Tem citado muito Jorge Sampaio. Considera que foi o melhor presidente da democracia? 
A nossa democracia passou por várias fases e teve presidentes que foram importantes em várias fases. Jorge Sampaio é para mim um enorme exemplo por aquilo que foi enquanto Presidente, mas também antes de ser Presidente que acho que permitiu a presidência que teve, e o que fez depois de sair. Sampaio fez uma transformação para a modernidade muito importante quando foi presidente da Câmara de Lisboa. O amplo acordo que foi feito à esquerda em Lisboa teve repercussões não só muito claras para resolver problemas sociais em Lisboa, mas teve do ponto de vista das ideias, da abertura à cultura, à arte, impacto depois em todo o país. Enquanto foi presidente da República teve que tomar decisões muito difíceis, incluindo contra a vontade do seu próprio partido, e tomou-as para defender a Constituição, o Estado de Direito Democrático, e isso foi muito importante. E também teve uma posição muito importante sobre a guerra do Iraque, uma guerra com pretextos falsos, que tem aliás criminosos de guerra por julgar ainda, e foi graças a Sampaio que não mandámos soldados morrer numa guerra que é crime de guerra e com pretextos falsos. Já depois de sair da Presidência usou o legado que o Presidente traz consigo; não para fazer ajustes de contas permanentes com o passado, como vemos Cavaco Silva fazer, que é um bocadinho confrangedor para todos nós. Pelo contrário, trouxe esse legado para continuar a lutar por causas que ele considerava justas, lembrando-nos, por exemplo, da guerra da Síria, no acolhimento dos estudantes sírios. Num dos últimos textos diz que a solidariedade não é facultativa, é o nosso dever. Na forma de olhar a comunidade teve todo um percurso extraordinário.

Tem ideia de porquê é que na recandidatura de Jorge Sampaio o Bloco na altura apresenta Fernando Rosas, em vez de apoiar a Jorge Sampaio? Tinha a ver com alguma avaliação diferente que o partido fazia do mandato de Jorge Sampaio?
Não faço a mínima ideia, não era militante do partido, na altura não tive a mínima ideia.

Um dos temas desta campanha está a ser o pacote laboral. O Bloco, na sua liderança, teve precisamente uma polémica laboral, depois dos maus resultados nas legislativas de 2022, com a diminuição muito significativa da subvenção pública. O partido decidiu cessar três comissões de serviço. As comissões de serviço são vínculos laborais especialmente precários. Faz sentido que existam na política apenas, faz sentido que existam na economia geral?
As comissões de serviço não devem existir na economia geral, devem existir na política por uma razão que acho que toda a gente compreende. Quando há eleições e há uma mudança da relação de forças, há deputados que não são eleitos, há gabinetes de governo que param nesse momento; quem trabalha nessas circunstâncias também perde o posto de trabalho, porque os eleitos têm pessoas com quem trabalham. Sou contra a precariedade do trabalho, mas encaro a atividade política como uma exceção própria do regime democrático, porque não podemos ter um regime em que as pessoas permanecem nos cargos para lá da vontade popular, do espaço político que representam.

Uma das trabalhadoras dispensadas era mãe há nove meses, outra era mãe há dois meses e estava em licença de maternidade, uma delas notou que acabaram três comissões de serviço… 
Não acabaram três comissões de serviço, não sei de onde é que vem esse número, acabaram muitíssimas mais comissões de serviço nessa altura.

Houve três que continuaram, segundo esta trabalhadora: um homem e duas mulheres sem filhos, com toda a disponibilidade. Essa trabalhadora dispensada acrescentou o seguinte: as recém-mães não podem viajar, não trabalham 60 horas por semana, não apagam fogos às 23h ou ao domingo, não respondem de imediato às mensagens e e-mails. Ela terá ficado com a sensação de que a disponibilidade foi um dos motivos para escolher quem manter e quem dispensar. Foi?
Lamento imenso que tenha ficado com essa sensação. Já li coisas absolutamente absurdas sobre isto. Respeito muito as pessoas que se sentiram magoadas. Na verdade não dispensámos as pessoas com tão pouco tempo de maternidade; o que fizemos foi que as suas comissões de serviço acabaram e encontrámos uma forma de lhes fazer outro contrato para que não ficassem imediatamente numa situação de desemprego. Tiveram um tratamento que percebo que que seja duro na mesma, não estou a defender, mas diferente de outras pessoas, precisamente por causa da situação de terem sido mães há pouco tempo. A solução não foi o fim das comissões de serviço como foi para as outras pessoas.

Mas elas continuaram a trabalhar? 
Durante algum tempo continuaram, nós encontrámos uma solução, não foram substituídas por ninguém. Simplesmente elegemos muito menos pessoas e houve muitas comissões de serviço que acabaram.

Mas continuaram a trabalhar no partido?
Eu sei que encontrámos soluções para as proteger o máximo possível durante o tempo que era possível.

Fizeram um contrato de trabalho de oito meses. Mas elas continuaram a trabalhar nesses oito meses? Foi feito um contrato e elas continuaram a trabalhar ou foi feito um contrato apenas para receberem o dinheiro correspondente à indemnização e nesse período não estiveram a trabalhar?
​​Não substituímos nenhum contrato, isso não existe. Eu não tenho de saber tudo o que aconteceu, mas o Bloco de Esquerda cumpriu a lei, protegeu como pôde as pessoas; se me diz que na política é muito ingrato, é, é muito ingrato. Se eu acho que há solução numa área em que é preciso corresponder ao que é a verdade democrática das eleições…

Mas então continuaram a trabalhar nos oito meses seguintes, enquanto vigorou esse contrato? 
Eu já falei sobre isto imensas vezes, sobre um caso que já aconteceu há uma série de anos…

É só porque não está a explicar bem. Elas trabalharam? O Bloco fez um contrato de oito meses depois de acabar com as comissões de serviço, nesses oito meses elas estiveram a trabalhar no Partido? 
Eu sei que houve comissões de serviço que acabaram, e que as pessoas foram protegidas durante mais tempo, ao contrário dos outros trabalhadores. Isso é importante porque no Bloco de Esquerda cumprimos a lei, e devemos cumpri-la, e devemos também ter uma avaliação sobre as condições particulares das pessoas.

Então não foi um falso contrato de trabalho a termo? 
Nunca tratei diretamente de contratação, e também é verdade que estou aqui como candidata à Presidência da República, e não para ser gestora de recursos humanos, que aliás nunca fui em nenhuma organização.

Mas disse precisamente que já falou sobre este caso. Foi um caso difícil para o Bloco. Pensei que pudesse ter-se informado sobre isso. Foi sobre a sua liderança, é a sua responsabilidade. Empurrar isso para um diretor de recursos humanos…
Não estou a empurrar para ninguém, mas estou-lhe a dizer que estou aqui enquanto candidata à Presidência da República, e não para discutir o Bloco de Esquerda. Já expliquei longamente todo esse caso. Cada vez que se fala desse caso, surgem mais 500 notícias falsas, e as minhas palavras são sistematicamente alteradas. E confesso que depois de passados uns certos anos, uma pessoa começa a ficar cansada…

Pode pedir desculpa às trabalhadoras?
As conversas que tenho com as pessoas são pessoais. Nunca precisei de um jornalista para ter conversas com militantes do meu partido.

Mariana Mortágua pediu desculpa publicamente, mas como os factos são relativos à sua liderança, poderia querer fazer o mesmo.
O que eu fiz na altura está feito. Não é o Observador que me diz o que é que eu devo ou não fazer. Sempre falei com as pessoas com quem trabalho. Registo que continuam a aparecer números alterados. Até das pessoas que foram dispensadas dizem números à toa. É que eu não consigo mesmo perceber do que é que estão a falar. Mas está tudo bem.

Há pessoas que não se lembram e que não sabem.
Não, não, não. Eu não sou como os banqueiros, nas comissões de inquéritos. E, do que me lembro e sei, digo que o vosso número é absurdo.