O líder que muitos ridicularizavam é agora o presidente que está há mais tempo no poder na América Latina. Será que vai continuar a desafiar as probabilidades?
Nicolás Maduro acredita que o seu antecessor e pai político, o falecido Hugo Chávez, lhe apareceu sob a forma de um pequeno pássaro e de uma borboleta. Ele também acha que celebrar o Natal dois meses mais cedo – por decreto presidencial – ajuda a “levantar o ânimo dos venezuelanos”.
Confunde “gremlin” com “grinch”, inventa palavras em espanhol e comete frequentemente deslizes linguísticos. As decisões e declarações do presidente da Venezuela podem ser tão excêntricas que muitos venezuelanos e latino-americanos têm um nome para elas: “maduradas”.
No entanto, há anos que Maduro tem provado que subestimá-lo pode ser um erro para os seus críticos.
Maduro cumprimenta o povo após as eleições em 14 de abril de 2013, em Caracas, Venezuela (Gregorio Marrero/LatinContent/Getty Images)
O escárnio em relação a Maduro já existia mesmo antes de ele tomar posse como presidente da Venezuela em 2013, quando era apenas um entre vários potenciais sucessores do líder doente de cancro, apesar de ter servido como ministro dos Negócios Estrangeiros e vice-presidente. Maduro tinha um apoio minoritário dos seguidores do Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV), e o seu círculo, segundo relatos, estava em forte tensão com os apoiantes do influente Diosdado Cabello, então presidente da Assembleia Nacional, por ser o escolhido num país dominado pela incerteza.
Mas, abatido pela doença, no início de dezembro de 2012, Chávez pôs fim às disputas internas e abençoou inequivocamente Maduro para liderar o chavismo e a Venezuela. O “filho de Chávez” inaugurou então um governo no qual, ano após ano, desafiou as críticas ao sistema eleitoral, os protestos, as sanções, os mandados de prisão, as possíveis rebeliões, o isolamento internacional e as especulações sobre o seu futuro.
O líder que alguns ridicularizavam é agora o presidente que está há mais tempo no poder na América Latina: 12 anos e sete meses. Maduro sobreviveu às previsões e ao ridículo, mas, pelo caminho, a Venezuela perdeu milhões de habitantes, 72% da sua economia, legitimidade democrática aos olhos de grande parte do mundo e muitos dos seus mais importantes aliados internacionais. O presidente venezuelano diz que enfrenta agora uma “situação existencial”. Será capaz de desafiar novamente as previsões e sobreviver à pressão militar e diplomática do presidente dos EUA, Donald Trump?
O ‘filho de Chávez’
“Se surgir alguma circunstância imprevista que me impeça de continuar como presidente da Venezuela, a minha opinião firme, tão firme como a lua cheia, é que, nesse cenário, que exigiria a convocação de eleições presidenciais, devem escolher Nicolás Maduro”, disse Chávez em dezembro de 2012, horas antes de viajar para Cuba para continuar o seu tratamento. O presidente voltaria a Caracas apenas para morrer, mas o nome do seu herdeiro já estava claro.
O próprio Maduro diz que não sabe por que Chávez o escolheu entre vários candidatos, porque ele nunca aspirou a “ser presidente”. “Mas ele estava a preparar-me”, afirrmou pouco depois da morte de Chávez.
O presidente venezuelano Hugo Chávez na sua primeira conferência de imprensa após vencer as eleições em 9 de outubro de 2012, em Caracas, Venezuela (Gregorio Marrero/LatinContent/Getty Images)
Filho de um ativista político de um partido tradicional venezuelano, Maduro começou a preparar-se muito cedo. Enquanto estudante, aderiu à Liga Socialista e começou a trabalhar como motorista no Metro de Caracas.
O seu ativismo levou-o a tornar-se dirigente sindical, de onde saltou para a política. A atividade sindical e política permitiu-lhe conhecer duas pessoas decisivas na sua vida: Cilia Flores e Chávez.
Flores era uma jovem advogada e Maduro era um líder sindical em ascensão. Ela foi uma das defensoras legais de Chávez durante a tentativa de golpe de 1992. Flores e Maduro visitaram-no na prisão de Yare.
Começou o caminho do amor, da política e da lealdade. Flores tornou-se parceira de Maduro e, eventualmente, a primeira mulher a liderar a Assembleia Nacional e a pessoa que muitos hoje veem como o “poder por trás do trono”, diz à CNN Carmen Arteaga, doutorada em Ciência Política e professora da Universidade Simón Bolívar. E ele tornou-se o “filho de Chávez”.
Os mistérios do apoio cubano
Quando Chávez foi eleito presidente em 1999, Maduro entrou para a Assembleia Nacional. À medida que o então presidente ganhou poder dentro e fora da Venezuela, Maduro subiu na hierarquia, primeiro na Assembleia Nacional e depois no governo como “um bom número dois, sempre obediente”, explica à CNN Ronal Rodríguez, investigador do Observatório da Venezuela na Universidad del Rosario, na Colômbia.
“Maduro sempre foi um líder subestimado. Havia muitos sucessores possíveis quando Chávez adoeceu. Mas nenhum conseguiu o que ele conseguiu: por um lado, o apoio cubano e, por outro, a distribuição de poder dentro do chavismo”, aponta Rodríguez.
A relação de Maduro com Cuba estende-se por décadas e tem várias formas e mistérios. Uma das poucas biografias não autorizadas de Maduro – “De Verde a Maduro: el sucesor de Hugo Chávez” (um jogo de palavras, já que Maduro também significa maduro) – diz que o atual presidente pode ter sido formado em política revolucionária na ilha durante a sua juventude.
Nem ele nem as biografias oficiais mencionam essa alegada experiência. Mas Maduro construiu, primeiro com o governo de Fidel e Raúl Castro, e depois com Miguel Díaz-Canel, um vínculo que está entre os mais importantes para a Venezuela de hoje. E que, segundo antigos responsáveis da primeira administração de Trump, foi decisivo para o presidente antecipar e conter, através dos serviços de segurança cubanos, a revolta da oposição de abril de 2019, entre outras coisas.
Maduro aprofundou os seus laços com os Castro quando se tornou ministro das Relações Exteriores de Chávez, em 2006, e se tornou um “jogador-chave” em 2011, quando o então presidente adoeceu e viajou para Cuba para tratamento. A partir daí, ele foi o elo fundamental na gestão da relação estratégica entre os Castro e o chavismo.
Essa relação ajudou Maduro a reforçar a sua posição para ser o sucessor de Chávez, que tinha o carisma e a influência que nenhum dos seus potenciais herdeiros possuía. E também para alimentar uma narrativa aperfeiçoada primeiro por Fidel Castro e depois pelo próprio Chávez – ambos líderes da esquerda latino-americana. Era uma narrativa anti-imperialista e anti-americana, amplificada por alianças geopolíticas com rivais históricos dos EUA.
O início de um ciclo recorrente
Maduro apoiou-se nessa epopeia desde o início do seu primeiro governo. O “filho de Chávez” recebeu a sua bênção, mas não todos os seus votos. Nas eleições de abril de 2013 para escolher o sucessor do falecido presidente, o candidato chavista derrotou o líder da oposição Henrique Capriles por apenas 1,59% dos votos. Seis meses antes, nas eleições presidenciais de outubro de 2012, Chávez tinha vencido Capriles por uma margem de 9,5%.
Suspeitando há anos da transparência eleitoral do governo, Capriles e a oposição recusaram-se a aceitar os resultados. Até o próprio chavismo, através de Cabello, mostrou a Maduro a sua insatisfação com o resultado e apelou à autocrítica.
Maduro respondeu que se tratava de uma vitória “legal, justa e constitucional” e celebrou a continuação do chavismo no poder.
Mas aí começou o padrão que melhor define o autoproclamado defensor da “democracia popular e revolucionária” até hoje: eleições contestadas, oposição nas ruas, alegações de repressão e perseguição à dissidência e distribuição de benefícios dentro do chavismo para evitar desafios internos e manter o poder. Fora da Venezuela, o “modelo Maduro” contou com o apoio e o saber-fazer dos tradicionais adversários dos EUA: China, Rússia e Irão.
A partir de 2013, todas as eleições nacionais foram envoltas em dúvidas e controvérsias entre a oposição venezuelana, as organizações internacionais e até os governos aliados: as eleições constitucionais de 2017, as eleições legislativas de 2020 e as eleições presidenciais de 2018 e 2024. As eleições parlamentares de 2015 foram, de facto, ganhas pela oposição, mas o chavismo usou manobras políticas para neutralizar essa vitória. As eleições foram repetidamente seguidas de contestações e marchas da oposição e, tal como documentado pelas Nações Unidas nos seus relatórios, de repressão e morte.
Maduro defendeu estes processos como “transparentes” e o seu sistema eleitoral como “fiável”. Resistiu, cerrou o punho e superou os desafios, mesmo quando muitos pensavam que não o conseguiria. Isso aconteceu, mais do que nunca, em 2024, quando nem mesmo a Colômbia e o Brasil, governados pelos presidentes de esquerda Gustavo Petro e Lula da Silva, reconheceram os resultados das eleições em que Maduro supostamente derrotou a oposição de Edmundo González Urrutia e María Corina Machado e conseguiu a sua segunda reeleição.
“O caso de Maduro é um caso incomum de sobrevivência de regime numa região onde, diante de desafios semelhantes, outros regimes caíram”, sublinha o académico e professor do Amherst College Javier Corrales no seu livro “The Rise of Autocracy: How Venezuela Transitioned to Authoritarianism” [“A Ascensão da Autocracia: Como a Venezuela Transitou para o Autoritarismo”, na tradução livre].
O alto custo para os venezuelanos
Para os venezuelanos, o preço do método de sobrevivência de Maduro foi e é, no entanto, alto e mede-se em vidas, exílio e pobreza. Desde 2017, várias agências da ONU e o Tribunal Penal Internacional (TPI) têm-se dedicado a contabilizar esse custo, às vezes até com a colaboração do próprio governo venezuelano, na tentativa de afastar o espetro de um mandado de prisão internacional para Maduro por crimes contra a humanidade.
Ano após ano, os relatórios descrevem um aumento das violações dos direitos humanos, “coordenadas de acordo com as políticas do Estado e parte de uma conduta generalizada e sistemática, constituindo assim crimes contra a humanidade”, como se refere num relatório da missão da ONU de 2020: “A missão encontrou motivos razoáveis para acreditar que as autoridades e as forças de segurança planearam e executaram violações dos direitos humanos em grande escala desde 2014.”
“As provas obtidas pela missão durante este ciclo de investigação confirmam que o crime de perseguição com base em motivos políticos continua a ser cometido na Venezuela, sem que nenhuma autoridade nacional mostre vontade de prevenir, processar ou punir as graves violações dos direitos humanos que constituem este crime internacional”, concluiu Marta Valiñas, relatora do relatório.
Força excessiva, detenções arbitrárias de manifestantes e líderes da oposição, violência sexual, tortura, execuções extrajudiciais – todos estão presentes, de acordo com os relatórios da ONU, no manual de Maduro para gerir a dissidência.
Em resposta a cada acusação ou investigação internacional, Maduro e o seu governo recorrem, como têm feito desde o início, à conhecida narrativa anti-imperialista. “É muito preocupante que a alta comissária ceda às pressões de atores anti-venezuelanos e faça declarações tendenciosas e inverídicas, apresentando especulações ideologizadas como fatos”, respondeu o governo de Maduro em 2021 a Michelle Bachelet, então Alta Comissária da ONU para os Direitos Humanos.
Bachelet foi a primeira presidente socialista do Chile desde o retorno da democracia ao país. O confronto de Maduro com Bachelet, então diplomata da ONU, foi um sinal de que o governo venezuelano também começava a perder o apoio da esquerda latino-americana.
Má gestão, economia de guerra, êxodo e sanções
A narrativa da cruzada anti-EUA foi também utilizada por Maduro e pelo seu governo para justificar os péssimos números económicos da Venezuela.
Esses números, típicos de economias de guerra de outros países, expõem de forma gritante a fraca gestão de um Maduro que conseguiu fazer com que a Venezuela começasse a crescer apenas em 2021, oito anos depois de assumir o poder. Atualmente, a economia venezuelana é 28% do que era em 2013, de acordo com o FMI.
Um homem segura um saco de compras em frente a uma loja que exibe cartazes com preços em dólares no mercado municipal Quinta Crespo, em Caracas, a 13 de novembro (FEDERICO PARRA/AFP/AFP via Getty Images)
Por detrás deste colapso está o declínio da principal fonte de rendimento da Venezuela nos últimos 50 anos: o petróleo. Atingida por lutas pelo poder, disputas chavistas e falta de investimento, a PDVSA, empresa que controla a produção e comercialização do petróleo, entrou em colapso. A queda generalizada dos preços do petróleo desde 2014 também não ajudou. Atualmente, as receitas da exportação de petróleo são apenas 20% do que eram em 2013, de acordo com dados da OPEP+.
Maduro e o seu governo culparam e continuam a culpar as sanções dos EUA pelo colapso económico. Mas foi apenas em 2019 que a administração Trump impôs sanções à PDVSA; até então, as medidas tinham como objetivo punir Maduro e os seus funcionários individualmente.
Ao contrário do que acontece noutros países, a má gestão económica não alterou o controlo de Maduro sobre a Venezuela. Mas alterou a composição do país. Esmagados pela repressão e pela pobreza, que no seu pior momento afetou 90% da população, milhões de venezuelanos optaram por partir para destinos onde o futuro parecia possível. O êxodo da Venezuela, juntamente com o da Síria, está entre as maiores crises de deslocação a nível mundial: quase oito milhões de venezuelanos vivem agora noutros países.
A chave para o ‘modelo Maduro’ de sobrevivência
A Venezuela de Maduro é uma sucessão de crises que forçaram os venezuelanos ao exílio, mas, ao mesmo tempo, fortaleceram o presidente, que culpa as sanções pelo êxodo. “Maduro é mais hábil do que a maioria das pessoas pensa; ele sempre soube tirar proveito das circunstâncias e reverter as crises”, diz Rodríguez.
Para isso, Maduro começou a construir, logo no início do seu governo, uma relação de forças em que ele se tornou o garante. Essencial neste mapa foram, desde o início, as Forças Armadas, um sector com o qual Maduro tinha pouca relação antes de ser indicado por Chávez.
“Uma vez alguém me explicou isto: com Chávez, os militares achavam que tinham de lhe agradecer a proeminência que tinham. Com Maduro, é o contrário. Ele tem de agradecer aos militares e fazer-lhes concessões como cargos ou sectores económicos inteiros, para que eles o tolerem. Ele transformou a Venezuela numa confederação em que ele é o gestor”, considera o académico do Amherst College, Javier Corrales.
Também foram fundamentais nesse esquema de partilha de poder, que Corrales compara ao que os Castro impuseram em Cuba, os líderes chavistas mais antigos, como Cabello ou o agora desonrado Rafael Ramírez, ex-presidente da PDVSA, entre outros cargos, ou Tareck el-Aissami, ex-vice-presidente do país.
Mas, como em qualquer regime de poder fechado, alguns sucumbiram, sob alegações de suposta corrupção, e foram para o exílio ou acabaram na prisão. Muitos outros continuaram e hoje fazem parte não só da balança do poder e da gestão económica, mas também das investigações da justiça internacional sobre alegados crimes contra a humanidade.
Maduro distribuiu poder, dinheiro e responsabilidades e, ao fazê-lo, assegurou a sua sobrevivência.
Na “confederação” de atores que dominam a Venezuela de Maduro, desempenham também um papel central os grupos paramilitares que, segundo a ONU, participaram no ciclo de repressão da oposição durante a agitação social mais intensa dos últimos anos. Os “colectivos” são também uma ferramenta fundamental para o equilíbrio de poder de Maduro e para o seu futuro.
“São um sector altamente armado. São os xerifes do regime. E têm muito a perder se o governo cair”, garante Corrales.
A intensa relação com os EUA
Antigos funcionários de Trump e Biden partilham a avaliação de Corrales. Há tantos atores legais e supostamente ilegais envolvidos no governo de Maduro, tantos interesses em jogo, que a saída repentina do presidente poderia desencadear o caos e um drama ainda pior do que o que tem corroído a Venezuela há anos.
Quase treze anos depois de Chávez o ter proclamado seu escolhido, Maduro enfrenta outra crise, que a segunda administração de Trump espera que seja a última.
Com várias táticas, a política americana de enfraquecimento de Maduro tem sido, nos últimos anos, tão intensa como a retórica anti-americana do presidente venezuelano.
Passou por várias administrações e incluiu sanções económicas, mandados de detenção exorbitantes, detenção de familiares por alegadas ligações ao narcotráfico, detenção e libertação do alegado “homem da frente”, concessão e cancelamento de licenças petrolíferas, diálogo direto e conversações secretas e até um plano para permitir eleições livres, justas e transparentes que levou, em 2024, a eleições em que a oposição liderada por Machado surpreendeu o mundo. Nada funcionou, nem as ameaças, nem o diálogo com um Maduro que também se revelou um especialista em empatar e atrasar negociações.
O líder venezuelano enfrenta agora o maior bloqueio naval e aéreo dos EUA nas Caraíbas em décadas. A pressão militar dos EUA e de Trump está a aumentar e Maduro está mais uma vez a tentar desafiar as probabilidades. Será que vai conseguir?