“Represento também outro campo político que é o do PS”. Com esta frase, Henrique Gouveia e Melo quis provocar António José Seguro no debate de terça-feira com a sua dificuldade em “fazer o pleno” no seu próprio partido. Na discussão não teve grande efeito, mas agitou o PS onde o líder José Luís Carneiro saiu de um apoio mais discreto à candidatura de Seguro para um aviso ao almirante — mas que também serve de recado interno (sobre quem é o candidato do PS) e um apelo à mobilização socialista. Entretanto, o presidente do partido veio pôr o pé no travão de eventuais divisões no PS (maiores do que as que já existem).

“Cada pessoa, seja dirigente ou simples militante, simpatizante ou votante, fará e votará como entender, e não será penalizado por isso“, diz Carlos César ao Observador já depois da intervenção do líder que, durante a tarde, tinha deixado um apelo “aos socialistas para que se mobilizem pelo candidato que representa os valores do partido de Mário Soares”.

Seguro e Gouveia e Melo travaram duelo para conquistar uma dama chamada PS

O contexto é o que já é conhecido: o candidato que o partido escolheu apoiar não mobiliza os socialistas e isso tem um potencial divisivo que ninguém quer que se torne um problema para futuro. Uma situação suficientemente sensível para que, enquanto Carneiro vem avisar que o PS “só tem um candidato”, César acrescente logo de seguida que quem quiser outro “não será penalizado”.

O presidente socialista acrescenta ainda que a decisão de cada militante sobre as presidenciais acontecerá “sem prejuízo da decisão de apoio formal do partido, aprovada na última reunião da Comissão Nacional com uma única abstenção, ao candidato António José Seguro. As declarações do secretário geral confirmam isso e não mais do que isso“, afirmou ainda garantindo estar alinhado com o líder.

Carlos César foi o socialista responsável por ter embrulhado o apoio do partido a Seguro com um laço muito pouco apertado, ao dizer que o apoio formal do partido “esgota a sua participação enquanto entidade autónoma” na eleição presidencial. Resumia, assim, o apoio a um acto mais formal do que entusiástico ou interventivo — isto depois de um processo de decisão que foi longo, envolveu muita discussão interna e até a procura de candidatos alternativos. Certo é que Seguro também reagiu à formalização do apoio com igual distanciamento, sublinhando o carácter “suprapartidário” da sua candidatura.

No partido a investida do secretário-geral nesta quarta-feira foi vista entre o ‘até que enfim’ e a ironia: “Só o facto de ter de vir explicar quem é o candidato do PS…” Há vários socialistas que mantêm resistência em apoiar António José Seguro nas presidenciais e que, mesmo já com os debates mais importantes do socialista disputados, continuam a preferir esperar pelas sondagens para, mais em cima da data das eleições, decidirem o seu voto consoante quem estiver melhor posicionado para passar à segunda volta, como explica um desses socialistas sobre o seu próprio processo de decisão.

Há, no entanto, também socialistas que já apoiaram publicamente Seguro mas não entendem a estratégia do partido, sobretudo depois de já ter oficializado o apoio a um candidato específico. “António Costa evitou que o PS apoiasse candidatos, o que deu liberdade a uma atitude discreta na campanha presidencial. Outra coisa é um secretário-geral decidir colocar o partido a apoiar um candidato e depois ter uma atitude discreta, como se a campanha não existisse“, comenta com o Observador um socialista que defende que o líder do partido já devia ter entrado na campanha há mais tempo, procurando até “concentrar os votos de quem votou PS em Seguro, desviando-os do almirante.”

Até agora, as sondagens não têm beneficiado o candidato apoiado pelo partido que, na média do estudos que têm sido publicados, apresenta uma tendência de queda e não descola do quarto lugar, longe dos lugares que podem dar acesso à segunda volta . Ainda assim, no PS acredita-se que uma intervenção mais activa do líder, a “sinalizar” que os socialistas “devem concentrar votos em Seguro e não apoiar o almirante que está em queda e não garante o equilíbrio no sistema político”, podia ajudar o candidato.

Sobre a sua  participação na campanha de Seguro, Carneiro fez saber esta quarta-feira que ela tem estado a acontecer — e assim continuará — nos moldes que o próprio candidato pretende. “O PS tem estado nos termos considerados por Seguro e a sua equipa e nos momentos em que se considera adequado”, respondeu quando foi questionado pelos jornalistas sobre se pretende vai intervir mais.

A declaração marcada para o início da tarde desta quarta-feira, nos Passos Perdidos, na Assembleia da República, veio na sequência do debate com o almirante e por causa dele. O socialista acabou a navegar a boa onda do debate da noite anterior, a favor de Seguro, e a tentar arrumar o almirante, num lugar longe do PS. Depois de ouvir Gouveia e Melo dizer que representa “outro campo político também, que é o do PS” e de reduzir Seguro a “uma fação do PS”, José Luís Carneiro saltou a considerar “inadequado que outro candidato se tenha arvorado como o candidato do PS. O PS só tem um candidato”, avisou.

No partido há alguns apoios mais ou menos sonantes já dedicados ao almirante e a tirada de Carneiro também serviu de recado a quem possa estar a pensar seguir esses passos. Sobretudo quando, logo de seguida, o socialista apelou a “todos os portugueses, em particular aos socialistas, para que se mobilizem pelo candidato que representa os valores do partido de Mário Soares”.

Dissidentes e apoios cruzados. Como os candidatos presidenciais tentam pescar nas águas do adversário

A referência ao pai-fundador não foi um acaso, afinal na noite anterior, Gouveia e Melo tinha usado uma declaração precisamente de Soares para atacar Seguro. Disse que o socialista “não é um líder para os tempos modernos. Mário Soares há 11 anos disse isso de forma clara: que era inseguro e que os seus eleitores não deviam confiar em si.”

Na direção garante-se agora que foi esta afirmação do almirante que fez José Luís Carneiro vir a terreiro e que os seus avisos são para fora, “para o almirante e amigos”. “O PS apoiou Seguro em Comissão Nacional e quem fala pelo PS é o PS“, sublinha um dirigente num tom crítico para o namoro que o almirante tem feito aos socialistas.

Os riscos que Gouveia e Melo traz para a candidatura de Seguro têm sido medidos em alguns estudos de opinião, como foi o caso do barómetro DN/Aximage publicado ainda esta semana e que apontava que há quase tantos eleitores do PS a votar em Gouveia e Melo (24%) como no antigo líder do partido, António José Seguro (26,6%).

Aliás, são estudos como estes que são também usados na ala do partido que não apoia Seguro para desvalorizar qualquer avaliação tendencialmente positiva da prestação do socialista nos debates televisivos. E isto quando já passaram os frente-a-frente mais significativos, ou seja, com maior disputa de campo político: com Luís Marques Mendes, com Gouveia e Melo e até com Catarina Martins ou Jorge Pinto. A eventual boa prestação, alega um deputado, “não parece ter tido reflexo nas sondagens”.