As autoridades de combate à corrupção da Ucrânia estão a realizar buscas em casa do poderoso chefe de gabinete de Volodymyr Zelensky, Andrii Yermak.

Tanto a Autoridade Nacional Anticorrupção (NABU) como o Gabinete da Procuradoria para a Anticorrupção (SAPO) confirmaram que estão “a coordenar acções investigativas (buscas) ao chefe do gabinete do Presidente da Ucrânia” e que tais acções “foram autorizadas e enquadram-se numa investigação”. No entanto, as agências não explicaram qual é a investigação de que Yermak é alvo.

O jornal The Kyiv Independent adianta que o inquérito está relacionado com o esquema de corrupção descoberto há algumas semanas no sector da energia nuclear. O caso levou ao afastamento dos ministros da Justiça e da Energia e revelou uma “organização criminosa de alto nível” que envolvia funcionários de ambos os ministérios, mas também um empresário com ligações a Zelensky.

Yermak confirmou estar a ser alvo de buscas, afirmando no Telegram que os investigadores “tiveram acesso total ao apartamento” e que ele está “a cooperar plenamente” com as autoridades. Ainda segundo Yermak, os seus advogados “estão presentes” a acompanhar as diligências policiais.


No caso da rede desmantelada em meados de Novembro, os investigadores revelaram a manipulação de contratos da Energoatom, empresa estatal de energia nuclear, em que os implicados conseguiam apropriar-se indevidamente de 10% a 15% dos valores em causa. Terão conseguido arrecadar cerca de 86 milhões de euros.

O alegado cabecilha do esquema é Timur Mindich, empresário e produtor cinematográfico que fundou com Zelensky a produtora Kvartal 95, quando o actual Presidente era comediante. Mindich foi avisado previamente de que ia ser detido e fugiu para Israel, estando agora a decorrer um inquérito interno na Autoridade Nacional Anticorrupção (conhecida como NABU) para descobrir a origem da fuga de informação.

Logo na altura ficou a pairar a ideia na sociedade ucraniana de que haveria mais implicados na trama e o nome de Andrii Yermak foi mencionado, tal o poder que acumulou junto de Zelensky. “Ele é tão influente e está tão envolvido em tantos assuntos que é impossível que um esquema de corrupção em tão larga escala pudesse acontecer sem o seu conhecimento”, dizia ao Kyiv Independent a directora de uma ONG de combate à corrupção, Daria Kaleniuk.

Na quinta-feira, a revista americana The Atlantic publicou uma entrevista com Yermak em que este comenta o caso de corrupção e os apelos repetidos nas últimas semanas, tanto na Ucrânia como entre os seus aliados, para que Zelensky o despeça. “A pressão é enorme. O caso é justamente badalado e é preciso que haja uma investigação objectiva e independente sem influência política”, disse o chefe de gabinete.

Já depois de o escândalo rebentar, e de o nome de Yermak ter começado a circular, Zelensky decidiu colocá-lo a liderar as negociações com os Estados Unidos com vista a um acordo de paz. Para Yermak não há maior prova de que o Presidente continua a confiar nele. “Ele encarregou-me de fazer estas negociações que vão decidir o futuro do nosso país. Se as pessoas apoiam o Presidente, isso deve responder às suas questões”, concluiu.


Relação antiga

Yermak e Zelensky conheceram-se em 2010, quando o primeiro era advogado e o segundo um comediante que procurava apoio jurídico para fundar a sua produtora audiovisual. Mais tarde, o próprio Yermak entraria no mundo do entretenimento, produzindo filmes.

Apoiante de primeira hora da candidatura presidencial de Zelensky, o agora chefe de gabinete começou por ser nomeado, em 2019, negociador de paz com a Rússia (a guerra no Donbass prolongava-se há cinco anos). No ano seguinte chegaria ao cargo que ainda ocupa, onde as suas funções se multiplicaram, sobretudo depois da invasão russa em larga escala, iniciada em 2022.

Durante este período, Yermak tornou-se a pessoa mais poderosa junto do Presidente, com enorme influência na política interna (nas escolhas de ministros, por exemplo) e com um papel relevante no contacto com líderes políticos estrangeiros. Diplomatas europeus e americanos ouvidos por meios de comunicação ocidentais descrevem-no como uma pessoa com quem não gostam de trabalhar e vêm dizendo há algum tempo que Zelensky devia afastá-lo.

Yermak é também apontado pelos media ucranianos como o principal mentor de uma polémica lei aprovada no Verão passado – e logo revogada – que colocava a NABU e o SAPO sob a dependência directa do procurador-geral, Ruslan Kravchenko, um aliado político de Zelensky e muito próximo de Yermak. Segundo essa lei, que motivou grandes protestos populares na Ucrânia e levou a União Europeia a advertir que ela fazia retroceder o país no seu processo de adesão, o procurador-geral ficaria com poderes para redistribuir processos em curso por procuradores à sua escolha ou para mandar encerrar investigações.