Desporto

Opinião

Opinião de João Rosado. Quem manda no futebol não está interessado no devido aproveitamento dos campeões de Sub-17.

  • Facebook
  • Whatsapp
  • Twitter
  • Linkedin
  • Mail

A inutilidade de mais um título mundial

O presidente da FIFA fez a pergunta errada a Pedro Proença enquanto o felicitava pela conquista do Campeonato do Mundo de Sub-17. Gianni Infantino quis saber junto do líder da Federação Portuguesa de Futebol como é que Portugal, sendo um país tão pequeno, com poucos milhões de habitantes, conseguia produzir tanto talento.

Admitindo que o talento é passível de produção, para usar os termos de Infantino, o que este devia ter perguntado é por que motivo Portugal não consegue reter as promessas futebolísticas que década após década nascem em território nacional.

Essa é questão essencial que responde às dúvidas que o país inteiro volta a levantar no que diz respeito ao grau de aproveitamento dos jovens craques que trouxeram o terceiro título mundial para casa 34 anos depois da monumental conquista de Lisboa no escalão Sub-20.

Na final disputada em Doha, só no onze inicial o Benfica tinha seis elementos, com outros três a marcarem presença no banco, sendo que Tomás Soares, ao contrário de Ricardo Neto e Miguel Figueiredo, ainda teve oportunidade para disputar os últimos 13 minutos diante da Áustria. Há três anos, quando as águias conquistaram um título intercontinental (1-0 ao Peñarol) depois de terem vencido no mesmo ano a Youth League (goleada de 6-0 ao RB Salzburgo), um pouco a exemplo do que sucedeu agora com os pupilos de Bino Maçães, também as expectativas eram elevadíssimas a propósito da capacidade que poderiam revelar no topo da pirâmide.

Denes Erdos // AP

A verdade é que da lista de vencedores em Montevideu, apenas João Neves conseguiu afirmar-se na primeira categoria e… durou pouco a sua permanência na Luz. A raiz do problema não é outra, até porque é fácil reconhecer que nem todos os atletas têm as mesmas condições para chegar ao cume.

Face a qualidades acima da média, nomes como Samuel Soares, Diogo Prioste e Nuno Félix (a recuperar de grave lesão) “sobrevivem” do lote de 2022 e fazem parte do atual plantel sob as ordens de José Mourinho, sendo certo que a partir do momento em que agarrem uma oportunidade passam a ter os dias contados na realidade doméstica.

Qualquer diamante que brilhe com relativa consistência na Liga aciona de forma automática o risco de uma rápida transferência para o exterior, interrompendo uma progressão gradual quer a nível individual quer a nível coletivo. Dos jogadores de campo que fizeram parte do primeiro contigente lusitano a ganhar a Youth League, nenhum está ao serviço de Francesco Farioli, restando o guardião Diogo Costa como o representante do FC Porto que em 2019 derrotou o Chelsea por 3-1.

CHRISTOPHER NEUNDORF

O “milagre” da permanência de Diogo no Dragão contrasta com a circunstância de Vitinha, putativo Bola de Ouro em 2026, ter sido suplente nessa final com os londrinos e de ter feito uma única época de princípio a fim com a camisola principal dos portistas. Assim que se afirmou na plenitude em 2021/22, Vitinha foi logo contratado pelo PSG, que se aproveitou do olhar clínico de Luís Campos e da preciosa informação sobre a débil situação económica do emblema na altura ainda dirigido por Pinto da Costa.

Sem qualquer problema real do ponto de vista financeiro, o crónico campeão de França fez com o médio que cumpriu quase toda a formação na Invicta aquilo que repetiria dois anos depois com João Neves e… que já tinha feito em 2021 com Nuno Mendes, outro sério candidato ao troféu de melhor jogador do Mundo e que só teve “direito” a uma temporada completa no Sporting que Ruben Amorim devolveu ao estrelato.

Aurelien Morissard

Enquanto não mudarem as regras, enquanto a UEFA não se preocupar em nivelar verdadeiramente o futebol, é escusado fingir-se tão escandalizada com as propostas originais da Superliga europeia, como se não continuasse sobretudo interessada em defender os interesses dos mais ricos e poderosos.

Podia começar por impor um limite mínimo de jogadores nacionais no onze inicial de cada clube participante nas competições uefeiras. De certeza que ajudaria a democratizar as hipóteses dos que vão a Doha para levantar troféus e não para levantar os cheques que fabricam o talento daqueles que na Liga dos Campeões há muito tornaram inúteis as perguntas.