As celebrações do 25 de Novembro de 2025 tiveram momentos não propriamente antagónicos, mas distintos, e o Presidente da República esteve em todos. Logo de manhã, na parada militar no Terreiro do Paço, a meio da manhã na Assembleia da República e, à tarde, na Fundação Calouste Gulbenkian, no seminário 25 de Novembro, 50 anos depois, promovido pela comissão oficial dos 50 anos do 25 de Abril. E Marcelo Rebelo de Sousa disse o mesmo em cada um destes momentos? Não.
Falar do 25 de Novembro, seja em 1975 ou em 2025, é falar também de «trincheiras», expressão usada por Aguiar-Branco. E falar de trincheiras leva-nos inevitavelmente à ideia de que, ontem como hoje, há vencedores e vencidos.
Em 2025, venceu a agenda de direita, que hoje domina o Parlamento, as rosas brancas sobrepuseram-se aos cravos vermelhos. Venceu Nuno Melo e o CDS, que, mais do que outros, dentro do Governo e no Parlamento, fizeram questão de comemorar a data. No final das cerimónias, o ministro da Defesa, acompanhado pelos parlamentares do partido eleitos nas listas da AD, sublinhou com o entusiasmo possível uma opção que claramente dividiu os portugueses, mas que, no entanto, deu espaço ao CDS nas «tensões no campo da representação partidária da direita», disse-nos o politólogo António Costa Pinto, acrescentando que «ativar o 25 de Novembro» é também uma tentativa do CDS fazer frente à direita mais radical, que lhe toma o espaço e o discurso.
Podemos dizer, então, que venceu a agenda de direita, mas não venceu a direita, também porque o espaço à direita da direita está escancarado para André Ventura.
«O 25 de Novembro não é só história«, disse André Ventura a partir da tribuna, «é a resistência a um projeto que queria mudar o país». Mas o país mudou – mudou em democracia – e criou a possibilidade de um partido de extrema-direita ser hoje a segunda força mais votada no Parlamento. Não é garantido que André Ventura e o Chega façam parte dos vencedores do 25 de Novembro de 2025. Um líder que evoca os 900 anos da História de Portugal com enviesamento e ressentimento, que transforma a data do 25 de Novembro num arraial histórico, pode ser considerado um eficaz demagogo, dificilmente um vencedor.
«Se esta comemoração se ritualizar regularmente, com o mesmo simbolismo das celebrações do 25 de Abril, se tiver um estatuto equivalente, alguns dos vencidos do 25 de Novembro de 1975 são hoje vencedores», disse ao Nascer do SOL António Costa Pinto, acrescentando que estas celebrações «nos dizem mais sobre o presente do que sobre o passado», recordando que a direita teve um papel muito importante na mobilização popular, na criação de uma fação anticomunista, na tensão que dividiu o Norte do Sul do país, em que a moca de Rio Maior emerge como símbolo. E lembra ainda que o Parlamento tem entre os seus vice-presidentes Pacheco de Amorim, um operacional do MDLP. Se o grande vencedor civil do 25 de Novembro é Mário Soares e o PS, também é incontestável que o PS, na firme oposição ao PCP, contou com a mobilização popular da Igreja e da direita anticomunista.
No Largo do Rato, nessa terça-feira, no final de uma cerimónia evocativa da data, em que intervieram Manuel Pedroso Marques, Isabel Soares, numa intervenção vívida, Manuel Alegre, que disse «que não viu ninguém da direita», e José Luís Carneiro, o secretário-geral do PS afirmou: «Continuaremos a celebrar o 25 de Novembro e libertaremos a data do espartilho em que a quiseram colocar este ano», assumindo assim implicitamente que o PS não foi um dos vencedores do 25 de Novembro de 2025.
«Evocar o 25 de Novembro é evocar quem lutou pela democracia que hoje temos, é lembrar que não devemos dar a democracia por adquirida, é ensinar que a democracia liberal é – e continuará a ser – o único sistema que permite espaço para quem propõe sessões solenes, para quem se opõe a sessões solenes e até mesmo para quem se recusa a estar presente em sessões solenes», disse o Presidente da AR, José Pedro Aguiar-Branco.
Aguiar-Branco falava do PCP, que nesse mesmo dia justificava a ausência do partido: «O PCP não compactua com a operação em curso de utilização do 25 de Novembro para pôr em causa o 25 de Abril, não alinha na reescrita da história, nem alinha com os saudosistas do passado fascista», disse a deputada comunista Paula Santos.
E Aguiar-Branco disse também que «é estranho ouvir dizer que o 25 de Novembro é uma data que divide». Dito isto, olhou para o futuro, para os jovens nas galerias, e falou para eles.
«O mundo como o conhecem, o país como o conhecem, está prestes a mudar» e essa mudança «surgirá mais depressa do que cada um de nós possa prever». E falou de um filósofo – na verdade, de um verso da canção Beautiful Boy (Darling Boy), de John Lennon: «Life is what happens to you while you’re busy making other plans».
E foram muitos os que ficaram perplexos com o discurso do PR, em plena guerra das rosas e dos cravos. Marcelo começou por dizer que é pouco importante quem, há 50 anos, saiu derrotado, porque quem venceu foi a pátria. E passou para a evocação de D. Pedro, príncipe do Reino e Duque de Coimbra, «que morreria às mãos de um sobrinho», mas que acreditava que «a maior virtude era a temperança».
Dito de outro modo, o Presidente da República fugiu ao assunto. Podemos pensar que o príncipe D. Pedro e a carta de Bruges, de 1426, fazem parte de um momento da História de Portugal em que duas visões do país se confrontaram. D. Pedro, como o irmão D. Duarte, era um príncipe culto, um reformista, que tomou medidas relevantes, ainda que num ambiente de enorme tensão política, quando exerceu a regência em nome do sobrinho, D. Afonso V, mais truculento e instável, mais dado à guerra e menos à administração do reino. A Batalha de Alfarrobeira, que colocou dos dois lados das trincheiras tio e sobrinho, e que culminou com a derrota do Duque de Coimbra, é isso mesmo: uma batalha. No último discurso na Assembleia da República, Marcelo Rebelo de Sousa quis deixar outro recado, que não o da «temperança», mas justamente um alerta para a destemperança dos tempos que aí vêm?
António Costa Pinto disse-nos que é bem mais simples: «De manhã, no seu último discurso oficial, perante o Parlamento, Marcelo ignorou o tema e fez um apelo informal à unidade nacional», e, «à tarde, na Gulbenkian, fez um discurso em que se demarcou e, de forma discreta, optou pelas interpretações mais consensuais do 25 de Novembro», mantendo a ideia de que foi um passo decisivo para a democracia liberal, ainda que não se confunda com o 25 de Abril, o momentum de liberdade e democracia da nossa história recente.
Eanes agradece a Marcelo mas recusa marechalato
António Ramalho Eanes recusa «em definitivo» a promoção a marechal, que Marcelo Rebelo de Sousa insistiu ser-lhe mais do que devida na sessão solene evocativa do 25 de Novembro na Assembleia da República. «Agradeço muito sensibilizado ao Senhor Presidente da República as suas palavras e insistência na minha promoção, mas as condições que me levaram a resusar no passado mantêm-se inalteradas, pelo que recuso em definitivo essa possibilidade», declarou o antigo Presidente da República ao Nascer do SOL. O general acrescentou que a sua recusa afasta igualmente uma «qualquer tentativa de promoção a marechal futura», ou seja, mesmo a título póstumo, e fez questão de frisar: «Já dei instruções aos meus filhos» nesse sentido.
Ramalho Eanes sempre recusou o bastão de bacharelato que, como Marcelo lembrou, no pós-25 de Abril, foi atribuído aos generais que exerceram as funções de Presidente da República, Costa Gomes e António de Spínola.
Além de Marcelo, também o secretário-geral do PS, José Luís Carneiro, defendeu que Ramalho Eanes devia reconsiderar e aceitar a promoção a marechal.