Terceiro tumor ginecológico mais incidente entre as brasileiras, segundo o Instituto Nacional de Câncer (Inca), o câncer de ovário apresenta desafios significativos desde o início da jornada da paciente. A falta de um método de rastreamento eficaz, a não existência de um exame específico para diagnóstico e a inespecificidade dos sintomas estão entre os principais fatores responsáveis pelo alto número de diagnósticos tardios, correspondendo a 77% dos casos, bem como pela alta taxa de mortalidade da doença.
Tendo em vista esse cenário alarmante, faz-se necessário avaliar os cuidados atuais oferecidos às pacientes com câncer de ovário no Sistema Único de Saúde (SUS), identificando desafios e gargalos, além de fomentar estratégias de melhorias que garantam às pessoas com câncer de ovário maior equidade, agilidade e qualidade no cuidado oncológico.
Nesse sentido, foi criado o Projeto Agnes, conduzido pela consultoria PEV, com apoio de entidades como Grupo Brasileiro de Tumores Ginecológicos (EVA), Instituto Oncoguia e Instituto Vencer o Câncer (Ivoc) e patrocinado pela AstraZeneca, para analisar os principais entraves da jornada do câncer de ovário no Brasil, a partir da perspectiva de especialistas, como oncologistas, ginecologistas, cirurgiões, gestores e representantes de associação de pacientes. Entre os pontos críticos identificados estão: a baixa valorização dos sintomas iniciais por pacientes e profissionais de saúde, limitações na qualidade da avaliação diagnóstica por imagem, escassez de recursos para exames anatomopatológicos, acesso restrito a testes genéticos e longos períodos de espera para consultas, cirurgias e início de tratamento especializado.
Dados de 2014 a 2019 do Registro Hospitalar de Câncer corroboram os achados, visto que o tempo médio entre a primeira consulta com o especialista da atenção primária até o diagnóstico do câncer de ovário era de 45 dias. Já a média de tempo entre diagnóstico e tratamento foi de 44 dias. No Brasil, a Lei 13.896/2019 determina que o tempo de diagnóstico deve ser de até 30 dias e a Lei 12.732/2012 determina que o tempo para início do tratamento, a partir do diagnóstico, deve ser de até 60 dias.
Para aprimorar esse percurso, o Projeto Agnes propõe a criação de uma Linha de Cuidado Integrada para Câncer de Ovário, inspirada no modelo já existente para câncer de mama no SUS, que trouxe benefícios comprovados. Além disso, sugere a implementação de uma Política de Estruturação de Centros de Referência, voltados ao cuidado rápido, eficaz e integral. Essa proposta deverá ser apresentada ao Ministério da Saúde para avaliação.
Outro avanço relevante é a recente recomendação da Conitec para incorporação do teste genético para BRCA no SUS, junto a uma nova opção terapêutica para pacientes com mutação. Considerando que o câncer epitelial corresponde a 95% dos casos de câncer de ovário e que cerca de 25% destes estão associados a mutações em BRCA1 e BRCA2, a testagem genética tem papel fundamental no diagnóstico precoce, prevenção em familiares e definição de terapias personalizadas.
Assim, recomenda-se que mulheres com câncer de ovário epitelial e/ou histórico familiar de câncer associado a mutações em BRCA1/2 realizem avaliação genética. A identificação dessas alterações germinativas permite: prever riscos individuais e familiares, indicar estratégias de prevenção, otimizar o prognóstico, direcionar precocemente para biópsia diagnóstica, e definir terapias personalizadas com maior eficácia e menores taxas de recidiva.
Em outubro de 2024, a inclusão dessas tecnologias foi aprovada pela Conitec. Pela legislação, o Ministério da Saúde teria até abril de 2025 para efetivar a oferta, mas o processo de disponibilização plena ainda não foi concretizado. Isso reforça a necessidade de definir uma Política Nacional e uma Linha de Cuidado para Câncer Hereditário, que estabeleça fluxos de coleta e análise de amostras, disponibilização de resultados, qualificação de profissionais e oferta de aconselhamento genético, orientação de estratégias personalizadas, com apoio de ferramentas diversas, dentre elas, a telemedicina.
A efetiva incorporação de novas tecnologias e a criação de linhas de cuidado específicas representam passos fundamentais para transformar a realidade das pessoas com câncer de ovário no Brasil.