Rita chegou a Portugal em janeiro de 2025 para terminar a especialidade do curso de Medicina. Vinha para ficar dois anos. Entrou no país de forma legal, tinha todos os documentos necessários para o título de residência e cumpria todos os requisitos. Nunca falhou nas obrigações, mas atualmente é considerada “ilegal”
Chegou a Portugal em janeiro deste ano com visto de estudante universitária. Rita (nome fictício) é aluna de medicina e veio para Portugal terminar a especialidade ao abrigo de um protocolo entre a sua Universidade, em Angola, e a Faculdade de Medicina do Porto. Para obter o título de residência, ao qual tinha – e tem – direito, apenas faltava a recolha dos dados biométricos que ficou agendada para maio. Está sozinha no país e queria ir passar o Natal a casa. Não pode. Os constantes cancelamentos da AIMA deixaram Rita ilegal. Não pode sair do país, porque poderá não conseguir voltar. O seu visto de estudante caducou e já devia ter a residência autorizada, mas não tem.
Ana Borges é advogada e acompanha o caso de Rita. Em declarações à CNN Portugal confirmou que atualmente “a jovem médica encontra-se ilegal, uma vez que não dispõe de visto válido, nem de título de residência”. Acrescenta também que tal “deve-se exclusivamente aos sucessivos adiamentos dos agendamentos por parte da AIMA”. Argumenta que a jovem médica, uma profissional altamente qualificada, “entrou em Portugal em janeiro de 2025 com o respetivo visto” e que “é inconcebível que se encontre ilegal na presente data”.
Apesar de estar no Porto a viver e a estudar, a recolha dos dados foi sempre marcada para Faro. Para estar a tempo do agendamento de maio, foi no dia anterior e passou a noite na região. Quando já lá se encontrava, Rita foi surpreendida com uma desmarcação. De maio, a recolha de dados passou para julho. De julho passou para setembro e, agora, está marcada para três de dezembro. O processo devia ter sido rápido, mas não foi.
Cada vez que vai a Faro, perde dois dias, além do que gasta na deslocação e na estadia. Inevitavelmente, e devido às constantes remarcações, o visto de estudante caducou.
“O visto de residência deveria ter sido emitido com data de agendamento para deslocação à AIMA e no caso concreto não tinha agendamento, conforme prevê o artigo 14 do Decreto-Regulamentar n.º 84/2007. Tal facto, impõe ao imigrante ter de solicitar agendamento, o que atrasa todo o procedimento”, explica a advogada. Ou seja, Rita entrou em Portugal com visto de estudante, mas sem um agendamento porque lhe disseram que não estavam a conseguir marcar e que seria melhor ela o fazer quando estivesse em Portugal. O que a jovem angolana fez quando chegou.
Na verdade, a primeira falha da AIMA terá sido, precisamente, não ter feito logo o agendamento: “A AIMA, que analisou o pedido de visto, deveria ter enviado para o Consulado uma data de agendamento, mas não o fez, violando o disposto na lei”. Mas como se não bastasse, “a AIMA dispõe de 90 dias úteis após o agendamento, para análise e emissão do título de Residência” e nesta situação os prazos foram há muito ultrapassados, refere Ana Borges.
A sua vinda para Portugal é apenas para terminar a especialidade em medicina, ao abrigo de um protocolo da sua Universidade e a Faculdade de Medicina da Universidade do Porto. Um protoloco que implica viver e estudar dois anos em Portugal. Consigo trouxe um termo de responsabilidade da instituição de ensino angolana, que também assegura as despesas da jovem no país, incluindo a renda que paga para viver no Porto.
Rita não tem qualquer família em Portugal e desde janeiro que não vê a família. “A jovem encontra-se sozinha, sem qualquer colega de curso próximo ou familiar. Por este motivo agendou viagem ao seu país de origem, para o Natal e Fim do Ano, uma vez que era impensável que um ano após a entrada em Portugal não fosse portadora do respetivo título de residência”, conta Ana Borges.
Rita agendou e pagou a viagem. “Não dispondo atualmente do título de residência, importa referir os danos patrimoniais e morais que acarretam para a jovem, a não deslocação ao país de origem”, ressalva a advogada.
Dois cancelamentos sem justificação e um terceiro em que disseram que a documentação era “antiga”
A advogada lembra que além de cumprir todos os requisitos para a emissão do visto de residência, ela ainda é uma cidadã de um país CPLP – Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. A cidadã angolana cumpre todos os requisitos para a obtenção do título de residência: dispõe de alojamento, tem meios de subsistência, registo criminal limpo, está matriculada numa universidade pública e frequenta as aulas da especialidade. “A demora de um ano para conseguir obter título de residência, viola a lei aprovada e vários princípios constitucionais”, garante a advogada.
Quando fizeram o cancelamento da recolha dos dados biométricos, em maio, não deram explicações a Rita. Na altura, fizeram logo a remarcação para julho. Nessa altura, também não houve justificações. Apenas uma nova data: setembro.
No entanto, em setembro, apresentaram como motivo para não recolher os dados, as datas de alguns documentos. Rita explicou que nunca ninguém a tinha informado que era preciso atualizar as declarações.
“No último agendamento, na AIMA em Faro não aceitaram a entrega da documentação por considerarem que as datas de alguns documentos eram antigas. Nomeadamente da Declaração da aceitação e da Declaração da orientadora do hospital”, explica Ana Borges.
Mas não só. “Referiram também que se encontrava em falta a declaração de alojamento emitida pelo senhorio. Sendo que esta declaração passou a ser exigida pela AIMA a 8 agosto 2025. Pelo que a jovem apenas apresentou o documento que na altura – início do ano – a AIMA aceitava, ou seja, o atestado de residência passado pela junta de Freguesia”, acrescenta a mesma fonte.
A advogada não tem dúvidas de que, em setembro, “deveriam ter realizado a recolha dos dados biométricos e aceitado os documentos apresentados pela jovem médica. Caso o instrutor do processo considerasse que deveriam ser apresentados novos documentos notificaria a jovem, no âmbito da audiência prévia de interessados, para no prazo de 10 dias úteis apresentar novos documentos”. Este é um procedimento usado muitas vezes.
A CNN Portugal questionou a AIMA sobre este caso, por email, mas até ao momento não obteve qualquer resposta. Rita tem novo agendamento marcado, para Faro, dia 3 de dezembro. E lá estará apesar de saber que ir a casa no Natal, é um desejo impossível.