SERGEY SHESTAK/EPA

Soldado ucraniano ferido após receber assistência médica num ponto de estabilização perto da cidade de Pokrovsk, na linha da frente da região de Donetsk, no leste ucraniano.
Moscovo diz ter ocupado a cidade estratégica no leste da Ucrânia, mas analistas ucranianos e ocidentais dizem que os combates na área continuam. Ainda assim, a captura russa de toda a região de Donetsk não é considerada iminente.
Enquanto prosseguem as negociações sobre um plano para pôr fim à guerra da Rússia contra a Ucrânia, Moscovo anunciou esta semana a captura de Pokrovsk e Vovchansk. A liderança ucraniana desmente e acusa a Rússia de propaganda e “exagero”.
Nesta segunda-feira, o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, afirmou que “Krasnoarmeysk” – nome da cidade na época soviética – tinha sido capturada, citando um relatório do chefe do Estado-Maior das Forças Armadas da Rússia, Valery Gerasimov, dirigido ao presidente russo, Vladimir Putin.
Em 2016, a Ucrânia renomeou a “Cidade do Exército Vermelho” para Pokrovsk.
No entanto, o Instituto para o Estudo da Guerra (ISW), com sede nos Estados Unidos, afirmou na terça-feira passada não haver indícios de uma ocupação total. No mesmo dia, um alto responsável da NATO disse a jornalistas em Bruxelas que mais de 95% da cidade estava sob controlo russo, e que só pequenas unidades ucranianas continuavam a oferecer resistência.
Apesar da situação dramática, a Ucrânia conseguiu, no ano passado, tomar precauções para garantir que a perda da cidade não tivesse as consequências estratégicas que a Rússia espera.
As Forças Armadas da Ucrânia insistem que a situação está sob controlo. Na segunda-feira, declararam que, apesar da situação difícil, as forças de defesa estavam a repelir os ataques inimigos na área metropolitana de Pokrovsk.
“Os nossos soldados estão a preparar-se para as suas missões de inverno. Estamos a reforçar as nossas posições e a equipá-los adequadamente. No mês passado, o plano do inimigo para ocupar a região metropolitana de Pokrovsk voltou a fracassar”, afirmaram as tropas. O porta-voz do Estado-Maior, Dmytro Lykhoviy, disse à agência de notícias Ukrinform que, até à quarta-feira passada, a parte norte da cidade, ao longo da linha férrea, permanecia sob controlo de Kiev.
Encenação?
Para supostamente comprovar a ocupação da cidade, o Kremlin divulgou um vídeo que mostra soldados a empunhar uma bandeira russa no centro de Pokrovsk. No entanto, a Rússia ocupa a cidade há muito tempo; por isso, não se trata de prova de captura, mas sim de um evento encenado especificamente por ocasião da visita a Moscovo do enviado especial dos Estados Unidos, Steve Witkoff, conclui o especialista militar Jan Matveyev.
Segundo Roman Pohorilyj e Ruslan Mykula, do projeto de análise ucraniano DeepState, nas últimas semanas os combates de rua deslocaram-se para a zona norte da cidade.
“Antes, os russos avançavam em grupos de dois ou três, antes de serem neutralizados na periferia norte; agora chegam lá em grupos de quatro ou cinco. Isso demonstra que há agora tantos russos no centro da cidade que podem avançar a partir daí em unidades coesas”, afirmou Mykula.
O especialista salientou, no entanto, que, devido à falta de infantaria, ainda não conseguiram expulsar completamente as forças ucranianas da cidade. Mas isso será “apenas uma questão de tempo”, já que os russos são superiores em número.
Além disso, a tática ucraniana de “eliminar” repetidamente pequenos grupos russos não é sustentável, de acordo com Pohorilyj. Embora as unidades ucranianas consigam recapturar ruas ou áreas específicas, as forças russas voltam passado algum tempo, porque as rotas de acesso pelo sul permanecem abertas.
“Têm uma grande concentração de tropas na área. Portanto, isso não vai resolver fundamentalmente a situação”, acrescentou.
Qual é a situação em Myrnohrad?
De acordo com os especialistas da DeepState, o destino de Myrnohrad, situada a cerca de sete quilómetros em linha reta, também depende do que acontecer em Pokrovsk. Apesar da presença russa significativamente menor na cidade, a situação ali é ainda mais perigosa.
“Ainda existe algum apoio logístico em Pokrovsk. Porém, é quase impossível entrar ou sair de Myrnohrad, mesmo que a cidade não esteja fisicamente cercada”, sublinha Mykula.
As tropas ucranianas estariam a ser abastecidas por drones. Segundo Pohorilyj, mesmo agora, chegar ou sair da cidade a pé é extremamente perigoso. “Mas, se Pokrovsk cair, os russos controlarão cada movimento”, alerta. “Não sei como as forças ucranianas conseguirão sair de Myrnohrad numa situação dessas”, conclui o especialista.
Segundo os especialistas da DeepState, combates de rua seriam praticamente excecionais em Myrnohrad. As tropas russas avançam para as imediações da cidade a partir do norte, sul e leste, de acordo com Mykula. Atacam repetidamente o centro urbano com bombas e foguetões para expulsar as forças ucranianas.
“No sudeste, por exemplo, há um ponto de onde lançam drones. Isso sugere que estão a ter bastante sucesso na parte sul de Myrnohrad”, afirma Pohorilyj. Os russos conseguem também penetrar repetidamente nas localidades de Rivne e Svitle, situadas entre Pokrovsk e Myrnohrad.
Há hipótese de a Rússia conquistar toda a região de Donetsk?
Pohorilyj acredita que “apenas um milagre” pode melhorar a situação para a Ucrânia. Nessas circunstânciasm, “o mais importante é salvar vidas”.
No entanto, o especialista abstém-se de fazer previsões sobre as possíveis consequências da perda de Pokrovsk e Myrnohrad para o resto da região de Donetsk. De acordo com Mykula, a captura destas cidades provavelmente facilitaria o ataque russo a outras partes da região.
“Toda a sua operação logística se concentraria nessas cidades, transformando-as em bases.” Milhares de soldados poderiam então ser estacionados no local.
É exatamente isso que prevê o representante da NATO anteriormente citado: que os russos usarão Pokrovsk como ponto de partida para ataques a outras cidades da região. Contudo, isso não levaria necessariamente a um colapso das defesas ucranianas. Tal cenário é considerado “improvável num futuro próximo”.
Na sua opinião, não existe qualquer possibilidade realista de os russos conquistarem o restante território de Donetsk nos próximos um ou dois anos. Especialistas do Instituto para o Estudo da Guerra também não acreditam que a queda de Pokrovsk vá acelerar de forma significativa a conquista do resto da região pela Rússia.