo de Hong Kong, dois directores e um consultor de engenharia da empreiteira Prestrige Construction foram detidos por suspeita de homicídio culposo e negligência. Para além disso, foram realizadas buscas aos escritórios da empresa, tendo sido apreendidos documentos, incluindo uma lista com todos os funcionários, 14 computadores e três telemóveis.


Juntando o seu testemunho aos dos vários residentes dos edifícios afectados que garantiram que os alarmes de incêndio não dispararam em muitos andares, um antigo membro da equipa de segurança no Wang Fuk Court, que se identificou como “Wong”, disse ao South China Morning Post que a Prestrige chegava a desligar o sistema de incêndio durante os trabalhos de manutenção, apenas por ser mais conveniente para os seus trabalhadores.

Em declarações ao Post, o departamento encarregado pela supervisão dos programas de habitação pública de Hong Kong, que abrangiam os prédios do complexo incendiado, disse que inspeccionou as obras de requalificação em curso em 16 ocasiões desde Julho, a última das quais na semana passada, e que alertou a empreiteira responsável para o risco de incêndio.

“Temos motivos para acreditar que os responsáveis da empresa foram gravemente negligentes, o que levou a este acidente e fez com que o incêndio se propagasse de forma incontrolável, resultando em imensas vítimas”, afirmou Eileen Chung, superintendente da polícia, citada pela Reuters. A origem do incêndio ainda está, no entanto, por confirmar.

Por volta da 1 hora da madrugada de sexta-feira (menos oito horas em Portugal continental), as autoridades da cidade informavam que o fogo que atingiu o complexo residencial em Tai Po, composto por 2000 apartamentos, onde residiam mais de 4600 pessoas, e que deflagrou por volta das 15 horas de quarta-feira, tinha feito pelo menos 83 mortos, 76 feridos – alguns com gravidade. Ainda havia centenas de desaparecidos.

Trata-se do incêndio mais mortífero da história da antiga colónia britânica, cuja soberania foi transferida do Reino Unido para a China em 1997. O facto de ter tido lugar numa das cidades do mundo que mais sofrem com a escassez de habitação acessível e onde há mais casos de casas com condições mínimas de habitabilidade torna esta tragédia ainda mais dramática.

Junto ao local onde chegaram a estar envolvidos 800 bombeiros, e de onde ainda subia, esta quinta-feira à tarde, uma coluna de fumo negro, e nos abrigos que foram montados pelas equipas de emergência para receber os desalojados, dezenas de pessoas procuravam informações sobre os seus familiares ou amigos, outras procuravam (ou davam) explicações para a tragédia.

“Ela e o seu pai ainda não saíram. Não tinha água para salvar o nosso edifício”, lamentava-se uma mulher de 52 anos, citada pela Reuters, falando da filha e exibindo uma fotografia dela. “Se havia idosos a dormir profundamente, terão morrido queimados. Tentámos avisar as pessoas à nossa volta”, conta ao Post Chan Kwong-tak, de 83 anos.

Xi Jinping, Presidente da República Popular da China, apresentou logo na quarta-feira as suas “condolências” aos sobreviventes e aos familiares das vítimas e apelou à concentração de “todos os esforços” para salvar o maior número de pessoas e para se minimizarem as perdas materiais.

Pouco depois de ter visitado um hospital que tratava feridos vindos do Wang Fuk Court, nesta quinta-feira, John Lee Ka-chiu, chefe do executivo do território semiautónomo chinês, ordenou a realização de inspecções extraordinárias em todas as habitações públicas que estejam a ser alvo de obras de manutenção.

Para além disso, anunciou a criação de um fundo de 300 milhões de dólares de Hong Kong (cerca de 33 milhões de euros) para ajudar os residentes do complexo habitacional de Tai Po afectados pelo incêndio.