A sondagem publicada esta quarta-feira no Diário de Notícias, e que aponta para uma aprovação maioritária da greve (69%), é largamente desvalorizada pelo Governo. A começar pelo próprio primeiro-ministro. “Não vale a pena andar com esse jogo, uma sondagem aqui ou amanhã vamos andar seguramente com números aqui ou lá”, despachou logo Luís Montenegro.

Por outro lado, há quem olhe para as letras pequeninas da mesma sondagem e aponte para o copo meio-cheio: o apoio aos sindicatos cresce sobretudo a partir dos 35 anos; por contraste, os mais jovens são os que mais se colocam do lado do Governo. Aliás, quem, no Executivo, ajudou a pensar esta reforma laboral vai tentando comprovar a tese de que esta flexibilização permitirá responder aos desafios que o país enfrenta em matéria de “desemprego jovem”, mais expressivo do que a média, combater a “precariedade” nos mais novos, aumentar os “baixos salários de entrada” e travar a “emigração jovem”.

É para esta nova geração, que “não sonha com o mesmo emprego para a vida” e que quer progredir mais rapidamente em termos salariais, e para um país largamente não sindicalizado (apenas 7,2% dos trabalhadores o são) que o Executivo está a falar. O resto é ruído. Importa, ainda assim, não juntar mais ruído ao ruído. A partir do Governo, a ordem foi para parar com o tiro ao alvo à UGT e aliviar a pressão sobre a central sindical. “Queremos serenidade“, sublinha fonte do Executivo.

A audiência entre o secretário-geral, Mário Mourão, e Luís Montenegro foi um primeiro sinal nesse sentido, e os dois saíram de lá manter as portas abertas, apesar da greve. No mesmo dia, porém, a ministra Maria do Rosário Palma Ramalho deu uma entrevista à RTP a dizer que a paralisação era “inoportuna” e “um instituto danoso“, o que motivou renovadas críticas por parte dos sindicatos.

“Quando saí da reunião com o senhor primeiro-ministro, disse que tinha sido muito construtiva. Logo nessa noite, vi a entrevista que a senhora ministra deu à RTP e fiquei preocupado. Estivemos a construir um ambiente propício para o diálogo e a senhora ministra diz que as linhas mestras continuam. Assim não vamos lá”, ameaçou Mário Mourão, já depois de ter dito que a ministra do Trabalho “é uma técnica” e que “não tem jeito para criar ambiente e clima negocial”.

De todo em todo, com o aproximar da greve, os decibéis da discussão pública foram baixando. O que vai sendo dito em privado, nos corredores do Governo, nem por isso. “Ninguém compreende a greve. É o descrédito da UGT, que promove greves e negociações ao mesmo tempo”, denuncia um elemento do núcleo duro do Governo. “Dizem ‘não queremos abandonar o diálogo’, mas fazem uma greve a meio das negociações? Não faz sentido”, concorda outra fonte do Executivo.

Em novembro, quando se perspetivava esta greve geral, já se multiplicavam as críticas à posição negocial da UGT e àquilo que se dizia ser uma cedência de Mário Mourão à CGTP de Tiago Oliveira. Semanas depois, a opinião não mudou, mas as baterias estão agora mais apontadas a José Luís Carneiro, acusado de estar a instrumentalizar a central sindical para fazer prova de vida. “O PS ficou em terceiro em número de deputados, perdeu 40 Câmaras nas autárquicas, o seu candidato presidencial aparece em quarto lugar nas sondagens… Está a lutar pela sobrevivência. Estão desesperados”, analisa fonte do Governo.

Em rigor, não é apenas a esquerda, a CGTP, o PS ou a UGT que criticam esta proposta de reforma laboral. Pedro Roque, secretário-geral dos Trabalhadores Social Democratas (TSD), estrutura do partido e que é afeta à UGT, não deixou de reconhecer que há divergências com o Governo nesta matéria. Lucinda Dâmaso, membro da direção do PSD e presidente da UGT, votou favoravelmente esta greve. Bagão Félix e José da Silva Peneda, antigos ministros do Trabalho nos governos de Durão Barroso e Cavaco Silva, criticaram abertamente os planos da atual ministra.

Mesmo assim, os sociais-democratas continuam apostados em insistir na mensagem que norteou a última campanha legislativa e agarrados à ideia de que há quem não queira deixar Luís Montenegro trabalhar. Uma imagem que já era uma colagem evidente à simbologia cavaquista, que imortalizou o “Deixem-nos trabalhar”. Nem de propósito, Alexandre Poço, antigo líder da JSD e um dos ‘vices’ da bancada parlamentar social-democrata, assinará amanhã, quinta-feira, dia da greve geral, um texto de opinião no Observador com o título: “Deixem o país trabalhar”. O guião está estudado e não muda. Até ver, pelo menos.