A cerimónia decorre num contexto marcado pelas guerras na Ucrânia e no Médio Oriente e por pedidos de abandono das armas nucleares.


O presidente da câmara de Hiroshima, Kazumi Matsui, deu voz a isso mesmo há uma semana. “A existência de líderes [políticos] que querem reforçar o poder militar para resolver conflitos, incluindo a posse de armas atómicas, torna difícil o estabelecimento da paz mundial”, afirmou Kazumi Matsui. 


Excecionalmente, o Japão não “selecionou os convidados” para estas comemorações, mas “notificou” todos os países e regiões.

Foto: EPA (tudo preparado no local da cerimónia)


Por exemplo, a Palestina, pela primeira vez, e Taiwan, que o Japão não reconhece oficialmente como países, anunciaram a presença no evento.
O Irão, acusado de procurar ter a bomba, também estará representado.

Quando há cerca de um mês Donald Trump comparou os recentes ataques aéreos contra o Irão aos bombardeamentos atómicos de 1945, o autarca de Hiroshima convidou o presidente dos Estados Unidos a visitar a cidade. “Parece-me que ele [Trump] não compreende bem a realidade dos bombardeamentos atómicos, que, se utilizados, custam a vida a muitos cidadãos inocentes, amigos ou inimigos, e ameaçam a sobrevivência da humanidade”, afirmou na altura.


Kazumi Matsui sublinha que há uma crescente consciencialização internacional sobre a história da cidade. 


Em 2024, o museu que documenta a devastação causada pelo bombardeamento nuclear recebeu um recorde de 2,26 milhões de visitantes.

“Uma vez que esta foi a primeira cidade a vivenciar a devastação nuclear, pretendemos partilhar o ‘espírito de Hiroshima’ e promover uma maior consciencialização pela paz, a começar pelo conhecimento básico entre os jovens”, explica Matsui, citado pela AFP.

Foto – EPA (Memorial da Paz em Hiroshima) 

“É importante que muitas pessoas se reúnam nesta cidade atingida pela bomba atómica, porque as guerras prosseguem” no mundo, defende Toshiyuki Mimaki, copresidente da organização Nihon Hidankyo, formada por sobreviventes da bomba e vencedora do Prémio Nobel da Paz de 2024. “Quero que os representantes estrangeiros visitem o Museu Memorial da Paz e compreendam o que aconteceu” sob a nuvem atómica em forma de cogumelo, disse Mimaki.
Transmitir a memória dos hibakusha e as lições aprendidas com a catástrofe é um desafio cada vez maior para a organização, uma vez que a idade média dos sobreviventes é atualmente de 86 anos. Hibakusha — termo em japonês para “sobreviventes da bomba atómica”.


Junko Watanabe também sobreviveu à bomba em Hiroshima apesar de então ter apenas dois anos. “Nós, hibakusha, sabemos física e psicologicamente o que são essas armas. Os líderes mundiais continuam a fabricar esse arsenal, chamando-o de ‘dissuasivo’. As armas nucleares são invisíveis, inodoras, intangíveis e contêm radiação. Se fossem usadas, as pessoas que as lançaram também sofreriam, e seria impossível trazer a paz para a humanidade”, avisa.

Kunihiko Sakuma, de 80 anos, que tinha 9 meses de idade em 1945 e estava a três quilómetros do ponto de impacto.

Foto: EPA (na imagem, as fotografias de Shinichi Tetsutani, que estava a brincar com o triciclo quando a bomba caiu e o que restou do brinquedo preferido da criança de três anos que não sobreviveu)


Na cerimónia desta quarta-feira, tenciona apelar a Tóquio para que adira ao tratado da ONU sobre a proibição de armas nucleares, assinado em 2017. Tóquio recusou-se a assinar o tratado, alegando que o objetivo é inatingível sem a ajuda dos Estados com armas nucleares.


“Acredito que a tendência global para um mundo sem armas nucleares vai continuar. A geração mais jovem está a trabalhar arduamente para o conseguir“, afirma Sakuma, que deverá encontrar-se com o primeiro-ministro japonês, Shigeru Ishiba, após a cerimónia em Hiroshima.


Há mais de 12 mil ogivas nucleares no mundo atualmente, de acordo com a Campanha Internacional para Abolição de Armas Nucleares (Ican, na sigla em inglês).


A 6 de agosto de 1945, os Estados Unidos lançaram uma bomba atómica sobre a cidade de Hiroshima, matando cerca de 140.000 pessoas. Três dias depois, uma bomba semelhante atingiu Nagasaki, matando cerca de 74 mil pessoas.


Não há números definitivos sobre quantas pessoas morreram no total, seja pela explosão imediata ou nos meses seguintes devido a ferimentos e aos efeitos da radiação.

As estimativas mais conservadoras indicam cerca de 110 mil mortos nas duas cidades até dezembro de 1945.


Outros estudos sugerem que o número total de vítimas pode ter ultrapassado 210 mil até o fim daquele ano.