
“Peste Negra”, óleo em tela por Pieter Breugel (1562)
Uma erupção vulcânica pode ter levado à chegada da Peste Negra à Europa. Dados climáticos e registos históricos sugerem que as quebras de colheitas na década de 1340 levaram as autoridades italianas a importar cereal do leste europeu – que trouxe, como passageira clandestina, a bactéria da peste.
A Peste Negra, um surto de peste bubónica que matou até 60% da população da Europa medieval, poderá ter sido desencadeada por atividade vulcânica por volta de 1345.
A conclusão é de um novo estudo, cujos resultados foram apresentados num artigo publicado nesta quinta-feira na revista Communications Earth & Environment.
A bactéria da peste, Yersinia pestis, é transmitida por pulgas que se alimentam de roedores e, depois, chegam aos humanos através das mordidas dessas pulgas infetadas.
Não se sabe ao certo o que esteve na origem do surto do século XIV na Europa, mas fontes históricas sugerem que o transporte de cereal do mar Negro para Itália poderá ter desempenhado um papel.
«A Peste Negra é um acontecimento central da Idade Média e eu queria perceber porque é que uma quantidade tão extraordinária de cereal teve de ser trazida para Itália precisamente em 1347», explica Martin Bauch, do Leibniz Institute for the History and Culture of Eastern Europe, na Alemanha, e primeira autora do estudo, citada pela New Scientist.
Para investigar esta hipótese, Bauch e o colega Ulf Büntgen, da Universidade de Cambridge, analisaram evidências climáticas a partir de dados dos anéis de crescimento das árvores, de testemunhos de gelo e de relatos escritos.
Observadores no Japão, na China, na Alemanha, em França e em Itália referiram de forma independente uma redução da luz solar e um aumento da nebulosidade entre 1345 e 1349 — provavelmente, resultado de uma erupção vulcânica rica em enxofre, ou de várias erupções, numa localização tropical desconhecida, sugerem Bauch e Büntgen.
Testemunhos de gelo recolhidos na Gronelândia e na Antártida, bem como milhares de amostras de madeira analisadas pelos anéis de crescimento em oito regiões europeias diferentes, também apontam para a ocorrência de um evento climático dramático.
Além disso, os investigadores encontraram registos oficiais que mostram que, perante a fome causada pelo frio e pelo fracasso das colheitas, as autoridades italianas implementaram, em 1347, um plano de emergência para importar cereal aos mongóis da Horda Dourada, na região do mar de Azov.
«Agiram de forma altamente profissional, racional e eficiente, e conseguiram atingir o objetivo de aliviar os preços elevados e a fome iminente através da importação de cereal, antes de se registarem mortes por inanição», descreve Bauch.
«Precisamente porque estas sociedades praticavam uma excelente prevenção da fome, a bactéria da peste chegou a Itália como passageira clandestina, trazida com o cereal», acrescenta.
Na época, a causa da peste era desconhecida e o surto foi atribuído a fatores como «constelações astrais e vapores tóxicos libertados para a atmosfera por terramotos», recorda.
Embora a peste pudesse acabar por chegar à Europa de qualquer forma, é possível que as perdas populacionais tivessem sido menores se esta resposta de emergência não tivesse ocorrido, admite Bauch.
«O meu argumento não é contra a preparação, mas sim a favor da consciência de que medidas de precaução eficazes numa determinada esfera podem acabar por criar problemas em áreas inesperadas».
Aparna Lal, investigadora da Universidade Nacional da Austrália, em Canberra, que não esteve envolvida no estudo, considera muito provável que tenha havido «uma tempestade perfeita de fatores» na origem da chegada da Peste Negra à Europa.
Será porém necessário mais trabalho para distinguir correlação de causalidade, sublinha. «As perturbações de curto prazo provocadas pelas erupções parecem ter tido um impacto considerável nos padrões meteorológicos locais, como está documentado, mas saber se foram a causa da entrada da Peste Negra na Europa, tal como é afirmado, exige mais evidência», conclui Lal.