
Tripulação de um carro de combate Leopard 2 do 104º Batalhão Panzer do Exército Alemão
Segundo um documento de 1.200 páginas revelado pelo The Wall Street Journal, a Alemanha está a preparar-se para um eventual ataque russo antes de 2029 — e elaborou um “plano de guerra” para conter as forças russas.
Auto-estradas transformadas em pistas de aterragem para aviões, “cidades” erguidas em apenas duas semanas e uma logística capaz de mobilizar 800 mil soldados alemães, americanos e de outros países NATO para a linha da frente, em caso de guerra com a Rússia.
Estes são alguns dos principais pontos do “OPLAN DEU”, o plano secreto da Alemanha para responder a um eventual ataque de Moscovo num futuro próximo.
Segundo uma reportagem do The Wall Street Journal publicada na quarta-feira, o documento de 1.200 páginas foi elaborado há cerca de dois anos e meio por elementos do alto comando do Exército Alemão.
De acordo com a reportagem, os oficiais do exército alemão acreditavam inicialmente que a Rússia estaria pronta para atacar a NATO a partir de 2029.
No entanto, uma série de recentes incidentes de sabotagem, espionagem e violação do espaço aéreo europeu, atribuídos a Moscovo, levantam suspeitas de que um ataque por parte do país liderado por Vladimir Putin possa ocorrer antes deste prazo.
Um cessar-fogo com a Ucrânia pode também dar tempo e recursos à Rússia para preparar uma agressão aos aliados da NATO, acrescentam analistas ouvidos pelo WSJ.
Caso venha a ocorrer uma guerra entre a Rússia e as potências ocidentais, a Alemanha teria um papel fundamental devido à sua localização geográfica, já que, com os Alpes a formar uma barreira natural, as tropas da NATO teriam de atravessar o país para chegar à Europa de Leste.
Para além dos detalhes logísticos que envolvem linhas férreas, auto-estradas, portos e rotas por onde tropas e suprimentos seriam transportados, o plano também descreve como soldados e veículos seriam protegidos, alimentados e alojados durante estes movimentos.
Ainda segundo o WSJ, o OPLAN DEU serviria também para dissuadir a Rússia de qualquer intenção de atacar territórios da NATO. “O objectivo é prevenir a guerra, deixando bem claro aos nossos inimigos que, se nos atacarem, não terão sucesso”, afirmou ao jornal um alto responsável e coautor do plano.
Mudança de mentalidade
Segundo a reportagem do WSJ, um dos principais desafios do plano é a mentalidade que se instalou na Alemanha após o fim da Guerra Fria e a reunificação do país, em 1990.
Um “otimismo pacífico” levou Berlim a descurar o investimento em infraestruturas de dupla função pensadas para um cenário em que a Alemanha ficasse no meio de um conflito global, como entre americanos e soviéticos.
Um dos exemplos dessas infraestruturas são as famosas “autobahns“, cuja construção previa a sua conversão em pistas de aterragem para aeronaves de grande porte. Para esse efeito, os rails de protecção deveriam poder ser facilmente removidos, assim como a divisão central das faixas.
Existiam também reservatórios subterrâneos de combustível e infraestruturas para montagem imediata de torres de controlo aéreo.
No entanto, a partir dos anos 1990, estes projectos foram abandonados – e muitas das vias mais recentes já não contemplam essa possibilidade de uso duplo.
Segundo o WSJ, o governo alemão acredita que 20% das auto-estradas e 25% das pontes necessitam de obras de adaptação para permitir a passagem de veículos de grande porte.
Para os portos do Mar do Norte e do Báltico, estão ainda previstos investimentos de 15 mil milhões de euros, dos quais 3 mil milhões só para projectos que permitam o uso duplo das infraestruturas.
O plano de guerra alemão refere ainda a necessidade de facilitar parcerias com o sector privado, caso a ameaça russa se concretize.
Nos últimos anos os exercícios militares têm já envolvido algumas empresas, como a Rheinmetall, especializada em logística, que assinou um contrato de 260 milhões de euros para apoiar as tropas alemãs e da NATO, refere a reportagem.
Nos últimos meses, a Rheinmetall construiu, em 14 dias, um acampamento completo para 500 soldados, com alojamentos, cinco postos de combustível, um refeitório e vigilância por drones – “uma cidade construída do nada em 14 dias e desmontada em 7″, contou uma fonte da Rheinmetall ao jornal norte-americano.
A operação, no entanto, revelou também as limitações das atuais infraestruturas alemãs: não houve capacidade para acomodar todos os veículos, e o terreno era irregular, obrigando a empresa a transportar os soldados de um lado para o outro.
Apesar disso, as forças armadas alemãs mostram-se optimistas quanto à implementação do plano, destaca o Wall Street Journal.
“Considerando que começámos do zero no início de 2023, estamos muito satisfeitos com o ponto a que chegámos hoje. É um projecto muito sofisticado”, afirmou um dos coautores do OPLAN DEU ao jornal norte-americano.