Any tem 19 anos e é estudante de Negócios em Boston. É também filha de imigrantes hondurenhos. Any ia apenas fazer uma surpresa à família no feriado de Ação de Graças e acabou a ser detida no aeroporto e deportada para um país que deixou em criança. Isto tudo enquanto o Presidente americano que quer expulsar um milhão de migrantes sem documentos dos EUA promete perdoar o ex-Presidente hondurenho condenado por tráfico de droga, Juan Orlando Hernández. Mas que interesse tem, afinal, Trump nas Honduras?

Any Lucía López Belloza tinha passado o controlo de segurança no aeroporto Logan, em Boston, quando um funcionário lhe disse que havia “um problema com o bilhete” para Austin, Texas. Ao dirigir-se ao balcão, foi cercada por agentes de imigração, levada para um carro sem identificação e, em 48 horas, estava num avião para Honduras, o país de que saiu aos sete anos.

Segundo o advogado, Todd Pomerleau, a jovem foi transportada entre centros de detenção, passou uma noite presa no Texas e foi colocada num autocarro com algemas nos pulsos, na cintura e nos tornozelos antes de ser embarcada de volta para a América Central. Isto apesar de uma ordem de um tribunal federal que proibia a sua remoção durante pelo menos 72 horas.

As autoridades de imigração garantem que existia uma ordem de expulsão desde 2015, quando Any ainda era menor, mas a família diz nunca ter sido notificada.

Pomerleau afirma que não encontrou registo desse mandado na base de dados oficial de imigração e suspeita que o processo da família, depois de um pedido de asilo recusado, tenha sido administrativamente encerrado sem que percebessem que precisavam de recorrer para evitar uma ordem automática de deportação.

A estudante, que vivia no Texas com os pais e duas irmãs de dois e cinco anos antes de entrar na universidade, disse ao Boston Globe que a parte mais traumática foi não perceber o que estava a acontecer nem assinar qualquer papel a autorizar a saída do país. “Trabalhei tanto para chegar a Babson [College, uma universidade de negócios conceituada de arredores de Boston] no meu primeiro semestre, era o meu sonho”, desabafou. “Estou a perder tudo.”

A família emigrou de San Pedro Sula há quase 12 anos, fugindo da criminalidade e de um noticiário que, nas palavras do pai, trazia “todas as semanas mortes e assassinatos”.

Em Texas, Any cresceu, aprendeu inglês, acabou o liceu e conseguiu uma bolsa para a Babson College. O pai, alfaiate, diz que lhe foi fazendo, peça a peça, os fatos que ela sonhava usar em entrevistas e estágios: “Tinha a responsabilidade de ser a primeira a formar-se e de ser exemplo para os outros”, contou, ao Boston Globe, já com a filha instalada em casa dos avós em San Pedro Sula, a tentar “assimilar a nova realidade” de uma vida interrompida a meio do semestre.

Um milhão de deportados e o perdão ao Presidente traficante 

O caso de Any rebenta num ano em que a administração Trump fez da promessa de deportar um milhão de pessoas sem estatuto legal uma bandeira política e voltou a apontar o radar para a América Central.

Só até 20 de novembro, quase 30 mil hondurenhos foram expulsos dos Estados Unidos, mais 13 mil do que no mesmo período do ano passado, segundo dados oficiais citados pela imprensa hondurenha.

A atual Presidente hondurenha, Xiomara Castro, tenta equilibrar o discurso de apoio à diáspora, que soma mais de meio milhão de pessoas em situação irregular nos EUA, com a necessidade de não entrar em choque directo com Washington, que tem usado sanções e cortes de ajuda para pressionar governos considerados “pouco colaborantes”.

Em paralelo, Donald Trump abriu outra frente nas relações com o país de Any: anunciou que pretende conceder um perdão presidencial a Juan Orlando Hernández, ex-chefe de Estado das Honduras, condenado em 2024 em Nova Iorque a 45 anos de prisão por ter recebido milhões em subornos e ajudado a fazer passar centenas de toneladas de cocaína pelo território hondurenho rumo aos EUA. Na sentença, o juiz P. Kevin Castel descreveu Hernández como um político “com duas caras, faminto de poder”, que se apresentava como aliado na guerra às drogas enquanto trabalhava com traficantes, entre eles intermediários do cartel de Sinaloa, de “El Chapo”.

A promessa de perdão foi criticada por senadores e especialistas em narcotráfico como um sinal de indiferença perante crimes graves.

É neste contraste que o pai de Any decidiu falar. Com a filha deportada, duas outras, pequenas, a perguntar pela irmã, e o visto americano cada vez mais longe, diz que quer pelo menos deixar um registo do que aconteceu: “Achei importante contar o que a nossa família está a viver agora, porque é a realidade de muita gente”, explicou.

Ao mesmo tempo, o país para onde Any foi devolvida a ferros está em plena contagem de votos e tudo indica que o próximo Presidente será o candidato conservador Nasry “Tito” Asfura, do Partido Nacional, o mesmo do ex-Presidente condenado por narcotráfico. Asfura liderava esta segunda-feira a contagem preliminar com cerca de 41% dos votos, ligeiramente à frente de Salvador Nasralla, do Partido Liberal, enquanto a candidata do partido no poder, Rixi Moncada, seguia distante, perto dos 20%.

Asfura é o homem em quem Trump diz “confiar” para governar as Honduras e foi por ele pessoalmente apadrinhado, num pacote que inclui ameaças de reduzir a ajuda norte-americana se o candidato perder.

Para Trump, as Honduras não são apenas o país de onde Any saiu em criança e para onde foi agora devolvida: são um pequeno tabuleiro onde se joga migração, droga e guerra fria com a esquerda latino-americana.

É ali que ele quer um Governo “amigo” que ajude a travar caravanas de migrantes antes de chegarem à fronteira dos EUA, que alinhe com a sua narrativa de combate ao “narcotráfico” — mesmo que isso passe por prometer um perdão ao ex-Presidente condenado em Nova Iorque por facilitar a passagem de centenas de toneladas de cocaína rumo ao mercado norte-americano — e que sirva de vitrina contra a China, com a promessa de voltar a romper com Pequim para reconhecer Taiwan. Nasry “Tito” Asfura já fez saber que quer voltar a cortar relações com a China e reconhecer outra vez Taiwan, ao contrário do que têm feito quase todos os países da região, que deixaram Taiwan para passar a reconhecer apenas Pequim.

Quando apresenta as eleições hondurenhas como um duelo entre “direita” e “narcocomunistas”, Trump está a falar tanto para as elites de Tegucigalpa como para o seu eleitorado interno: mostra que consegue pressionar governos pequenos, reposicionar aliados e usar um país dependente como cenário da ordem que diz querer impor em toda a região.