Hoje há final da Taça dos Libertadores (21:00 de Portugal Continental), é Palmeiras-Flamengo, é Abel – o português Abel, ele que tenta a terceira vitória na Champions da América do Sul
Abel Ferreira foi anunciado como treinador do Palmeiras em plena pandemia: 30 de outubro de 2020. O enorme sucesso de Jorge Jesus no Flamengo fez com que o Brasil olhasse para os treinadores portugueses de outra forma E o ex-jogador de Sporting e Braga foi um dos primeiros a aterrar no Atlântico Sul.
Replicar o sucesso de Jesus, desta vez num dos grandes de São Paulo, era a derradeira meta, mas poucos considerariam realista o que Abel acabou por conquistar.
Já antes da sua chegada, o Palmeiras estava qualificado para a fase a eliminar da Taça dos Libertadores, competição que o Verdão ainda não tinha ganho no século XXI e apenas havia conquistado por uma vez, em 1999.
O cenário era muito parecido ao que Jesus encontrou no Rio de Janeiro: um dos maiores clubes do Brasil, com muito dinheiro investido e jogadores dos melhores da América do Sul, mas com dificuldades em impor-se na maior prova continental – o Flamengo também só tinha uma Libertadores antes de Jorge Jesus chegar.
Mais cedo Abel viesse, mais cedo provavelmente o Palmeiras voltava ao topo do continente. A final no Maracanã frente ao Santos, em janeiro de 2021, deu ao Palmeiras a sua segunda Libertadores e o primeiro grande título de Abel no futebol brasileiro. A obsessão do Palmeiras e de Leila Pereira, presidente do clube, tinha finalmente sido alcançada.

Abel Ferreira celebra a conquista da sua primeira Taça Libertadores ao serviço do Palmeiras foto Mauro Pimentel/Pool AFP via AP
A esse título somou-se, em março desse ano, a Taça do Brasil de 2020, ganha ao Grémio. Este sucesso doméstico não era inédito na história do clube, mas é raro vencer-se dois grandes títulos num ano no Brasil. O sucesso também não tinha par na carreira do técnico.
“Acredito que a mentalidade é o que diferencia fortemente o Abel”, diz o comentador da CNN Portugal Bruno Andrade. “Ele consegue fazer com que os jogadores acreditem fielmente no processo. O nível de exigência é abraçado por todos. É raríssimo ver um jogador fugir aos pedidos dele.”
Ter os jogadores com ele é certamente um dos fatores para o sucesso de Abel num país onde ver uma equipa mudar de treinador é tão comum como beber um copo de água. O português, natural de Penafiel, é já o treinador com o maior período consecutivo à frente do clube de São Paulo e, desde a saída de Juan Pablo Vojvoda do Fortaleza, em julho, o que há mais tempo está no cargo no futebol brasileiro.
A anomalia estatística é explicada, em parte, pelo projeto do Palmeiras, que é “há anos é dos clubes mais bem estruturados do Brasil e, consequentemente, da América do Sul”, diz Bruno Andrade.
“Leila Pereira é muito competente e altamente profissional. Há uma saúde financeira invejável. Há, acima de tudo, confiança no projeto. Tudo isso facilita, e muito, a vida do Abel no dia a dia. Ainda assim, naturalmente também há muito mérito dele. É um treinador bastante exigente, inteligente do ponto de vista tático e que consegue ter os jogadores do seu lado.”
O sucesso continental repetiu-se em 2021, frente ao Flamengo em Montevideu, com o ex-Belenenses Deyverson a marcar o golo que deu a terceira Libertadores aos paulistas. 2021 foi também o ano em que Abel levou o Palmeiras até à final do Mundial de Clubes, perdida por muito pouco para o Chelsea. Dessa Leila ainda não se livrou: o Palmeiras continua sem Mundial.

Deyverson celebra o segundo golo do Palmeiras na final da Taça Libertadores de 2021 foto Matilde Campodonico/AP
Os anos seguintes foram de enorme sucesso doméstico, com dois títulos da Série A em 2022 e 2023. Abel não tinha superado apenas Jorge Jesus, mas sim a história.
“Abel Ferreira é o maior treinador da história do Palmeiras. Pode não ser o melhor mas é o maior”, afirma Bruno Andrade, que considera também o português como um “dos maiores treinadores da história do futebol brasileiro”.
Figurar entre nomes como Luiz Felipe Scolari, Mário Zagallo e Oswaldo Brandão não livra Abel, contudo, da crítica. O português tem um feitio tipo espalha-brasas, como ficou exemplificado em Portugal no célebre episódio do “vou embora”, após a meia-final da Taça da Liga 2018-19 frente ao Sporting, perdida nos penáltis em plena Pedreira.
O feitio também viajou para o Brasil. Ainda esta terça-feira, Abel voltou a criticar as arbitragens, após uma derrota frente ao Grémio a contar para a Série A, que deixa o Palmeiras quase irremediavelmente fora do título. As palavras valeram-lhe um recado da Confederação Brasileira de Futebol (CBF).
Mas não são só as instituições que estão em colisão com o técnico português. Jornalistas e adeptos, estes mais pelo que se passa dentro das quatro linhas, também já perderam a paciência algumas vezes.
“Já são cinco anos no cargo, então naturalmente há contestação. No caso dos jornalistas, é a comunicação agressiva e o lado explosivo, dentro e fora de campo, sendo uma vez ou outra desrespeitoso. No caso dos adeptos, o brasileiro quer sempre um futebol bonito e para frente, mas muitas vezes o Palmeiras é ‘pragmático’ e ‘resultadista’. Visto que o Palmeiras é dos clubes que mais investem em reforços e quase sempre tem grandes jogadores, essa cobrança é ainda maior”, afirma o comentador da CNN Portugal.

O feitio de Abel já o colocou em rota de colisão com jornalistas, adversários e até os próprios adeptos do Palmeiras foto Andre Penner/AP
Abel tem agora este sábado nova possibilidade de fazer história frente ao Flamengo na final da Libertadores de 2025, disputada no Peru. Em caso de vitória, o português passaria a ser o segundo treinador com mais títulos da Libertadores, a par de Osvaldo Zubeldía, e o treinador do futebol brasileiro com mais vitórias na competição.
O treinador português termina contrato com o clube no final deste ano. Caso não renove, haverá, certamente, muitas opções em cima da mesa. Mas será difícil ter o mesmo impacto.
“O Abel tem qualidade de sobra para fazer um bom trabalho num gigante europeu, mas não com o mesmo impacto, uma vez que o nível de treinadores no Brasil é muito, muito fraco. O futebol brasileiro, para o bem e para o mal, proporciona uma trajetória de sucesso”, diz Bruno Andrade.