Em decisão unânime da 1ª turma cível do TJ/DFT, nos autos do processo 0716292-50.2024.8.07.0020, foi mantida a sentença que condenou a operadora Bradesco Saúde S/A ao fornecimento do medicamento Ivosidenibe (Tibsovo) – de alto custo e prescrito para tratamento de colangiocarcinoma intra-hepático com mutação IDH1, um câncer hepático raro e de difícil controle.
A operadora havia negado o tratamento sob o argumento de que o fármaco não constava no rol de procedimentos obrigatórios da ANS, tampouco nas diretrizes de utilização técnica.
A recusa, entretanto, foi considerada abusiva pelo Judiciário, violando os direitos fundamentais da paciente e os deveres contratuais da operadora.
A urgência que o rol não cobre
A autora da ação, diagnosticada com neoplasia maligna intra-hepática, havia esgotado outras linhas terapêuticas e apresentava quadro de recidiva. O medicamento Ivosidenibe, com registro na Anvisa e eficácia reconhecida em estudos clínicos internacionais, foi prescrito como única alternativa com potencial de controle da progressão da doença.
A negativa do plano gerou risco concreto de agravamento do quadro clínico e obrigou a paciente, já em situação de vulnerabilidade, a recorrer ao Judiciário para garantir o direito ao tratamento.
A sentença determinou o fornecimento imediato do medicamento, além da condenação por danos morais.
Rol da ANS: referência, não limite absoluto
O TJ/DFT aplicou corretamente a lei 9.656/1998, especialmente após a atualização promovida pela lei 14.454/22, que estabelece hipóteses em que o plano deve cobrir tratamentos fora do rol da ANS, desde que preenchidos os seguintes critérios:
- Prescrição médica fundamentada;
- Existência de registro do medicamento na Anvisa;
- Ausência de substituto terapêutico no rol;
- Comprovação de eficácia à luz da ciência médica.
Todos esses requisitos foram atendidos no caso, especialmente porque o Ivosidenibe tem eficácia comprovada, está regularizado no Brasil e possui indicação expressa para a condição específica da paciente.
A operadora não pode contrariar o médico
O acórdão reafirmou o entendimento consolidado no STJ: não cabe à operadora de plano de saúde substituir o médico na escolha do tratamento mais adequado, tampouco limitar a cobertura com base exclusiva em critérios administrativos, quando há risco iminente à vida.
A negativa injustificada foi considerada, além de abusiva, lesiva à dignidade da paciente, justificando a condenação por dano moral – não apenas pelo abalo emocional, mas também pela insegurança provocada em meio à luta contra o câncer.
Direito à saúde e judicialização necessária
O caso exemplifica a tensão recorrente entre diretrizes administrativas da ANS e o direito constitucional à saúde e à vida. Embora o rol seja instrumento de regulação, não pode ser usado para negar tratamentos essenciais e individualizados, especialmente em doenças raras, como o colangiocarcinoma.
A atuação do Judiciário foi crucial para restaurar o equilíbrio contratual e garantir o acesso efetivo ao tratamento, ainda que de alto custo, preservando a função social do contrato e a dignidade da pessoa humana.