O ministro que tutela os transportes públicos deitou as mãos à cabeça ao ler a edição do Nascer do SOL de 21 de novembro. Com a tragédia do Elevador da Glória bem viva no pensamento, Miguel Pinto Luz detestou ficar a saber que há empresas de camionagem de longo curso a recrutar motoristas na Carris e na STCP para conduzirem expressos à noite e aos fins de semana, em flagrante violação dos tempos de descanso obrigatórios por lei e imprescindíveis à segurança rodoviária.

«Tendo em conta as reportagens publicadas pela TVI e jornal SOL, há duas semanas, vimos pelo presente perguntar se o Governo tomou ou vai tomar qualquer medida para evitar uma tragédia anunciada», perguntámos ao governante. A resposta chegou em menos de 24 horas, assinada pela secretária de Estado da Mobilidade. O Governo decidiu atacar o problema em duas frentes: por via legislativa e pelo reforço da fiscalização.  «Estamos a acompanhar o tema e empenhados em encontrar soluções no combate à fraude e no reforço da segurança rodoviária», garante Cristina Pinto Dias. O terceiro objetivo político consiste na «melhoria das condições de trabalho dos condutores».

Em reação à notícia, fundamentada com alertas da Rede Expressos que caíram em saco roto nas administrações da Carris e da STCP – empresas municipais de transportes de Lisboa e Grande Porto –, o Ministério das Infraestruturas deu instruções ao Instituto da Mobilidade e dos Transportes (IMT) para iniciar um «estudo comparativo internacional para entender as soluções adotadas por outros Estados-membros relativamente a este problema».

TACÓGRAFOS COM EXCEÇÃO PERIGOSA

Os regulamentos europeus impõem tacógrafos digitais em todos os transportes coletivos de passageiros com capacidade acima de nove pessoas, incluindo o condutor. Trata-se de cartões individuais, que registam a atividade de cada motorista, obrigatoriamente inseridos nos autocarros durante as viagens. Permitem às polícias multar os infratores, por violação dos tempos legais de descanso, e aos tribunais condenar como crime as condutas mais graves.

Tão ciosa do tamanho da banana, a União Europeia abriu uma perigosa cratera na segurança rodoviária. As diretivas e regulamentos autorizam os Estados-membros a isentar as carreiras de transportes urbanos com «raio inferior a 50 quilómetros» da instalação de tacógrafos. Com argumentos de natureza económica, Carris e STCP nunca aderiram a essa tecnologia, nem a tal foram obrigadas pelos presidentes de câmara de Lisboa, Porto, Gaia, Matosinhos, Maia, Gondomar e Valongo. Antes se tornaram fornecedoras de mão de obra barata a operadores de expressos rodoviários de longo curso, predominantemente no eixo Braga – Porto – Lisboa – Setúbal – Algarve, mas abrangendo todas as capitais de distrito. A situação agrava-se na época alta, devido ao turismo, período cada vez mais alargado porque Portugal é um destino que continua na moda.

A Organização Internacional do Trabalho (OIT) defende a monitorização obrigatória, digital e contínua das horas de trabalho dos motoristas, independentemente das distâncias percorridas. E dá como exemplo os Estados Unidos, que obrigam à instalação de tacógrafo em todos os autocarros de passageiros. «A fadiga é igual para todos os motoristas. Essa monitorização universal e rigorosa é crítica para a segurança rodoviária e a prevenção de acidentes», prescreve um estudo comparativo da OIT, sobre condução e descanso no transporte rodoviário em vários países, publicado em 2023.

Um questionário a 2.800 condutores de passageiros europeus, promovido em 2021 pela Federação Europeia dos Transportes (ETF), revelou um dado assustador: 24% dos inquiridos confessaram ter adormecido ao volante nos doze meses anteriores às respostas. Pior: oito por cento relataram episódios críticos de sono por «mais de três vezes» num ano. A situação é igualmente grave nos camiões de mercadorias: 30% de motoristas com episódios críticos de sono, 11% dos quais «mais de três vezes». A ETF também recomenda a generalização dos tacógrafos digitais. «Quando as empresas não registam de forma rigorosa o tempo de trabalho, a fadiga dos motoristas aumenta de forma evidente. Nas empresas onde esse controlo é rigoroso, a fadiga é significativamente menor», garante o relatório do inquérito.

A violação dos tempos de descanso abre a porta à tragédia. «Os acidentes associados à fadiga caracterizam-se frequentemente por uma perda significativa de controlo, que conduz a uma trajetória inesperada do veículo e a ausência de qualquer reação de travagem», relata a ETF, com base nos arrepiantes relatos dos condutores.

A Assembleia da República aprovou, em 29 de setembro, um pedido do Governo para legislar neste domínio, que agora terá de ser trabalhado, pelos partidos, na Comissão de Infraestruturas, Mobilidade e Habitação. Nada impede o Estado de tornar os tacógrafos obrigatórios em todos os meios de transporte coletivos. Enquanto isso, nada obriga os presidentes de câmara a fechar os olhos ao risco.