Ninguém quer fazer um tratamento de canal. Mas, se você precisar passar por esse procedimento odontológico, saiba que um novo estudo sugere que ele pode ter um benefício adicional: parece oferecer vantagens protetoras a curto e longo prazo que vão além da boca, incluindo a possível redução do colesterol e do risco de doenças cardíacas ou diabetes tipo 2.
No estudo, publicado na última semana no Journal of Translational Medicine, pesquisadores acompanharam 65 pacientes que apresentavam uma infecção dentária comum chamada periodontite apical. Estima-se que cerca de 50% dos adultos já tiveram pelo menos um dente com periodontite apical.
No Brasil, o Conselho Federal de Odontologia recomenda realizar uma consulta com dentista a cada seis meses. Foto: Peopleimages.com/Adobe Stock
Os pacientes foram submetidos a tratamento endodôntico, cirúrgico ou de canal, no dente infectado. Durante o tratamento de canal, o dentista limpa o interior do dente — incluindo todos os nervos e vasos sanguíneos — para combater a inflamação ou infecção e salvar o dente. Os pacientes foram acompanhados por dois anos.
Os pesquisadores descobriram que o tratamento da periodontite apical estava associado a uma melhor saúde cardiovascular e metabólica, incluindo melhores níveis de açúcar no sangue e colesterol, e menos inflamação.
“A presença de periodontite apical pode aumentar o risco de diabetes, doenças cardíacas e outras condições sistêmicas”, afirma Sadia Niazi, professora e consultora do King’s College London e pesquisadora principal do estudo. “No entanto, o tratamento bem-sucedido promove a cicatrização e leva a melhorias mensuráveis na saúde e no bem-estar geral dos pacientes.”
A nova pesquisa “é um avanço”, diz ela. “É o primeiro estudo longitudinal realizado com o maior número de pacientes até hoje nessa área.”
O que a pesquisa descobriu?
No estudo, Sadia e seus colegas utilizaram espectroscopia de ressonância magnética nuclear (RMN) em amostras de sangue de 65 pacientes, todos encaminhados ao Instituto Odontológico do Guy’s Hospital em Londres com periodontite apical. As amostras foram coletadas em cinco momentos diferentes: antes do tratamento e aos três meses, seis meses, um ano e dois anos.
Antes de serem tratados para periodontite apical, os pacientes — mesmo aqueles que eram saudáveis em outros aspectos — apresentavam níveis elevados de “marcadores associados ao risco cardiovascular”, diz Sadia. Esses marcadores incluíam níveis de açúcar no sangue, perfis lipídicos e indicadores de inflamação crônica que podem afetar a saúde do coração.
Esses marcadores melhoraram após o tratamento dos pacientes, seja com canal radicular ou cirurgia periapical, que às vezes é recomendada para casos mais graves. “Após dois anos, esses níveis estavam visivelmente mais baixos em comparação com os níveis iniciais”, conta ela.
Algumas melhorias foram notadas ainda mais cedo: mudanças significativas no metabolismo lipídico foram observadas aos três e seis meses, incluindo níveis mais baixos de colesterol e ácidos graxos.
O estudo não demonstra relação de causa e efeito, e é possível que algumas dessas melhorias metabólicas possam ser explicadas por mudanças na rotina ou no estilo de vida que os pacientes fizeram durante o período de dois anos, observa Karim El Kholy, professor associado da Faculdade de Odontologia da Universidade de Columbia. El Kholy pesquisa a relação entre saúde bucal e doenças cardiovasculares e não participou desse novo estudo. Como todos os pacientes receberam tratamento, não houve um grupo de controle.
“Mas, falando em algo positivo, acho que o estudo confirma o que muitos de nós, em nossos respectivos cantos do mundo, já descobrimos”, diz ele.
Qual a relação entre tratamento de canal, doenças cardíacas e diabetes tipo 2?
Bactérias e outros germes estão sempre presentes na sua boca, mas o seu corpo geralmente possui um sistema de defesa.
“Se você observar as superfícies do corpo, verá que elas são cobertas por um epitélio (uma camada de células) que funciona como uma barreira protetora”, explica Dana Graves, professora do Departamento de Periodontia da Penn Dental Medicine, que estuda a relação entre diabetes tipo 2 e doença periodontal.
Não existem barreiras desse tipo na ponta da raiz do dente, o que a torna um ponto de acesso perfeito. Ao contrário da parte externa do dente, essa área não é acessível com fio dental ou escova de dentes, e a polpa infectada pode servir como reservatório para a proliferação de bactérias. Nesse estudo recente, os pesquisadores detectaram bactérias no sangue dos pacientes antes do início do tratamento.
Uma vez que essas bactérias entram na corrente sanguínea, elas podem se espalhar. “Sua boca está conectada ao resto do corpo, e essa ligação é importante”, diz Sadia.
Germes presentes na boca podem, por exemplo, migrar para os pulmões, onde podem causar pneumonia ou outras infecções respiratórias. A endocardite, uma infecção cardíaca rara e grave, também pode ser desencadeada por germes da boca que entram na corrente sanguínea e chegam às válvulas do coração. Durante a gravidez, obstetras recomendam uma boa higiene bucal, pois existem algumas evidências de que a periodontite (inflamação das gengivas) pode estar relacionada ao parto prematuro ou ao baixo peso ao nascer.
Um denominador comum, segundo especialistas, é a inflamação. Quando as bactérias entram na corrente sanguínea, podem desencadear inflamação crônica no corpo. A preocupação é que a inflamação prolongada possa, eventualmente, agravar certas condições de saúde, incluindo doenças cardiovasculares e diabetes tipo 2, ambas com uma conhecida ligação com a saúde bucal.
Diversos estudos “mostram que, com um tratamento periodontal bom e rigoroso, é possível melhorar o controle glicêmico ou ter uma melhora significativa nos níveis de glicose no sangue”, diz Dana.
Pesquisas também mostram uma associação entre saúde bucal e doenças cardiovasculares, afirma Salim Virani, vice-reitor de pesquisa e professor de cardiologia e saúde populacional na Universidade Aga Khan, onde estuda doenças cardiovasculares e saúde bucal. Mas uma incógnita — e algo que este novo estudo busca responder — é se o tratamento é eficaz, acrescenta.
“Sabemos, por diversos estudos anteriores, que a má saúde bucal está associada a doenças cardíacas”, diz ele, “mas não sabemos o que acontece quando esses indivíduos são tratados. Isso leva a uma melhora na saúde do coração?”
Consultas regulares são essenciais
Se há uma conclusão a tirar do estudo é que os cuidados dentários de rotina são cruciais, afirma El Kholy. “Às vezes, essas condições que aparecem na boca podem ser silenciosas”, diz ele. “É muito importante detectar esses problemas e tratá-los logo no início, antes que se tornem uma infecção localizada.”
Isso significa visitas regulares ao dentista. A Associação Americana de Odontologia recomenda de uma a duas visitas por ano para a maioria das pessoas (o Conselho Federal de Odontologia recomenda uma consulta odontológica a cada seis meses, independentemente do surgimento de sintomas).
E se o dentista disser que você precisa de um tratamento de canal, é preciso entender “que (isso) não é apenas um procedimento odontológico”, afirma Sadia, “mas pode impactar positivamente a saúde geral”.
Também é importante ter uma alimentação saudável, praticar atividade física suficiente, não fumar e tomar qualquer medicamento para colesterol alto ou pressão arterial prescrito pelo seu médico, diz Virani.
Especialistas afirmam esperar que estudos como esse também incentivem uma maior colaboração entre dentistas e outros profissionais da saúde. “A odontologia, por ser uma especialidade em si, às vezes leva as pessoas a cometerem o erro de pensar que ela está de alguma forma separada do corpo”, avalia El Kholy.
A ligação entre a saúde bucal e a saúde sistêmica “ainda não é totalmente reconhecida nas áreas da odontologia e da medicina”, acrescenta Sadia. “Agora é o momento de avançarmos rumo a um cuidado integrado.”
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