As tempestades de poeira e os turbilhões que varrem constantemente a superfície de Marte geram pequenas descargas elétricas, registadas pela primeira vez pelo microfone do rover Perseverance.

São “pequenos cliques comparáveis à sensação que se pode ter em tempo seco ao tocar na porta do carro e sentir um pouco de eletricidade estática”, referiu à agência France-Presse (AFP) Baptiste Chide, investigador do CNRS no Instituto de Investigação em Astrofísica e Planetologia de Toulouse, França.

Estas descargas são, portanto, “de muito baixa energia”, mas estão presentes “absolutamente a todo o momento e em todo o lado” em Marte, e o seu impacto está longe de ser desprezável, continuou o cientista planetário.

A sua deteção levou a um estudo conduzido por uma equipa internacional e publicado na revista Nature, no qual participou juntamente com outros cientistas franceses.

Estas descargas têm origem no atrito de minúsculos grãos de poeira uns contra os outros. Carregam-se com eletrões e libertam as suas cargas sob a forma de arcos elétricos com alguns centímetros de comprimento, acompanhados por ondas de choque audíveis.

Na Terra, as tempestades de poeira e os turbilhões de poeira em áreas desérticas também geram campos elétricos. Mas a eletrificação das partículas raramente resulta em descargas elétricas reais.

Em Marte, “devido à pressão muito baixa e à composição da atmosfera, a quantidade de carga que é necessário acumular para gerar uma descarga é muito menor”, explicou Chide.

Este fenómeno foi teorizado desde o início da exploração marciana e reproduzido em laboratório.

Era “uma questão tão importante para a ciência marciana” que um instrumento dedicado à sua observação foi levado a bordo do módulo de aterragem europeu Schiaparelli, recordou o investigador. Infelizmente, a nave espacial caiu durante a aterragem em 2016.

Desde então, “tornou-se uma área um pouco esquecida na exploração marciana”, observou.

Até que, “por acaso”, o microfone integrado no instrumento SuperCam do rover Perseverance, que explora a superfície do Planeta Vermelho desde 2021, registou sinais característicos de descargas elétricas.

A confirmação deste mecanismo, que facilita a dispersão de poeiras, é mais um passo para a compreensão do clima marciano, ainda em grande parte desconhecido. Tal como o ciclo da água na Terra, sabe-se que “a poeira impulsiona o clima marciano”, com, por exemplo, uma “época de tempestades de poeira que começa no final do ano”, destacou o investigador.

Ao acelerar certas reações químicas na atmosfera, estas descargas podem também levar à produção de substâncias altamente oxidantes que, ao condensarem-se, poderiam destruir moléculas orgânicas — os blocos de construção da vida — na superfície de Marte.

Ou poderiam explicar o desaparecimento surpreendentemente rápido do metano, tema de debate científico há vários anos.

A deteção destas descargas tem também implicações para o planeamento de futuras missões a Marte. “Isto permitir-nos-á refinar os nossos métodos de designação de instrumentos, com números muito mais precisos, para melhor proteger” os futuros robôs enviados para Marte, explicou Chide.

E servirá de base para estudos conduzidos pelas agências espaciais para “garantir a segurança dos equipamentos” em antecipação da exploração humana.