São poucos, segundo os analistas, os que dentro de Israel defendem a ocupação e anexação deste território, concretamente a extrema-direita messiânica, da qual fazem parte alguns ministros, como o das Finanças e da Administração Interna

As negociações por um cessar-fogo em Gaza e pela libertação de reféns estão num impasse, com o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, a convocar uma reunião do gabinete de segurança para analisar “uma ocupação total da Faixa de Gaza”.

“O primeiro-ministro vai convocar um encontro sobre segurança amanhã [hoje] a propósito da continuação dos combates e da sua expansão para áreas onde se teme a presença de reféns. As forças de segurança opõem-se a manobras em locais onde os reféns estão a ser mantidos, por receio de os ferir”, segundo um comunicado a que a agência EFE teve acesso.

De acordo com o jornal Yedioth Ahronoth, durante um encontro com a imprensa israelita, o porta-voz de Benjamin Netanyahu declarou: “A sorte está lançada: ocuparemos completamente a Faixa de Gaza”.

“Haverá operações incluindo nas zonas onde os reféns estão a ser mantidos. Se o Chefe do Estado-Maior não concordar, deverá demitir-se”, disse ainda a mesma fonte, referindo-se a Eyal Zamir, perante a oposição a esta medida.

Zamir, uma das principais vozes contra este plano, cancelou, inclusive, uma viagem que tinha marcada para os Estado Unidos para permanecer no país diante da possibilidade de ampliação dos combates. Segundo o correspondente da CNN Portugal, Henry Galsky, Eyal Zamir considera que este plano coloca em risco os reféns israelitas e também os próprios soldados de Israel.

Segundo também fontes citadas pelo jornal Israel Ayom, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu não permite que Eyal Zamir apresente os planos alternativos militares à Faixa de Gaza, planos que seriam de “cercar pontos críticos na Faixa de Gaza, de forma a pressionar o Hamas a libertar os reféns israelitas”.

“Uma fuga para a frente”

A proposta surge numa altura em que o Hamas insiste que a situação humanitária em Gaza deve ser resolvida antes de qualquer avanço negocial. Fontes da área da Defesa israelita expressam preocupação com a possibilidade de uma ofensiva alargada, sobretudo em zonas onde ainda se acredita que estejam reféns, alertando para o risco de os colocar em perigo.

Segundo Henry Galsky, que cita o Fórum dos Familiares dos Reféns Israelitas, a ocupação da Faixa de Gaza “significa a perda dos reféns e dos soldados que pagarão com as suas vidas”. Já o Hamas considera que “as ameaças são repetitivas, inúteis e não têm influência” na decisão do grupo terrorista. 

Grupos de familiares de reféns e militares israelitas criticam a ideia de expansão militar, considerando que seria fatal. Já a Autoridade Palestiniana apelou à intervenção da comunidade internacional. Atualmente, permanecem 50 reféns em Gaza, dos quais pelo menos 20 estarão vivos. 

Sónia Sénica, especialista em Relações Internacionais, considera que a decisão de Netanyahu não vai ser bem aceite pelos países “árabes moderados” que “não vão acordar e concordar com esta solução”, para além de que “caso, de facto Israel, ocupe territorialmente e militarmente toda a Faixa de Gaza, mina aquilo que poderá ser a própria pacificação e coexistência pacífica da própria região do Médio Oriente”.

“Há aqui uma outra dimensão que me parece evidente, a crítica internacional, que vai ser nomeadamente suscitada por aqueles países que têm apoiado o regresso às negociações daquilo que será, no fundo, o reconhecimento internacional do Estado palestiniano, para poder haver de facto aqui uma pacificação prolongada e aquilo que me parece é que Netanyahu finalmente, ainda não tendo assumido publicamente, parece-me que é evidente que talvez fosse desde o princípio esta sua pretensão, finalmente agora é conhecida a sua solução futura para aquilo que é este território”, acrescenta.

Para a comentadora da CNN Portugal, “estamos perante uma liderança política israelita, que é muito diferente daquilo que é, no fundo, a pretensão de todo o povo israelita, no sentido de alavancar, finalmente, aquilo que é influência israelita na região”.

“E, sobretudo, dominar aquilo que é considerado uma ameaça que advém da defesa da causa palestiniana e daquilo que são movimentos considerados, obviamente, terroristas e próximos do Irão. No fundo, permitir uma articulação negocial com atores não-estatais, como é o caso do Hamas, aquilo que é uma negociação da solução dos dois Estados com um eventual regresso às negociações com a autoridade palestiniana, poderá mostrar para o seu governo, que tem aqui fações muito antagonizadas e muito radicalizadas, uma fragilidade.”

Para Francisco Pereira Coutinho, especialista em Direito Internacional, a decisão de Netanyahu “é uma fuga para a frente” porque é tomada “contra a vontade do próprio exército de Israel, das IDF, do seu Chefe do Estado-Maior, Eyal Zamir.”

“Aliás, ele ontem diz, através de um assessor, que ‘vamos ocupar a Faixa de Gaza e Zahmir pode-se demitir se não concordar’. Estamos a falar de alguém que há três semanas obteve uma retumbante vitória contra o Irão, uma grande potência regional que fica a mais de mil quilómetros de Israel. Isto é feito contra a vontade do próprio exército e é feito contra a vontade do próprio povo israelita”, explica, acrescentando que as sondagens dizem que “75% da população é a favor do fim da guerra, de um acordo de cessar-fogo, que Israel não quis avançar em fevereiro e março deste ano”. “E tudo isto é feito contra a vontade, quer do povo israelita, quer do próprio exército de Israel”, reitera.

Segundo o The Times of Israel, a oposição das Forças Armadas decorre da preocupação de que as milícias palestinianas em Gaza executem reféns à medida que as tropas avançam, como aconteceu no final de agosto de 2024 com seis reféns, encontrados a 1 de setembro daquele ano. As Forças Armadas acreditam também que destruir a rede do Hamas pode levar anos.

Francisco Pereira Coutinho lembra ainda que “dezenas de antigos diplomatas e chefes dos serviços de informação de Israel” fizeram um vídeo em que dizem que “esta ideia de ocupar Gaza não faz qualquer sentido e é muitíssimo arriscada para o Estado de Israel”.

“Nós já vimos como é que Israel está a ficar crescentemente isolado na comunidade internacional e o resultado da decisão que tomaram de não deixar entrar a ajuda humanitária, provocando a fome em Gaza. E, evidentemente, uma intervenção militar que implique a ocupação de Gaza é muitíssimo problemática. Quem é que é favorável a isto? Bom, aqueles que em Israel defendem a ocupação e a construção de colonatos em Gaza e a anexação deste território, que é a extrema-direita messiânica, da qual fazem parte alguns ministros deste governo de Israel, designadamente o ministro das Finanças e o ministro da Administração Interna. Essas pessoas devem estar felicíssimas com esta decisão de Netanyahu de avançar para uma intervenção militar ainda mais robusta sobre a Faixa de Gaza, porque a intervenção militar já começou há um ano e meio. Israel já esteve em todo o lado e o que ele, no fundo, vem dizer agora é que vai novamente fazê-lo e desta vez ocupar de forma permanente Gaza. Vamos ver se o fará ou se é uma mera ameaça”, adianta.

Esta terça-feira à tarde acontece ainda uma reunião urgente do Conselho de Segurança da ONU sobre a questão dos reféns, iniciada pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros Gideon Sa’ar.