Existe algo de profundamente revelador quando um engenheiro fala menos de números e mais de processo, ritmo, esforço e eficiência. Jon Gunner, diretor técnico da marca dinamarquesa Zenvo Automotive, não discute recordes, velocidade máxima ou aceleração. Ele foca em algo mais difícil de quantificar: eficiência como modo de pensar.

Jon Gunner

Ele traz no currículo uma trajetória construída dentro de alguns dos programas mais exigentes do universo dos super e hipercarros, com passagens por marcas como Aston Martin, onde atuou em projetos de inovação, séries especiais e GT de competição, além de ter participado diretamente do desenvolvimento do Ford GT, e experiências também em fabricantes de ponta como Koenigsegg e Czinger.

São mais de duas décadas trabalhando com hipercarros, sempre guiado por um mesmo princípio: fazer cada parte do carro realizar o máximo de trabalho possível com o mínimo de esforço.

Potência é relativamente fácil de adicionar. Difícil mesmo é reduzir peso, extrair eficiência real e transformar energia em resultado de forma inteligente.
Jon Gunner

É exatamente essa visão, focada em eficiência estrutural, integração de sistemas e engenharia sem concessões, que hoje orienta o desenvolvimento do Zenvo Aurora.

Aurora Tur

Essa lógica não se aplica apenas ao carro. Ele descreve o desenvolvimento como um organismo no qual entradas e saídas precisam estar em equilíbrio. Há um ritmo envolvido, quase musical. Gunner é baixista e usa essa referência sem hesitar. Para ele, um projeto bem sucedido tem que pulsar como uma batida constante. O carro nasce desse ritmo. O time trabalha nesse ritmo. A eficiência vem dessa cadência.

Ao falar da equipe da Zenvo, o diretor técnico reforça um ponto central. Velocidade de desenvolvimento só acontece com times pequenos, altamente qualificados, que entendem a visão da empresa. Cada engenheiro, cada técnico, é uma engrenagem essencial. Todos precisam dominar seus próprios sistemas e assumir responsabilidade total por eles.

Aurora em Goodwood

Um momento importante desse processo, segundo Gunner, foi quando o primeiro protótipo funcional do Aurora, o VP0, ganhou vida a tempo para Goodwood. Após meses de planilhas, simulações, desenhos digitais e cálculos, o som do motor pela primeira vez provocou silêncio, arrepio e emoção real em todos ali. A criação deixava de ser virtual e se tornava física. Para um engenheiro, esse momento não tem equivalente.

Mas o Aurora não nasce apenas da obsessão por desempenho. Gunner deixa claro que o objetivo não foi criar um carro para bater números, mas sim um verdadeiro carro para ser pilotado. Ele próprio se declara apaixonado por dirigir, por sentir a resposta dos sistemas, pela leitura clara do que o carro está fazendo. Para ele, eficiência também é isso. Retorno, controle, leitura precisa do comportamento do veículo.

Transformar sensações subjetivas em parâmetros técnicos talvez seja a parte mais complexa de todo o processo. O Aurora nasce numa tentativa de traduzir emoção em engenharia.

Zenvo

A Zenvo Automotive é uma fabricante dinamarquesa de hipercarros fundada com uma proposta clara: fazer tudo de forma artesanal, em pequena escala, com engenharia própria e identidade técnica independente. A marca ganhou projeção mundial com o TSR S e seu impressionante aerofólio móvel, mas o Aurora representa uma ruptura ainda mais profunda.

TSR
TSR

Apresentado oficialmente em 2023, o Zenvo Aurora inaugura a segunda fase da história da marca. É o modelo mais leve, mais potente e mais ambicioso já desenvolvido pela empresa. Pela primeira vez, a Zenvo adota uma arquitetura híbrida com motor central V-12.

O coração do Aurora é o novo V 12 de 6,6 litros, com quatro turbocarregadores, desenvolvido pela inglesa MAHLE Powertrain Ltd. Esse motor sozinho entrega 1.250 cv e gira até 9.800 rpm. A ele se somam motores elétricos leves, que elevam a potência total para 1.850 cv, dependendo da configuração. Trata se do V-12 mais potente já instalado num carro de produção.

A arquitetura é híbrida, com versões de tração traseira e tração integral. O sistema elétrico foi pensado não como protagonista, mas como preenchimento de torque, garantindo resposta imediata ao acelerador, uma das obsessões declaradas do projeto.

O Aurora nasce em duas interpretações distintas. O Agil, mais leve, radical e focado em pista. E o Tur, mais elegante, voltado ao uso em alta velocidade com maior conforto e estabilidade. Ambos compartilham a mesma base estrutural, mas atendem a filosofias de condução diferentes.

A estrutura é baseada no novo monobloco modular ZM1, totalmente em compósito de fibra de carbono, com subchassis integrados. Cerca de 70% dessa estrutura permanece visível, numa abordagem que expõe a engenharia como parte do design. A rigidez torcional chega a 63.000 N·m/º com peso inferior a 120 kg.

No Agil, o foco absoluto na redução de peso permite de 1.300 kg ma balança. No Tur, a adição dos motores dianteiros e do sistema de tração integral eleva o peso para cerca de 1.450 kg. Mesmo assim, o desempenho permanece extremo. A velocidade máxima do Tur é estimada em 450 km/h.

No material técnico, a palavra emoção aparece com a mesma frequência que potência, aerodinâmica e materiais. A Zenvo não esconde que quer construir um hipercarro que provoque conexão visceral com seu motorista.

Essa ideia aparece no trabalho da Managing Composites, responsável pela estrutura do Aurora. Não há revestimentos tentando esconder o monobloco. Não há áreas neutras. Tudo é funcional. Tudo é exposto. O motorista passa a fazer parte da estrutura do carro, como numa motocicleta.

A expressão usada por um dos responsáveis pelo projeto resume bem a proposta Smiles per mile. Sorrisos por milha — 1,6 quilômetro no nosso caso.

PM

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