Manuel S. está há três anos no Luxemburgo. A separação, ao fim de 14 anos de casamento, levou-o a emigrar sozinho, aos 39 anos, para ter um salário melhor do que em Portugal, poder pagar as pensões dos dois filhos e, quem sabe, juntar um pé de meia. “Pura ilusão”, desabafa. Diz viver com sacrifícios para conseguir mensalmente “dar algum dinheiro” aos filhos. O pouco que sobra junta para as viagens, esporádicas, ao país natal, e espera pelas “alturas mais baratas, para matar saudades dos meninos”.
“Não conhecia aqui ninguém no Luxemburgo e vim à procura de um salário melhor. Nunca pensei é que fosse tão difícil viver com o salário mínimo no país mais rico da Europa. É uma desilusão. O dinheiro não chega para o custo de vida”, começa por contar ao Contacto, numa manhã cedo, antes de entrar ao trabalho, nas limpezas no exterior de uma superfície comercial. Um trabalho “à chuva, neve e frio gelado” e onde folga “apenas ao domingo”.
Aqui, nem me lembro da última vez que fui a um café… O dinheiro está todo contado, para sobrar algum para os filhos
Manuel S.
Em Portugal, era feirante e o salário mínimo que ganhava sempre dava para pagar as contas e “até ir ao café e conviver com amigos”, conta. “Aqui, nem me lembro da última vez que fui a um café… O dinheiro está todo contado. Mesmo com a vida de sacrifício e com o cinto cada vez mais apertado só consigo enviar 100 ou 120 euros para cada filho, para a menina de cinco anos e para o rapaz de 18, que já está na faculdade”, declara. O pouco dinheiro junta-se aos abonos dos meninos do Luxemburgo que envia também. “São 200 euros por cada um. Muito superior ao de Portugal, e isso, pelo menos, é positivo”, repara.
Solidão “cada vez mais difícil de suportar”
No Luxemburgo, faz uma vida rígida, nem nunca sai para conviver socialmente. Até porque, diz, não tem amigos no Luxemburgo. “Não tenho dinheiro para ter vida social. Nunca saio. Vivo apenas entre a casa e o trabalho”, diz. Uma solidão que “cada vez é mais difícil de suportar” e maiores são as “saudades” dos seus.
“Sinceramente, já desisti de fazer amigos aqui. Não sei falar as línguas do país, sobretudo francês. E, infelizmente, sinto que há muitos portugueses que aqui estão há muitos anos olham para quem chega com um ar superior”, sublinha.
Manuel S. sabia que não seria fácil iniciar uma vida no Luxemburgo, um país totalmente desconhecido e com idiomas que não domina. “Mas, nunca pensei ser tão difícil”, admite. Por sorte, quando estava “já quase a passar a dormir no carro”, uma conhecida da sua terra natal cruzou-se com ele e ajudou-o. “Essa senhora ficou surpreendida quando me viu aqui e graças a ela tenho emprego”.
Ler mais:Construção. Portugueses estão a deixar as obras no Luxemburgo para voltar a trabalhar em Portugal
Salário de 2.400 euros: 1.200 euros são para a renda
O português já não precisa de lápis e papel para as contas. Sabe tudo o que gasta de cor: ganha o salário mínimo não qualificado, 2.700 brutos, trazendo para casa 2.400 euros. “A renda da casa é 1.200 euros e agora tenho casa porque procurei fora do Luxemburgo, vivo numa cidade alemã fronteiriça. Antes vivia num quarto. A renda mais as despesas fixas da casa levam-me mais de metade do salário”, conta.
Como começa a trabalhar ao meio-dia, Manuel S. come “qualquer coisa em casa”, e diz que “depois lá dão o lanche”. Sai pelas 19h30 e à noite janta uma sopa. “Não passo fome, até porque sou de comer pouco, mas aperto o cinto. Só assim consigo que sobre dinheiro para os filhos”, frisa.
Já nem sequer tem carro. “Precisa de um arranjo de 3.000 euros, que não tenho, pelo que decidi vendê-lo. Pagaram-me apenas 500 euros por ele”. Agora anda de bicicleta, diz ter sorte do trabalho não ser muito longe de casa.
“Todo o dinheiro é poupado”
“Todo o dinheiro é poupado”, sublinha. Este ano, tal como nos dois anteriores, vai passar o Natal e Ano Novo sozinho no seu apartamento: “Não consigo ir a Portugal para passar com a família. Não tenho 300 euros para os bilhetes nesta altura”. Contudo, já tem viagem marcada para meados de janeiro. “Vou porque consegui comprar uma viagem a 53 euros e vou lá passar uma semana, ver a família. Só assim consigo ir lá”.
Compensa, afinal, estar imigrado no Luxemburgo? A resposta sai honesta. “Se formos a ver, é quase a mesma coisa. Por exemplo, lá, como disse, tinha o hábito de ir ao café todos os dias. E convivia com amigos. Aqui, a ganhar o salário mínimo e com as despesas que tenho, se fosse frequentar o café e fazer noitadas com amigos, o dinheiro não chegava ao fim do mês”.
Ler mais:Luxemburgo. Como é que o país dos salários mais altos tem os trabalhadores mais pobres da UE?
Não sou feliz no Luxemburgo, vivo sozinho, afastado dos meus filhos, mas tenho de continuar por cá.
Manuel S.
Manuel S. reconhece que em Portugal, a ganhar menos “era feliz” e tinha “mais qualidade de vida”. “Não sou feliz no Luxemburgo, vivo sozinho, afastado dos meus filhos, mas tenho de continuar por cá, mais dois ou três anos. Vivo assim, só pelos meus filhos”.
Separado, a vida em Portugal seria mais complicada: “Como é que a ganhar o salário mínimo português de 800 euros conseguia pagar renda de casa, despesas e as pensões dos filhos? Aqui consigo enviar algum dinheiro, passo mais mal, mas sempre sobra alguma coisa para eles”.
Pela primeira vez, Manuel S. sorri e garante: “Se o salário mínimo em Portugal aumentasse para 1.100 euros regressava já. Nem pensava duas vezes. Uma casa como esta onde vivo aqui, na minha terra em Portugal, a renda é de 300 euros, aqui é 1.200. Conseguia viver lá com 1.100 euros”.
Confessa que gostava de aprender a falar francês, para poder melhorar a sua situação, mas “a escola gratuita é só em Wiltz, fica longe, e eu saio tarde do trabalho”. “Não falo a língua, mas compreendo tudo o que dizem. É mau viver num país sem falar um dos idiomas nacionais”.
A quem, como ele, que só tem a “escolaridade mínima”, Manuel S. aconselha “a não emigrar para o Luxemburgo”. “Os portugueses que têm estudos superiores e carreira qualificada, como médicos, dentistas, e saibam falar francês, podem vir para cá, que ganham muito bem. Vale a pena. Agora, quem só pode ganhar o salário mínimo, desaconselho vivamente. É uma luta dura”.
Newsletter O PRIMEIRO CONTACTO
As principais notícias, reportagens e opiniões para começar o dia.
Sie können sich jederzeit wieder abmelden, wenn Sie das möchten. Weitere Informationen finden Sie in unserer Datenschutzrichtlinie.