Um capitalista liberal e um comunista, ambos homens da geração de 1960, entram num debate para as presidenciais e o que acontece? Têm acaloradamente uma conversa que podia ter sido uma discussão parlamentar sobre saúde, trabalho e serviço militar. Em alguns pontos, até afinaram pelo mesmo diapasão. “Surpreendentemente, vamos estar de acordo nalgumas coisas”, disse a dada altura João Cotrim de Figueiredo a António Filipe. Para quem esteja a acompanhar os debates, a surpresa não será assim tanta.
Os 28 debates televisivos podem parecer demasiados, mas não são. Esta abundância oferece uma enorme vantagem: quem perder uns, poderá sempre assistir aos seguintes e ouvir os candidatos a dizerem, pelo menos em parte, o mesmo.
Já tínhamos ouvido Filipe (que tinha debatido antes com um candidato de direita, Luís Marques Mendes) falar dos baixos salários e usar a mesma frase dos “trabalhadores que não levam mil euros para casa”. Já ouvíramos Cotrim de Figueiredo (que tinha debatido antes com um candidato de esquerda, Jorge Pinto) falar dos problemas do SNS e usar as mesmíssimas expressões dos “incentivos perversos”, da “corrupção moral” e da “corrupção legal”.
A repetição é normal, não se pode esperar que os candidatos se reinventem retoricamente a cada aparição em estúdio, especialmente naqueles casos em que não disputam um único voto com o oponente e a missão é passar a mensagem para os indecisos lá em casa. Em todo o caso, ainda só levamos duas semanas disto. Faltam mais três semanas e qualquer coisa.
Em que estiveram então de acordo o comunista e o liberal?
Para começar, num diagnóstico sobre a saúde, que fizeram ambos e com palavras muito semelhantes, que aqui se parafraseiam: quando há problemas no SNS, são os privados que saem a ganhar. Sem surpresas, discordaram na receita para o problema, mas em meia dúzia de minutos isso não se aprofunda e, em todo o caso, não são candidatos a primeiro-ministro (como Cotrim se esforçou por dizer algumas vezes, antes de o debate voltar a seguir por meandros mais legislativos do que presidenciais).
Os dois candidatos conseguiram até concordar numa ou outra coisa da reforma laboral (como a questão da amamentação). E Cotrim lançou um “Estou de acordo” em réplica à frase de Filipe “Nenhum trabalhador faz greve por desporto ou com grande alegria.” E, claro, também aqui discordaram naquilo que seria de esperar.
Tiveram ainda igual opinião na questão de uma hipotética criação de um serviço militar voluntário, semelhante ao que alguns países europeus, como a França, estão a planear. “Não acho que faça enorme sentido”, disse o liberal (que se tem esforçado por conquistar o eleitorado jovem que seria o alvo de uma medida destas). “Não faz grande sentido”, disse o comunista. Não foi surpresa nenhuma.