A mais recente vencedora do Prémio Nobel da Paz, María Corina Machado, de 58 anos, está “segura” e “a caminho”, mas não conseguiu chegar a tempo da cerimónia, esta quarta-feira, em Oslo, confirmou o Instituto Nobel norueguês. A dirigente da oposição venezuelana, impedida de viajar pelo regime de Nicolás Maduro e há mais de um ano na clandestinidade, enfrenta acusações de “conspiração, incitamento ao ódio e terrorismo” e vive sob ameaça constante, segundo os organizadores.
No seu lugar, a filha e representante global, Ana Corina Sosa, recebeu a medalha e o diploma, seguindo o protocolo habitual quando o laureado não pode estar presente. Pouco antes de ler a palestra, confirmou que a mãe “estará em Oslo dentro de poucas horas” e afirmou que, enquanto espera “pelo momento de a abraçar ao fim destes anos”, pensa “nas outras filhas e filhos que não têm a oportunidade de ver as suas mães”. Segundo disse, esse é o pensamento que move a sua mãe, acrescentando que a progenitora “quer viver numa Venezuela livre e nunca desistirá desse objectivo”.
Na conferência, lida integralmente por Sosa, Machado traça a “longa marcha para a liberdade” do povo venezuelano e deixa um aviso mais vasto sobre a fragilidade das democracias. Recorda que a sua geração “nasceu numa democracia vibrante” que acabou por tomar como garantida, acreditando que “a liberdade era tão permanente como o ar que respiramos”, valorizando direitos, mas esquecendo deveres. Acrescenta que, quando se reconheceu a fragilidade das instituições, “foi eleito presidente um homem que tinha liderado um golpe militar para derrubar a democracia”, numa alusão implícita à continuidade de Nicolás Maduro no poder, e que muitos venezuelanos pensaram que “o carisma poderia substituir o Estado de direito”.
O Instituto Nobel divulgou, no início da cerimónia, o áudio da chamada em que Machado agradece o prémio: “É um imenso reconhecimento à luta do nosso povo pela democracia e pela liberdade”. Na gravação, Machado revela que só poderá explicar “pessoalmente” o que foi necessário para que conseguisse viajar, dizendo estar “profundamente agradecida” a quem arriscou a vida para garantir a sua segurança. Prometeu ainda que, quando chegar a Oslo, se reunirá com os filhos, que não vê há três anos, e com a diáspora venezuelana que acorreu à cidade.
A cerimónia contou com a presença do rei Harald, da rainha Sonja e de vários chefes de Estado latino-americanos, entre eles o Presidente argentino, Javier Milei, e o Presidente equatoriano, Daniel Noboa.
No discurso de abertura, Jørgen Watne Frydnes, presidente do Comité Nobel, fez uma dura condenação internacional ao regime de Maduro, acusando-o de manter “pessoas inocentes fechadas em celas escuras” e de recorrer sistematicamente à tortura. “A Venezuela transformou-se num Estado brutal e autoritário”, afirmou.
Frydnes acusou ainda a comunidade internacional de “trair moralmente” os venezuelanos ao ignorar a repressão e criticou a narrativa oficial de Caracas, que retrata a oposição como ameaça à paz: “A paz baseada no medo e no silêncio não é paz- é submissão.”
A escolha de Machado para o Nobel da Paz gerou fortes aplausos internacionais, mas também críticas. Conservadora descrita como “liberal radical”, a dirigente tem boas relações com a direita conservadora latino-americana e europeia, incluindo o partido espanhol de extrema-direita Vox, e dedicou o prémio “ao Presidente Trump” no dia do anúncio.
Defensora de uma intervenção internacional para derrubar Maduro, apoiou publicamente os ataques navais ordenados pelos EUA nas Caraíbas e alinhou com a tese, contestada por parte das agências de informação norte-americanas, de que o regime venezuelano lidera uma “estrutura narco-terrorista” com ramificações regionais. As suas posições sobre Israel também alimentam a polémica, uma vez que, em Outubro, afirmou que, se fosse Presidente, transferiria a embaixada venezuelana para Jerusalém, rompendo completamente com a política externa chavista.
Texto editado por Paulo Narigão Reis