O confronto entre Jorge Pinto e Luís Marques Mendes deixou à vista duas concepções distintas da Presidência, mas também uma zona de entendimento mínimo, onde cabem a ambição, a diversidade e a necessidade de preservar a estabilidade institucional. O debate deste sábado na RTP1 expôs como dilema central quem melhor garante equilíbrio num ciclo político marcado pela fragmentação.

Logo no arranque, os dois candidatos presidenciais transformaram a vitória da selecção sub-17 no Mundial de futebol numa metáfora programática. Para Jorge Pinto, o triunfo “mostra bem que a diversidade de Portugal é a sua grande força”, enquanto para Luís Marques Mendes o episódio mostra “um grande exemplo do que quero para o país: ambição”, encaixando a conquista na narrativa de superação que tem procurado construir, centrada num país “mais rico”, “mais justo” e “mais culto”.

As diferenças tornaram-se mais evidentes quando o debate entrou na definição do papel presidencial. Pinto defendeu que a função de chefe de Estado deve servir como “válvula de escape da República”, uma instância capaz de travar excessos quando um partido concentra demasiado poder. Mendes, por sua vez, sublinhou a “magistratura de influência” e a importância da palavra presidencial, insistindo que o Presidente deve “intervir como mediador” e que não é, nem deve ser, “uma rainha de Inglaterra”.

O co-fundador e deputado do Livre não contestou essa centralidade da palavra, mas pediu uma Presidência mais interventiva sempre que um partido “tem um controlo tremendo no país”, lembrando que, neste momento, os dois governos regionais da Madeira e Açores, o Governo e a própria Presidência da República são liderados por sociais-democratas. É também neste contexto que defende um Presidente que funcione como um contrapeso, capaz de impedir que “os portugueses tenham os ovos todos no mesmo cesto”.


“Não precisamos de mais dissoluções”

As divergências aprofundaram-se também no pacote laboral e na própria Constituição. Pinto acusou Marques Mendes de “falta de clareza”, recordando críticas que o social-democrata dirigiu ao Tribunal Constitucional durante o período da troika, e defende uma Presidência firme na protecção dos direitos laborais. Mendes rejeita a leitura e considera “errada” a ideia de que uma eventual revisão constitucional deveria justificar a dissolução do Parlamento, como Pinto admitiu. “Não precisamos de mais dissoluções, precisamos é de estabilidade. Nunca falo de dissolução porque o meu objectivo é a estabilidade”, defendeu Mendes. Ainda assim, deixou um elogio ao adversário: “Ele pelo menos tem uma ideia, não é como outros [candidatos presidenciais] que é só ruído”.

Não obstante, o tema da revisão constitucional gerou um dos momentos de maior tensão. Pinto alertou para o risco de uma revisão conduzida apenas à direita e exigiu que o adversário abandonasse o registo de comentador: “Hoje é sábado, não é domingo. Isto é um debate para decidir o próximo Presidente da República e não um espaço de semana de comentário”, atirou depois de Mendes desvalorizar o tema, que acredita não ser uma das prioridades para os próximos anos.

No combate à corrupção, houve pontos de contacto, mas também leituras opostas. Marques Mendes, actual conselheiro de Estado de Marcelo Rebelo de Sousa, prometeu dedicar o seu primeiro Conselho de Estado à Justiça, para exercer pressão institucional e “exigir resultados”. Pinto contrapôs que Portugal está “obcecado” com o lado repressivo, defendendo que o país deveria aproximar-se dos modelos preventivos de democracias com corrupção mais baixa, como a Dinamarca e a Nova Zelândia. Como exemplo, propôs criar uma agência única que agregasse o Mecanismo Nacional Anticorrupção, a Entidade de Contas e Financiamento dos Partidos e a Entidade para a Transparência.

Quase a fechar o debate, a escolha de Carlos Alexandre para liderar a nova unidade antifraude do Serviço Nacional de Saúde cristalizou mais uma divergência. Para Pinto, trata-se de “uma jogada de marketing”, questionando a experiência do juiz na área da saúde. O candidato apoiado pelo PSD e CDS, ao contrário, considerou a opção “uma belíssima decisão” do Governo, sustentada no facto de o magistrado “incutir respeito, para não dizer medo”, desvalorizando a ausência de experiência específica.

No capítulo internacional, a Venezuela foi um dos poucos terrenos de unanimidade. Pinto repudiou “tudo o que o regime de Nicolás Maduro representa” e defendeu um “plano de emergência” para apoiar luso-descendentes, sublinhando a importância do respeito pelo direito internacional. Já Mendes aproveitou para prometer uma Presidência aberta às comunidades no estrangeiro.