M. López-García, M. Díaz-Andreu

Fotografias de búzios neolíticos da Catalunha que ainda hoje produzem som — como trombetas
Num novo estudo, uma equipa de arqueólogos experimentou tocar búzios com seis mil anos da Catalunha neolítica, e mostraram que estas “trombetas” eram altamente eficazes para comunicação a longas distâncias — podendo também ter sido usados como instrumentos musicais.
Em diversas partes do mundo, os búzios foram usados para produzir som. A Catalunha, onde foram encontrados vários búzios com seis a sete mil anos, é um desses exemplos. No entanto, ao contrário dos exemplares de outras regiões, estes receberam pouca atenção científica.
Num novo estudo, publicado esta terça-feira na Antiquity, investigadores da Universidade de Barcelona analisaram búzios descobertos em povoações neolíticas e minas na Catalunha, e concluíram que produzem um som semelhante ao de uma trombeta.
“Sabia-se que tinham sido descobertos vários exemplares de Charonia lampas numa área relativamente restrita da Catalunha, concretamente, no curso inferior do rio Llobregat e na depressão pré-litoral do Penedès, a leste de Barcelona”, explica Margarita Díaz-Andreu, investigadora da Universidade de Barcelona e coautora do estudo.
“Os seus ápices estavam removidos, o que levou alguns investigadores a sugerir que pudessem ter servido como instrumentos musicais”, acrescenta a arqueóloga, citada pelo Phys.
M. López-García, M. Díaz-Andreu

Detalhes do corte apical dos búzios 355-1-51, de Mas d’en Boixos (esquerda) e 408-24, das Minas de Gavà (direita)
A análise dos búzios indica que foram recolhidos já depois de mortos, ou seja, não teriam sido apanhados para consumo, reforçando a ideia de que foram escolhidos exclusivamente pelas suas capacidades sonoras.
Para testar esta hipótese, a professora Díaz-Andreu, e Miquel López-García, também investigador da Universidade de Barcelona, analisaram os búzios e, pela primeira vez, avaliaram as suas propriedades acústicas.
Além de arqueólogo, López-García é também trompetista profissional, o que permitiu testar não só a capacidade dos búzios para comunicação a longas distâncias, mas também o seu potencial enquanto instrumentos musicais.
“Os búzios conseguem produzir sons de grande intensidade e teriam sido extremamente eficazes para comunicação a longas distâncias”, afirma López-García.
“No entanto, também são capazes de produzir melodias através da modulação do tom, pelo que não se pode excluir a possibilidade de terem sido usados como instrumentos musicais, com intenção expressiva”, acrescenta o arqueólogo, que experimentou pessoalmente tocar o instrumento neolítico.
“É incrível como se consegue um timbre tão característico a partir de um instrumento tão simples, que não é mais do que um corpo animal ligeiramente modificado”, diz López-García ao The Guardian. “Penso que o instrumento mais próximo em termos de timbre atualmente é a trompa.”
Importa salientar que esta região densamente povoada da Catalunha foi sobretudo moldada pelas atividades agrícolas do Neolítico.
Foram encontrados búzios em povoados separados por dezenas de quilómetros, o que sugere que tinham um papel relevante na comunicação e coordenação dentro e entre comunidades.
É provável que tenham apoiado atividades nos campos agrícolas envolventes e também nas minas próximas de Gavà, onde era extraída variscite, um mineral valioso usado para produzir contas e pendentes, largamente comercializados como sinais de prestígio.
Estes achados indicam, assim, que os búzios eram muito mais do que simples instrumentos de produção sonora; tiveram um papel ativo na configuração das dinâmicas espaciais, económicas e sociais das comunidades do Neolítico, aproximando as pessoas através da comunicação por som e, talvez, da música.
“O nosso estudo revela que os povos do Neolítico usaram búzios não apenas como instrumentos musicais, mas também como poderosos instrumentos de comunicação, o que redefine a nossa compreensão do som, do espaço e da ligação social nas primeiras comunidades pré-históricas”, conclui Díaz-Andreu.