Se acha que já viu tudo sobre os drones, pense de novo

O ato da invenção, há que admiti-lo humildemente, não consiste em criar a partir do vazio, mas a partir do caos.

Mary Shelley, Frankenstein (1818)

 

A guerra é um caos. Sempre foi assim. Mas a tecnologia torna-a pior. Muda o medo.

Pierce Brown, Golden Son (2015)

Os drones – e a inteligência artificial – remodelaram o campo de batalha moderno e estão prestes a fazê-lo novamente. Em nenhum outro lugar isso é mais evidente do que na Ucrânia.

Invadida pela Rússia em 2022, com menos efetivos e menos armas do que uma das forças armadas mais fortes do mundo, Kiev provou rapidamente que os drones – no ar, em terra e no mar- podiam impedir uma vitória russa que muitos esperavam que fosse conseguido no espaço de semanas ou até mesmo em poucos dias.

Mais baratos e mais fáceis de construir do que os veículos tripulados e, nalguns casos, mais eficazes, os drones são o sonho dos estrategas militares – e reduzem consideravelmente o risco de um piloto ou operador ser morto em combate.

Tal como a espingarda Kalashnikov no século passado, a adoção em massa de drones tornou-se uma arma assimétrica de eleição para forças que enfrentam grandes dificuldades na guerra global, como o grupo militante Hamas, em Gaza; os rebeldes na guerra civil de Myanmar; e as forças armadas das nações mais pobres, incluindo muitas em África.

Entretanto, os cartéis de droga de todo o mundo estão a inovar, a melhorar e a adaptar drones para combater as guerras do narcotráfico do futuro.

“É como a pólvora. É assim que a guerra mudou de forma insana”, diz Patrick Shepherd, antigo oficial do exército americano, sobre o advento dos drones aéreos baratos.

É a invenção do caos, uma vez que uma miríade de conflagrações regionais coincide com uma era de avanços tecnológicos sem paralelo.

Provavelmente é apenas o começo.

A evolução dos drones

Os drones não são uma invenção recente. A Grã-Bretanha e os Estados Unidos fizeram experiências com aeronaves não tripuladas controladas por rádio durante a Primeira Guerra Mundial, de acordo com o Museu Imperial da Guerra, em Londres.

Pensa-se que o termo tenha vindo de um dos aviões telecomandados que a Grã-Bretanha estava a desenvolver entre a primeira e a segunda guerras mundiais, o De Havilland DH82B Queen Bee, que voou pela primeira vez em 1935.

“Durante a guerra, voávamos com centenas de drones sobre o Vietname do Norte”, diz Russ Lee, curador do departamento de aeronáutica do Museu Nacional do Ar e do Espaço, em Washington. Durante esse conflito no Sudeste Asiático, nos anos 60 e início dos anos 70, as forças norte-americanas começaram a utilizar drones para muitas das mesmas missões que vemos atualmente – reconhecimento ou transporte de munições ou para utilização como chamarizes e plataformas de operações psicológicas, de acordo com o Museu Imperial da Guerra.

Os EUA começaram a utilizar drones de forma generalizada durante a Operação Tempestade no Deserto, em resposta à invasão do Kuwait pelo Iraque em 1990. O míssil de ataque terrestre Tomahawk – um míssil de cruzeiro, mas também um veículo aéreo não tripulado, uma vez que pode mudar de rota e de alvo em voo – viu o seu primeiro combate em 1991.


Preparativos para a recuperação por via marítima de um hidroavião De Havilland DH82B Queen Bee (N-1846) da Fleet Air Arm, perto de Weybourne, Reino Unido foto Fox Photos/Hulton Archive/Getty Images


Um míssil de ataque terrestre BGM-109 Tomahawk (TLAM) é lançado em direção a um alvo iraquiano a bordo do navio de guerra USS Wisconsin (BB-64) durante a Operação Tempestade no Deserto foto Corbis/Getty Images

No mesmo ano, um grupo de soldados iraquianos numa ilha do Golfo Pérsico rendeu-se a um drone de reconhecimento da Marinha dos EUA, de acordo com o Museu do Ar e do Espaço.

Durante a “guerra contra o terrorismo” dos Estados Unidos, os drones de maiores dimensões, como o Predator e o Reaper, tornaram-se meios fundamentais, atacando furtivamente alvos, caçando líderes militantes e oferecendo cobertura protetora às tropas terrestres dos EUA.

No entanto, segundo alguns analistas, os drones foram introduzidos na guerra há relativamente pouco tempo, sendo o conflito de 2020 entre a Arménia e o Azerbaijão no Nagorno-Karabakh um ponto de viragem importante.

Nessa altura, as forças do Azerbaijão transformaram biplanos agrícolas em drones de engodo. Depois, quando as defesas aéreas arménias se revelaram capazes de abater os engodos, os drones de combate aéreo (UCAV) e a artilharia eliminaram os sítios antiaéreos arménios, acabando por dar a Baku o controlo dos céus.

“A utilização de UCAV após o conflito de 2020 aponta para uma nova tendência estabelecida entre os utilizadores de UCAV, especialmente as nações que não dispõem de grandes recursos para investir em tecnologia militar”, escreve o tenente de voo da Força Aérea Real do Reino Unido Chris Whelan, num documento de 2023 sobre o conflito.

“Fazem um drone muito bom”

Há mais de três anos que se travam combates nos confins da Europa de Leste e as forças do líder russo Vladimir Putin ainda estão longe de poder declarar vitória.

Os drones de Kiev merecem grande parte do crédito.

Fizeram explodir tanques russos até se transformarem em cascos em chamas, afundaram navios da frota do Mar Negro de Moscovo e saíram de contentores colocados clandestinamente para destruir bombardeiros estratégicos russos no solo. Perseguiram soldados russos individualmente nos campos, nas trincheiras e no interior de edifícios, voando através de janelas abertas.

Tornaram-se mesmo a última esperança das tropas do seu próprio lado, como foi o caso de um soldado ucraniano ferido que conseguiu afastar-se da frente de combate de bicicleta depois de um drone lhe ter entregue uma bicicleta elétrica.

Brigada de Rubiz vídeo do Batalhão de Syla Svodoby

Embora nas fases iniciais da guerra ambos os lados tenham confiado fortemente nos drones existentes fabricados no estrangeiro, construíram a sua própria tecnologia de drones e linhas de montagem.

Por exemplo, a Rússia está agora a fabricar aos milhares os drones de ataque Shahed que em tempos comprou ao Irão.

Os drones Bayraktar comprados à Turquia ajudaram a Ucrânia a repelir os avanços russos no início da guerra. Atualmente, de acordo com o Ministério da Defesa britânico, que assinou um acordo histórico de desenvolvimento de drones com Kiev no início deste ano, “a Ucrânia é o líder mundial na conceção e execução de drones”.


O voluntário Jan Artyukhov inspeciona um tanque russo destruído no campo perto da cidade de Derhachi, na região de Kharkiv, a 1 de outubro de 2023 foto Sergey Bobok/AFP/Getty Images

O Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, tornou-se, de certa forma, o melhor vendedor de drones do mundo, viajando para as capitais dos membros da NATO para lhes apresentar tecnologia de drones atualizada e em rápida evolução, em troca de ajuda na guerra.

Até o presidente dos EUA, Donald Trump, tomou nota.

“Eles fazem um drone muito bom”, disse recentemente sobre a Ucrânia.

Provavelmente, Kiev já teria perdido a guerra se não tivesse sido capaz de adaptar a tecnologia comercial amplamente disponível para construir as suas forças de drones e incorporá-la na sua estratégia militar, explica Kateryna Bondar, membro do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais (CSIS).

“É 100% correto dizer isso. E podemos ver isso especialmente pelos números”, afirmou Bondar numa apresentação online do CSIS em maio.

A Ucrânia construiu até dois milhões de drones no ano passado, contra 800 mil em 2023, segundo Bondar. No próximo ano, a Ucrânia vai construir cinco milhões, estima.

Shepherd, ex-oficial do exército americano e que serviu no Iraque em 2005-06, conta à CNN que drones aéreos baratos poderiam ter mudado o conflito e colocado os EUA em grande desvantagem.

“Se tivéssemos enfrentado isto no Iraque, teria sido terrível para nós”, considera Shepherd, atualmente diretor de vendas do fabricante de drones estónio Milrem Robotics, que fez várias viagens à Ucrânia.

“Ciclos de iteração rápidos”

A guerra tem sido um terreno fértil para a invenção desde antes do tempo de Alexandre, o Grande, com as mentes concentradas – e os ciclos de produção acelerados – pelos riscos existenciais.

Não tem sido diferente na Ucrânia, onde a inovação é constante.

Depois de a Rússia ter conseguido bloquear os sinais dos modelos anteriores operados por rádio, a Ucrânia desenvolveu drones controlados por cabo de fibra ótica, diz Bondar. Embora fisicamente presos ao seu controlador como um papagaio, os drones de fibra ótica podem operar a distâncias tão grandes como 50 quilómetros, explica Bondar.

As mudanças não exigem meses de trabalho de desenvolvimento em laboratórios ou fábricas, de acordo com os analistas. Os drones estão a passar por “ciclos rápidos de iteração na frente”, refere à CNN Samuel Bendett, um dos autores do relatório do CSIS.

As oficinas não estão longe das linhas da frente e, em alguns casos, são móveis, pelo que os comandantes e controladores de drones podem dar feedback em primeira pessoa aos programadores e técnicos. Por vezes, apenas são necessários pequenos ajustes para alterar o desempenho de um drone.


O primeiro-ministro britânico, Keir Starmer, e o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, falam aos meios de comunicação social depois de assistirem a uma apresentação de drones militares ucranianos em Kiev, na Ucrânia, a 16 de janeiro de 2025 foto Carl Court/AFP/Getty Images

“Muitas vezes, trata-se de alterar as frequências, modificar as câmaras e os sensores e alterar os padrões de voo e outras caraterísticas”, afirma Bendett.

Ao anunciar o seu acordo sobre drones com Kiev em junho, o Ministério da Defesa britânico afirmou que a tecnologia dos drones evolui, em média, de seis em seis semanas.

Shepherd diz à CNN que já viu drones passarem de esboços em papel para a utilização no campo de batalha ucraniano num mês.

A Rússia sofreu perdas devastadoras na sua invasão – mais de um milhão de vítimas, segundo as estimativas ocidentais.


O Serviço de Segurança da Ucrânia apresenta o veículo de superfície não tripulado multiusos Sea Baby. Trata-se de um veículo da próxima geração e foi apresentado a 17 de outubro de 2025 aos meios de comunicação social na Ucrânia foto Kyrylo Chubotin/Ukrinform/NurPhoto/Getty Images


Um oficial do Serviço de Segurança da Ucrânia opera o veículo de superfície não tripulado multiusos Sea Baby, a 17 de outubro de 2025 foto Kyrylo Chubotin/Ukrinform/NurPhoto/Getty Images

Moscovo, naturalmente, ripostou com um programa maciço de construção de drones. Segundo os analistas do CSIS, Moscovo produz atualmente quatro milhões de drones por ano e prevê-se que esse número aumente.

Os drones russos de fibra ótica e resistentes a choques são iguais aos da Ucrânia e acredita-se que a Rússia está a produzi-los em maior número.

A sua unidade ultrassecreta de drones, o Centro Rubicon para Tecnologias Avançadas Não Tripuladas, tem sido vista por muitos como um fator de mudança na linha da frente.

“As formações Rubicon continuam a ser um dos principais problemas para os operadores de drones ucranianos, não só para as próprias empresas de drones, mas também porque treinam outras unidades de drones russas”, observa Michael Kofman, membro sénior do Carnegie Endowment.

Embora a maioria dos drones utilizados na guerra seja veículos aéreos não tripulados, ou UAV, a Ucrânia também construiu drones marítimos (USV) e drones terrestres altamente eficazes.

Os drones marítimos de Kiev já afundaram navios de guerra russos e abateram aviões militares russos com mísseis terra-ar. Recentemente, a Ucrânia lançou drones bombardeiros mais pequenos a partir de um USV, essencialmente um pequeno porta-aviões de drones que disparou contra radares russos na Crimeia, de acordo com os militares ucranianos.

Segundo os analistas, os USV da Ucrânia fizeram o que poucos pensariam ser possível quando a guerra começou em 2022: anular a vantagem outrora esmagadora da Rússia no Mar Negro.

 

O Serviço de Segurança da Ucrânia apresentou uma nova geração de drones marítimos não tripulados denominados “Sea Baby” vídeo do Serviço de Segurança da Ucrânia

Drones para todos

Tal como na Ucrânia, os veículos não tripulados, com uma boa relação custo-benefício, podem transformar os campos de batalha e trazer um poder de fogo mortífero para as forças armadas que anteriormente estavam em desvantagem, quer por restrições orçamentais, quer por falta de acesso à tecnologia.

Os países de África são um bom exemplo.

Num artigo publicado em abril para o Centro Africano do Departamento de Defesa dos EUA, o professor associado Nate Allen afirma que 36 das 54 nações do continente adquiriram drones nas últimas duas décadas, tendo as aquisições aumentado acentuadamente desde 2020.

Embora o mercado africano de drones seja em grande parte orientado para a importação – sendo a Turquia e a China as principais fontes -, nove países africanos estão agora a produzir drones autótones, escreve Allen.

E não são apenas os governos africanos que estão a aumentar as suas frotas de drones – atores não estatais em nove países do continente empregaram drones militares armados, de acordo com Allen.

Entre eles estava o Exército Nacional Líbio, que lutou contra o Governo de Acordo Nacional apoiado pela ONU durante a guerra de 2014-2020 na Líbia. Esse conflito, que deixou o país “atolado em instabilidade e fragmentação política”, foi o “teatro de drones mais importante do mundo” na altura, aponta Allen.

No passado mês de julho, no Sudão, o líder das forças armadas do país sobreviveu a um ataque de drones, alegadamente perpetrado pelas Forças de Apoio Rápido rebeldes durante uma cerimónia de graduação da academia militar, refere Allen.

Atores não estatais no Burkina Faso, na República Democrática do Congo, no Quénia, no Mali, em Moçambique, na Nigéria e na Somália também estão a utilizar drones, diz Allen.


Um membro das Forças de Defesa do Povo de Mandalay prepara-se para lançar um drone perto da linha da frente, no meio de confrontos com os militares de Myanmar no norte do Estado de Shan foto AFP/Getty Images

“Os sistemas não tripulados estão… a remodelar o espaço de batalha na maioria dos conflitos africanos”, afirma Allen.

Na Ásia, os rebeldes antijunta de Myanmar, em 2023, puderam essencialmente utilizar drones adquiridos comercialmente para substituir a artilharia, “bombardeando” as bases operacionais avançadas do regime militar nas regiões montanhosas ao longo das suas fronteiras durante “dias a fio”, conta Morgan Michaels, investigador do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos (IISS) em Singapura.

Os ataques com drones dos rebeldes levaram os militares a recuar e a ceder o controlo de grande parte do território fronteiriço aos insurretos, afirma Michaels.

“Houve uma grande mudança no equilíbrio de poder em Myanmar nos últimos dois anos e, em grande parte, isso deve-se à capacidade das forças da oposição de incorporarem UAV na sua doutrina de combate”, revela Michaels.

Entretanto, e no Médio Oriente, os militantes do Hamas em Gaza utilizaram drones para derrubar postos de observação israelitas antes do ataque mortal de 7 de outubro de 2023 ao sul de Israel, uma ação que precipitou uma guerra que matou mais de 60.000 palestinianos.

Mais inteligente, mais barato

À medida que a inteligência integrada dos drones avança a passos largos, as armas podem em breve ultrapassar o seu nome – “drone”, que designa um autómato que executa irrefletidamente uma determinada tarefa.

A inteligência artificial dá agora a alguns a capacidade a bordo de identificar alvos, procurar os seus pontos fracos e executar um ataque, tudo isto numa fração de segundo.

Na vanguarda destes avanços está a Auterion, uma empresa internacional de software de defesa cuja tecnologia transforma os drones existentes em “sistemas de armas autónomos”.

A empresa assinou recentemente um acordo de 42,92 milhões de euros com o Departamento de Defesa dos EUA para fornecer à Ucrânia 33.000 “kits de ataque” de drones com IA.

O fundador e diretor executivo da empresa, Lorenz Meier, diz à CNN que os humanos guiam os drones para a área do alvo, talvez a cerca de um quilómetro de distância, e depois tiram as rédeas. Os drones seguem o rasto e manobram para atacar, resistindo ao bloqueio inimigo.

Será que isso pressagia um campo de batalha distópico onde os robôs tomam decisões de morte por si próprios? Meier sublinha que esses receios são exagerados.

Meier espera que os drones sejam uma melhor forma de artilharia no campo de batalha do futuro – uma melhor forma igualmente mortífera mas a uma fração do custo.

A artilharia é uma arma área, afirma Meier. Os projécteis são disparados em torno de uma grelha, na expetativa de que as tropas e o equipamento inimigo se encontrem algures nessa grelha.

Meier diz que os seus parceiros ucranianos disseram-lhe que a utilização de drones para reconhecimento e deteção de fogo de artilharia permitiu-lhes reduzir as munições necessárias para matar um alvo específico de 60 para seis projéteis.

Mas os drones armados sabem exatamente onde está cada soldado, camião ou tanque e podem atacá-los diretamente, o que os torna ainda mais eficientes – “seis vezes mais”, diz Meier. Assim, esses 33.000 drones com o software Auterion têm a capacidade ofensiva de 198.000 projécteis de artilharia.

E é rentável, diz Meier, observando que um único projétil de artilharia custa entre 1.717 euros e 3.434 euros. Os drones individuais podem custar 1288 euros ou menos.

Num relatório de agosto da Defense One, o Contra-Almirante da Marinha dos EUA Michael Mattis afirma que está em curso um esforço para mostrar quanto dinheiro os drones navais (USV) podem poupar em relação aos destroyers (DDG), que são atualmente a espinha dorsal da frota de superfície da Marinha dos EUA.

“Pensamos que, com 20 USV de tipos diferentes e heterogéneos, podemos desconstruir uma missão que um DDG poderia realizar. E pensamos que o poderíamos fazer a um custo de essencialmente 1/30 do que custaria um DDG”, escreve Mattis.

Mas Meier diz que, pelo menos em terra, a artilharia ainda terá o seu lugar, especialmente contra um defensor entrincheirado com fortes fortificações.

Dos mosquitos aos navios de guerra

Os drones que têm recebido mais atenção na Ucrânia e noutros conflitos atuais, como Gaza ou Myanmar, são modelos de tamanho médio, desde algo que se pode segurar nas mãos até ao tamanho de um pequeno barco de recreio, no caso dos drones marítimos da Ucrânia.

Mas o espetro de drones está a expandir-se, abrangendo alguns do tamanho de insetos e outros do tamanho de navios oceânicos.

No início deste ano, a agência noticiosa estatal chinesa CCTV publicou um vídeo de estudantes de uma academia militar a olhar para drones do tamanho de mosquitos, máquinas não muito maiores do que a ponta do dedo de uma pessoa.

Desenvolvido pela Universidade Nacional de Tecnologia de Defesa, o drone pode ser utilizado para vigilância e reconhecimento.

Mas os investigadores norte-americanos e noruegueses podem estar alguns anos à frente dos seus homólogos chineses no desenvolvimento dos chamados nano-drones.

Há seis anos, os criadores do Instituto Wyss da Universidade de Harvard revelaram o RoboBee, que podeia ter utilizações comerciais e militares, incluindo o reconhecimento, de acordo com o site do instituto.


O famoso projeto de robótica de Harvard, o RoboBee, foi finalmente transformado numa tecnologia aplicada que deu origem a uma empresa em fase de arranque foto Lane Turner/Boston Globe/Getty Images


Um RoboBee descansa numa estação de trabalho no laboratório foto Lane Turner/Boston Globe/Getty Images

“Um RoboBee mede cerca de metade do tamanho de um clipe de papel, pesa menos de um décimo de grama e voa utilizando ‘músculos artificiais’ compostos por materiais que se contraem quando é aplicada uma tensão”, diz o site.

O Black Hornet, da empresa norueguesa Teledyne FLIR Defense, é um pouco maior do que o RoboBee. Do tamanho de um pombo e com um único rotor, parece um helicóptero de brincar.

Pode ser lançado em 20 segundos por um único soldado e proporcionar o reconhecimento do campo de batalha a uma distância de três quilómetros, diz a Teledyne.

Segundo a empresa, já se encontra nos arsenais de 45 forças militares e de segurança em todo o mundo.

O próximo grande passo poderá ser a biorrobótica, de acordo com a SWARM Biotactics, uma empresa alemã que concebe sistemas “vivos e inteligentes”, especificamente enxames de “baratas ciborgues equipadas com uma mochila personalizada para controlo, deteção e comunicação segura”.

No extremo superior do espetro, a Agência de Produtos de Investigação Avançada de Defesa (DARPA) do governo dos EUA batizou em agosto o que designa “USX-1 Defiant”, um navio de superfície autónomo e não tripulado.

A DARPA diz que a nave de 54,87 metros e 240 toneladas foi “concebida de raiz para nunca ter um humano a bordo”.

Num comunicado de imprensa, a DARPA menciona um atributo fundamental dos drones mais pequenos, como os utilizados na Ucrânia: a produção rápida.

Sem necessidade de acomodar e garantir a sobrevivência humana, a classe Defiant pode ser produzida mais rapidamente e em maior escala do que os navios com tripulação, “o que criará a letalidade naval, a deteção e a logística do futuro”, afirma o diretor da DARPA, Stephen Winchell, num comunicado de imprensa.

Os drones também vão ter um papel militar abaixo da superfície.

A China mostrou os seus mais recentes modelos na sua parada militar de 3 de setembro.

Os drones da Marinha do PLA, conhecidos como veículos submarinos extragrandes não tripulados (XLUUV), têm a forma de torpedos mas são enormes – cerca de 20 metros de comprimento, de acordo com uma análise efetuada pelo especialista em submarinos H I Sutton.


Um veículo subaquático não tripulado AJX002 durante uma parada militar que assinala o 80º aniversário da vitória sobre o Japão e o fim da Segunda Guerra Mundial, na Praça Tiananmen, em Pequim foto Greg Baker/AFP/Getty Images

A sua função exacta ainda não é conhecida, mas Sutton diz que se trata de um dos cinco XLUUV da frota de drones submarinos da China – a qual, segundo o próprio Sutton, é a maior do mundo.

Um dos maiores e mais recentes drones submarinos das forças armadas ocidentais é o Ghost Shark, um veículo submarino autónomo (AUV) de grandes dimensões desenvolvido pelo exército australiano e pelo recém-chegado Anduril, uma empresa de tecnologia de defesa.

Embora as especificações não tenham sido divulgadas por razões de segurança, o Ghost Shark parece ter o tamanho de um grande contentor marítimo e a sua construção modular vai permitir que seja personalizado para uma série de missões submarinas.

Quando foi apresentado no ano passado, Chris Brose, diretor de estratégia da Anduril, disse que a empresa e a Austrália estão no “processo de provar” que “este tipo de capacidades pode ser construído muito mais rapidamente, muito mais barato e de forma muito mais inteligente”.

Em setembro, o governo australiano assinou um acordo de quase mil milhões de euros com a Anduril para uma frota de Ghost Sharks, que a Anduril apelidou “o início de uma nova era de poder marítimo através da autonomia marítima”.

E não são apenas os grandes países que veem os drones como um pilar fundamental das futuras defesas.

Em outubro, Singapura lançou a sua primeira “nave-mãe” de drones, oficialmente designada “Multi-role Combat Vessel”.

Com cerca de 8.500 toneladas, tem o tamanho de uma grande fragata ou de um pequeno contratorpedeiro e vai servir de plataforma para “sistemas aéreos, de superfície e submarinos não tripulados para a condução de operações navais”, segundo o Ministério da Defesa do país.

Uma nova geração de empreiteiros de defesa

Mais parecidas com uma start-up de Silicon Valley do que com a Boeing ou a Lockheed Martin, a Anduril e a Auterion fazem parte de uma nova geração de empresas de defesa que estão a mudar drasticamente o setor.

Sediada em Costa Mesa, na Califórnia, a Anduril concebe-se como controlando todo o desenvolvimento de um sistema de armas, incluindo o hardware e a tecnologia especificamente criada para o alimentar.

Palmer Luckey, que fundou a Anduril Industries depois de vender o Oculus VR ao Facebook em 2014, diz que está a construir sistemas de defesa de uma forma diferente, não esperando que o governo lhe diga o que quer, mas vendendo sistemas concebidos pela Anduril que se adequem a uma necessidade governamental.

Luckey afirma que isso lhe permite encontrar os processos de fabrico mais eficientes e as fontes mais rentáveis, reduzir os custos para os contribuintes e encurtar o tempo de desenvolvimento.


Maquinaria pesada na fábrica Arsenal I da Anduril Industries Inc. em construção em Columbus, Ohio, EUA, a 23 de outubro de 2025 foto Kyle Grillot/Bloomberg/Getty Images

Para que tudo isto se concretize nos Estados Unidos, a Anduril está a construir uma enorme fábrica a rondar os mil milhões de euros perto de Columbus, Ohio, chamada “Arsenal-1”.

“O Arsenal-1 vai redefinir a escala e a velocidade a que os sistemas e armas autónomos podem ser produzidos para os Estados Unidos e para os seus aliados e parceiros”, diz o site da empresa.

A Auterion, sediada em Arlington, Virgínia, EUA, com instalações na Alemanha e na Suíça, defende um modelo diferente.

A empresa afirma que pode colocar o seu software em drones já existentes no mercado e transformá-los em enxames assassinos e outros sistemas.

Meier, fundador da Auterion, vê a sua empresa como uma espécie de Microsoft para a Apple da Anduril. Esta última controla o software, os sistemas operativos e o hardware. A primeira fabrica software que pode funcionar com o hardware de outros.

Estas empresas estão a injetar uma nova velocidade e urgência no desenvolvimento de armas, que tradicionalmente tem dependido de algumas grandes empresas com grandes contratos, que garantem grandes lucros mesmo que o que produzem nem sempre esteja à altura do que foi prometido.

E não são os únicos nomes novos na moderna indústria de armamento. A empresa americana Kratos está a desenvolver aviões não tripulados para as forças armadas dos EUA e de Taiwan.

A General Atomics está a competir com a Anduril pelos drones “loyal wingman” dos EUA, que podem voar ao lado dos aviões de combate americanos.

No início deste mês, a General Atomics afirmou ter conseguido emparelhar um jato não tripulado MQ-20 Avenger com um caça furtivo F-22 num teste em que o F-22 controlou o drone em voo.

A Shield AI chamou a atenção no final de outubro quando revelou os planos para o X-Bat, um drone que pode voar de forma autónoma ou como um fiel companheiro, chamando-lhe “revolução no poder aéreo”. É uma aeronave de descolagem e aterragem vertical com um alcance de mais de 3.200 km que pode transformar praticamente qualquer navio com uma superfície plana num porta-aviões.


Drones fabricados pela Korean Air exibidos na exposição de defesa ADEX 2025, em Seul, em outubro de 2025 foto Brad Lendon/CNN

E há nomes mais conhecidos – se bem que surpreendentes – a entrar no negócio dos drones.

Numa recente exposição de defesa nos arredores de Seul, o braço de defesa da Korean Air – sim, a maior companhia aérea de passageiros da Coreia do Sul – exibiu uma linha de drones, desde munições de tamanho humano a um leal companheiro de viagem.

A influência destas novas empresas de defesa reflete-se na lista deste ano das 100 maiores empresas de defesa do mundo com base nas receitas, compilada pelo site Defense News.

A Anduril entrou nessa lista pela primeira vez, diz o Defense News, juntando-se à Kratos e à Palantir Technologies, que produz software de análise de dados baseado em IA.

Quem está a ganhar o Game Of Drones?

Embora a Anduril, a Auterion e a SWARM Biotech estejam entre os líderes da inovação ocidental em matéria de drones, a China tem fortes argumentos para ser o líder neste domínio.

“A China domina a indústria dos drones comerciais baratos, o que a coloca numa boa posição” para fazer o mesmo na vertente militar, diz à CNN William Freer, investigador do Council on Geostrategy, no Reino Unido.

Estão a fazer experiências com drones submarinos de longo alcance, UCAV de longo alcance, e parece estar a ser desenvolvido um novo “portadrones” para a sua marinha”, afirma William Freer.

Mas é na defesa dos drones que a China pode estar a ganhar vantagem, dizem os analistas, depois de Pequim ter constatado o sucesso dos drones de baixo preço contra as defesas aéreas tradicionalmente caras na guerra da Ucrânia.

Além disso, e durante os exercícios realizados no ano passado, as defesas tradicionais chinesas contra drones só conseguiram eliminar cerca de 40% dos alvos aéreos, observaram os analistas Tye Graham e Peter Singer num relatório recentemente publicado no site militar Defense One.

O resultado foi um investimento maciço em sistemas contradrones na China.

“O mercado chinês conta atualmente com mais de 3.000 fabricantes que produzem equipamento antidrone de alguma forma”, afirmam Graham e Singer.

“Dados recentes sobre aquisições revelam um aumento dramático na aquisição de sistemas anti-UAV”, referem, com o número de avisos de aquisição a mais do que duplicar para esses sistemas de 2022 a 2024.

Alguns desses sistemas são espantosos. Um deles é uma arma de micro-ondas de alta potência apresentada no Airshow China do ano passado.


Um sistema de armas de micro-ondas de alta potência montado num veículo (HPM3000) exibido na exposição aérea em Zhuhai, na província de Guangdong, no sul da China, a 13 de novembro de 2024 foto Long Wei/Feature China/Future Publishing/Getty Images

“Descrito como o equivalente a ‘lançar milhares de fornos de micro-ondas para o céu’, o sistema emite impulsos eletromagnéticos rápidos e em toda a área capazes de fritar os componentes eletrónicos dos drones num raio de 3.000 metros”, afirmam.

Entretanto, as forças armadas mais importantes do mundo – os EUA – não estão a acompanhar o ritmo, de acordo com um relatório de junho do grupo de reflexão da Heritage Foundation.

“O desenvolvimento da tecnologia de drones por parte dos adversários está atualmente a ultrapassar o dos EUA, bem como as contramedidas dos drones dos EUA”, refere o relatório.

“Embora os EUA tenham dado passos iniciais importantes para desenvolver sistemas avançados de combate aos drones e programas de formação, esses passos continuam fragmentados, subfinanciados e implementados de forma desigual”, lê-se.

E isto é apenas no domínio dos contradrones. Duas notícias recentes, da Reuters e do New York Times, salientaram o facto de os EUA estarem atrás da China no desenvolvimento de drones marítimos e aéreos, respetivamente.

Nada mais nada menos do que o antigo presidente do Estado-Maior Conjunto, o general reformado Mark Milley, traça um quadro terrível para os EUA.

As guerras do futuro “serão dominadas por sistemas de armas cada vez mais autónomos e algoritmos poderosos”, escreve Milley, juntamente com o analista e antigo diretor executivo da Google Eric Schmidt, num artigo de opinião para a Foreign Affairs, no ano passado.

“Este é um futuro para o qual os Estados Unidos não estão preparados”, escreveram.

Para seu crédito, a administração Trump publicou em junho uma ordem executiva, intitulada “Unleashing American Drone Dominance”, com uma das suas 10 secções a impulsionar os esforços do governo em “Delivering Drones to Our Warfighters”.

O secretário da Defesa, Pete Hegseth, deu seguimento a esta decisão com um memorando de julho, prometendo eliminar a burocracia para colocar a mais recente tecnologia de drones nas mãos das tropas americanas e treiná-las para a sua utilização.

Mas aumentar a produção de drones nos EUA para os níveis chineses pode levar anos. E, como refere o memorando de Hegseth, “as unidades americanas não estão equipadas com os pequenos drones letais que o campo de batalha moderno exige”.

O secretário do Exército dos EUA, Daniel Driscoll, disse posteriormente à agência noticiosa Reuters que o serviço pretende comprar pelo menos um milhão de drones nos próximos dois a três anos – contra os cerca de 50.000 que compra atualmente por ano.

Em vez de estabelecer parcerias com grandes empresas de defesa, disse que o Exército queria trabalhar com empresas que produzissem drones que também pudessem ter aplicações comerciais.

“Queremos estabelecer parcerias com outros fabricantes de drones que os estejam a utilizar para entregas da Amazon e todos os diferentes casos de utilização.”

Mas há quem apele à contenção, dizendo que os drones e a IA não são o fim de tudo nos futuros campos de batalha.

Muito mais importante para um conflito no Indo-Pacífico é a construção (pela China) dos seus mísseis de longo alcance e das suas plataformas “legadas”, como fragatas, destroyers, submarinos e aviões de combate de longo alcance (como o J-20), que estão a expandir-se a um ritmo alarmante”, disse Freer no Conselho de Geoestratégia do Reino Unido.

Um aviso sobre ser-se “drone-tástico”

Num evento do CSIS, em agosto, o chefe do Estado-Maior da Defesa britânico, almirante sir Tony Radakin, advertiu os líderes da defesa ocidental para não ficarem demasiado apaixonados pelos drones e pela IA só porque são novos e fixes.

“Preocupa-me que quase nos tornemos drone-tásticos”, disse o almirante britânico.

“O que me preocupa é que, ao abraçarmos o nosso geek interior, concentramo-nos na tecnologia e nas suas aplicações e perdemos a noção mais geral da estratégia que a deve acompanhar”, disse Radakin.

De acordo com Radakin, não são as próprias máquinas que vão ganhar os conflitos. Quem as utiliza tem de ajustar as táticas e os planos de defesa ao ritmo da rápida evolução da tecnologia.

E os drones não podem ocupar território, pelo menos por enquanto. Não são botas no terreno.

“Vamos continuar a precisar de submarinos, jatos e veículos blindados, além das nossas fileiras maciças de drones e sistemas não tripulados”, disse Radakin.

“Continuará a ser necessário manter o terreno. Essa é a relação física com o território de uma nação”, sublinhou.

A Operação Teia de Aranha da Ucrânia, a operação muito falada em que drones contrabandeados para a Rússia em contentores destruíram um grande número de bombardeiros estratégicos russos, ilustra o ponto de vista de Radakin.

O ataque foi “espetacular” mas não alterou em nada a situação no terreno, escreveu Amos Fox, professor da Iniciativa de Segurança Futura da Universidade do Estado do Arizona, num artigo publicado em agosto no Small Wars Journal.

“Este tipo de operação pode iluminar formas inovadoras de utilização da guerra de drones em guerras futuras, mas também realça uma compreensão desconexa da forma como as operações apoiam a estratégia. A operação não afetou o equilíbrio estratégico ou operacional do poder no que diz respeito ao controlo do território ucraniano, que é uma condição de vitória fundamental tanto para a Rússia como para a Ucrânia”, escreveu Fox.

Os drones combatem o que Fox chama “microcombates” – ações pequenas e contidas, muitas vezes um drone contra um alvo.

Estas ações não criam a pressão estratégica sobre os políticos para acabar com as guerras, como acontece com a perda ou a conquista de território, argumenta.

Um futuro de “guerras eternas”

Embora os drones não possam controlar o território ou ser um exército de ocupação, podem dar aos mais desfavorecidos a capacidade de prolongar a batalha ou criar um impasse.

As atuais guerras na Ucrânia e em Myanmar são exemplos disso. As vitórias rápidas que muitos observadores esperavam dos grandes – a Rússia e os militares de Myanmar – evaporaram-se rapidamente à medida que os pequenos – a Ucrânia e os rebeldes de Myanmar – utilizaram drones para nivelar o campo de ação. Estas guerras já duram, respetivamente, há três anos e meio e há cinco anos.


Maksym, 20 anos, militar ucraniano da 28.ª brigada, efetua um voo de treino com um drone FPV na região de Donetsk, a 29 de abril de 2024, no contexto da invasão russa da Ucrânia foto Genya Savilov/AFP/Getty Images

“A inovação tecnológica, particularmente na guerra por drones e na inteligência artificial, está a tornar os conflitos mais acessíveis e mais assimétricos – mas, com isso, também mais difíceis de resolver”, de acordo com uma análise de junho da Vision of Humanity, parte do Instituto para a Economia e a Paz.

Está a criar aquilo a que o grupo chama “guerras eternas”, conflitos que “desafiam a resolução e minam os recursos durante anos, se não décadas”.

O Índice Global da Paz do grupo mostra que estão atualmente em curso 59 conflitos entre Estados, o número mais elevado desde a Segunda Guerra Mundial, com 78 países envolvidos.

E a tecnologia, como os drones, impede vitórias claras, diz o estudo, com a percentagem de conflitos que terminam em vitórias decisivas a ser de apenas 9% na década de 2010, em comparação com 49% na década de 1970.

“Do mesmo modo, os casos resolvidos através de acordos de paz diminuíram de 23% para apenas 4%”, afirma.

A tecnologia está a prolongar o caos, tornando-o pior.