Alunos afetados desenvolveram “apatia” pela escola
Quando as cartas da AIMA começaram a chegar em outubro foi um grande choque para os alunos. “Depois disto é difícil viver, continuar a viver. Há muitas consequências e efeitos negativos de toda esta situação”, explica Khalid.
Na FMUL, o número de alunos que chegou em 2022 era muito superior, garante o estudante. As saudades da família, a falta de condições financeiras ou o obstáculo da língua foram encolhendo o grupo. Pelo menos 19 desistiram, contabiliza Khalid, que, tal como muitos dos seus colegas, já não vê a sua família há vários anos.
Quem ficou já passou por muito, explica o nigeriano: “Estamos aqui, a tentar dar o nosso melhor, para continuar os estudos. As pessoas tiveram de repetir os anos, começar de novo, mas mesmo assim não desistiram, tentaram aprender a língua, ir às aulas, passar nos exames… E agora chegados a este ponto dizem-nos que tudo isto foi um desperdício e que temos de abandonar o país. Não faz qualquer sentido. Depois de dar tudo, ficar nesta situação é muito perturbador. É cruel e desumano.”
Os alunos, garante a dirigente do NEM/AAC, “estão bem inseridas” na instituição de Ensino Superior. “Acabam por se envolver com os colegas, partilham turmas connosco e têm inclusivamente amigos aqui”, assegura Raquel Peguinho, mas estão a viver “uma situação complicada” do ponto de vista emocional e psicológico. “Eles estão bastante desanimados”, confirma Carolina Bargado, da AEML.
“Acho que nem há palavras com que possamos descrever o que se passa, principalmente para quem está a ver de fora, porque não estamos a viver a situação na pele”, aponta Pedro Azevedo, do Núcleo de Estudantes de Medicina da Universidade do Minho NEM-UM.
“As pessoas tiveram de repetir os anos, começar de novo, mas mesmo assim não desistiram, tentaram aprender a língua, ir às aulas, passar nos exames… E agora chegados a este ponto dizem-nos que tudo isto foi um desperdício e que temos de abandonar o país. Depois de dar tudo, ficar nesta situação é muito perturbador. É cruel e desumano”, diz Khalid
O impacto sente-se no aproveitamento escolar. “Por que haveriam de estudar para um teste se não sabem se vão estar cá, no país, quando saírem as notas?”, questiona Khalid. Para este estudante da Nigéria, os alunos afetados desenvolveram uma “apatia” pela escola. “Imagina ires às aulas, mas estares sempre a pensar se vais receber alguma carta da AIMA a dizer-te para abandonar o país.”
“No aspeto psicológico, há muitos alunos afetados com tudo isto”, garante, dando o seu próprio exemplo. “Já fui ao meu psicólogo muito mais vezes. Basicamente, todas as semanas, porque preciso de falar de certos assuntos e sentir-me melhor.”
Alguns não estão mesmo a conseguir lidar com a situação. “Conheço o caso de uma pessoa que recebeu a carta de cancelamento da proteção temporária e que se tem comportado de forma muito estranha. Tentei abordá-lo, falar com ele algumas vezes, mas ele simplesmente isolou-se”.
No entanto, o mais difícil para Khalid são as promessas não cumpridas. “Há uma grande traição”, conclui. “Eu sabia que chegaria o dia em que a proteção temporária seria cancelada”, mas não se “compreende como se diz aos alunos que têm de abandonar o país e não vão poder terminar os seus estudos.”
Ele sublinha que não quer comparar o sofrimento do povo ucraniano ao dos imigrantes que estavam naquele país quando a guerra começou, mas sublinha que estes últimos também sofreram os impactos do conflito.
“Alguém pensar que aquilo que perdemos na Ucrânia é insignificante, tratar-nos como se não tivéssemos nada a ver com a guerra… Não, nós temos muito a ver com a guerra. Nós estávamos na Ucrânia, tínhamos a nossa vida, tínhamos negócios, as pessoas viviam lá pacificamente e fazíamos dinheiro ou estávamos a estudar”, enfatiza.