A mortalidade registada em Portugal nos primeiros dez dias do mês de dezembro foi cerca de 18% mais elevada que no mesmo período de 2024, segundo os dados do portal de vigilância da mortalidade da Direção-geral da Saúde (DGS). Entre 1 e 10 de dezembro, quando a ministra da Saúde já reconhecia o impacto de um início precoce da época gripal, morreram 3.792 pessoas, quase mais 600 pessoas do que no período homólogo — quando se registaram 3.209 óbitos.
A mortalidade registada neste período é mesmo a mais elevada dos últimos doze anos, se forem excluídos os anos da pandemia de Covid-19. Em 2020, nos primeiros dez dias de dezembro, morreram 4.142 pessoas; em 2021, no mesmo período, foram registados 3.869 mortes e, no ano seguinte, 3.985 óbitos.
Precisamente nesse período, a 8 de dezembro, a ministra da Saúde alertava para as oito semanas seguintes, que seriam “particularmente exigentes” para os serviços de saúde: “Os dados mais recentes mostram uma atividade gripal crescente nas últimas semanas, já com impacto visível nas nossas unidades de saúde. Este impacto será mais intenso nas próximas semanas”, antecipava Ana Paula Martins. A explicação para o cenário que se antecipava residia, para a ministra, numa chegada precoce da época gripal. “Embora seja um fenómeno habitual todos os anos, este ano a gripe está a surgir mais cedo e com potencial para um impacto maior do que em épocas anteriores.”
O valor da mortalidade de 2025, no início de dezembro, é superior ao de qualquer um dos outros anos desde 2014, se excluídos estes três anos — em que o impacto dos quadros de doença respiratória decorrentes da Covid-19 se fez sentir de forma particularmente significativa.
O valor de 3.792 óbitos registados nos primeiros dez dias de 2025 é 18% superior ao de 2024 (3.209 mortes), 9% superior ao valor de 2023 (3.489 mortes), 23% superior ao valor de 2019 (3.094 mortes) e 29% superior ao valor registado em 2015 (2.936 óbitos).
Ao Observador, o presidente da Associação Nacional dos Médicos de Saúde Pública (ANMSP) sublinha que os dados indicam que o país já atravessa uma situação de excesso de mortalidade. “Objetivamente, estamos a ter um início de dezembro mais difícil. E temos já um sinal de excesso de mortalidade“, diz Bernardo Gomes, acrescentando que o fenómeno está a atingir de forma mais intensa os grupos etários mais velhos, nomeadamente os maiores de 75 anos.
“Há um excesso de mortalidade de 5 a 7 de dezembro (em relação à média dos anos anteriores). E nota-se um período prolongado de excesso de mortalidade nos maiores de 85 anos entre 6 e 10 de dezembro. Temos também um período prolongado de mortalidade em excesso nos maiores de 75 anos”, refere o presidente da ANMSP, que lamenta que o país esteja a “perder uma fração dos nossos vulneráveis”.
O especialista justifica o aumento significativo da mortalidade nos primeiro dez dias de dezembro, em relação à média dos anos anteriores, com o início mais precoce da circulação do vírus da gripe. “O que muda mais este ano é a antecipação do início epidémico da atividade gripal, que pode estar a ter impacto”, diz Bernardo Gomes, que aponta também que o frio e o envelhecimento da população — que são causas de caráter mais estrutural — estão a contribuir para o aumento da mortalidade.
“É um aumento que tem de ser enquadrado em três fatores: envelhecimento, mudança de temperaturas e frio, que se fez sentir pela primeira vez de forma mais marcada, e o que muda mais é a antecipação do início epidémico da atividade gripal. A estirpe nova pode ter algum impacto, ainda não é a predominante”, refere o médico. Questionado sobre se o SNS está a dar uma boa resposta nesta fase, Bernardo Gomes sublinha que os indicadores apontam para dificuldades de resposta.
“Há indicadores indiretos, em termos de tempos de espera e capacidade de internamento. Tivemos dificuldades nos últimos tempos, sobretudo em Lisboa e Vale do Tejo, em hospitais já com vulnerabilidades. Há um esforço para as Unidades Locais de Saúde implementarem planos de contingência, mas a capacidade de adaptação também depende dos recursos”, refere o presidente da Associação Nacional dos Médicos de Saúde Pública.
O Observador questionou a DGS sobre a análise que faz dos dados relativos à mortalidade e sobre o que justifica o aumento da mortalidade no início de dezembro em relação a anos anteriores, mas não obteve resposta.
Segundo o mais recente relatório do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA), divulgado esta sexta-feira, na semana de 1 a 7 de dezembro foram admitidos 97 casos de infeção respiratória aguda grave nas ULS que reportaram dados. “Observou-se um aumento na taxa de incidência em comparação com as semanas anteriores, sendo que a taxa de incidência de SARI registada nesta semana atingiu 12,5 casos por 100 mil habitantes”, mantendo-se a taxa de incidência mais elevada no grupo etário com 65 ou mais anos, refere o INSA.
A Rede Portuguesa de Laboratórios para o Diagnóstico da Gripe e Outros Vírus Respiratórios detetou, na semana passada, 1.164 casos positivos para o vírus da gripe, dos quais 1.163 do tipo A e 1 do tipo B — o que representa um aumento de 64% do número de casos em relação à semana passada.
Segundo os dados, foram reportados quatro casos de gripe pelas 18 Unidades de Cuidados Intensivos (UCI) que enviaram informação, menos seis casos face à semana anterior.
O INSA refere que a mortalidade por todas as causas está com valores de acordo com o esperado em Portugal. “No entanto, foram identificados excessos de mortalidade na semana em análise em Portugal Continental, região Norte e no grupo etário entre os 75 e os 84 anos”, refere o relatório.