ZAP // Kozorovitskiy, Y., Rogers, A., Wu, M. et al / Northwestern University; kovalvs / Depositphotos

O dispositivo fino, flexível e sem fios (ao lado de uma moeda de 25 cêntimos) emite padrões complexos de luz (representados como um “N”) para transmitir informação diretamente ao cérebro.

Os ratos aprenderam a interpretar sinais luminosos, uma espécie de código Morse neural, como informação com significado. “É um vocabulário com potencial gigantesco”, com aplicações médicas imediatas, dizem os autores do estudo.

Ligar eletrónica ao cérebro humano soa a ficção científica. Mas investigadores da Universidade Northwestern tornara-no realidade: criaram um dispositivo sem fios que envia informação diretamente para o cérebro, usando padrões de luz. Sem cabos. Sem cirurgias que cortem tecido cerebral. Apenas luz a atravessar o crânio.

O novo dispositivo é fino e flexível, ficando colocado sobre o crânio, sob a pele, e emite sequências específicas de luz através do osso, ativando neurónios especialmente modificados no tecido cortical por baixo.

Os cientistas chamam ao procedimento optogenética transcraniana. É muito menos invasivo do que os implantes cerebrais tradicionais e pode abrir caminho a melhores neuropróteses. A grande questão é: estará a criar uma perceção artificial autêntica ou será apenas uma forma engenhosa de treinar ratos?

Nos seus testes, os ratos aprenderam a interpretar estes sinais luminosos como informação com significado. Os sentidos normais — visão, audição e tato — mantiveram-se totalmente intactos.

Mas os animais perceberam que certos padrões de luz queriam dizer algo. Aprenderam uma espécie de código Morse neuralcomo as abelhas. Quando recebiam o padrão correto, escolhiam a porta certa na sua câmara e recebiam uma recompensa.

O mais impressionante foi a rapidez com que aprenderam. Estes ratos adaptaram-se a um novo estímulo, completamente artificial, de forma notavelmente rápida, realçam os autores do estudo em comunicado da Universidade Northwestern.

O estudo, publicado na semana passada na revista Nature Neuroscience, baseia-se em trabalhos anteriores da neurobiologista Yevgenia Kozorovitskiy e do especialista em bioeletrónica John A. Rogers.

O dispositivo anteriormente usado pelos dois investigadores tinha apenas um micro-LED e conseguia controlar comportamentos limitados. Esta nova versão inclui até 64 micro-LEDs numa só matriz. Cada LED é mais fino do que um cabelo humano — um salto enorme na capacidade de comunicação, diz o Sciencing.

A importância de 64 pequenas luzes

As experiências sensoriais naturais não ativam apenas um ponto do cérebro: iluminam redes distribuídas por todo o córtex. O design com 64 LEDs usado no estudo imita esses padrões naturais.

A equipa de investigadores conseguiu enviar “sequências complexas ao cérebro que se assemelham à atividade distribuída que ocorre durante sensações naturais.

Segundo o primeiro autor do estudo, Mingzheng Wu, diferentes combinações de LEDs criam padrões praticamente infinitos. “É um vocabulário com potencial gigantesco”, salienta o investigador.

As aplicações médicas são imediatas. Imagine alguém com um membro protésico. Este dispositivo poderia enviar feedback sensorial diretamente ao cérebro, criando uma sensação artificial de toque ou pressão.

O dispositivo poderia ajudar a restaurar a visão ou a audição, e até controlar dores crónicas sem recurso a fármacos. A reabilitação após AVC e o controlo de membros robóticos também poderiam beneficiar.

Para Yevgenia Kozorovitskiy, o estudo aborda questões fundamentais sobre a perceção. “O nosso cérebro está constantemente a transformar atividade elétrica em experiências, e esta tecnologia permite-nos aceder diretamente a esse processo“, salienta a investigadora.

Perceção real ou apenas bom treino?

Agora, as perguntas difíceis: estes ratos estarão realmente a experienciar uma “perceção artificial” ou limitaram-se a aprender que um padrão de luz equivale a uma recompensa?

Os investigadores treinaram os ratos para associarem um padrão de estimulação em quatro regiões a uma guloseima. É condicionamento clássico. Os animais escolhiam a porta certa e recebiam a recompensa. “Receberam a mensagem”, diz Wu.

Esta distinção é importante. Pode a luz padronizada substituir verdadeiramente a sensação de tocar em algo ou ver uma sombra? Ou será que o cérebro apenas interpreta isto como um símbolo abstrato que significa “há recompensa aqui”? É uma diferença crucial.

O que acontecerá quando os padrões se tornarem mais complexos? A equipa admite que ainda tem de testar quantos padrões distintos o cérebro consegue realmente aprender. Versões futuras, com mais LEDs e espaçamento mais apertado, poderão aproximar-se mais da sensação natural. Mas ainda não chegámos aí.

Ainda assim, seja perceção verdadeira ou apenas um condicionamento avançado, o dispositivo cria um tipo de comunicação sem precedentes. Tem aproximadamente o tamanho de um selo postal, e funciona como um intérprete neural.

Um dia, este intérprete poderá “falar” fluentemente, não apenas em códigos simples, mas na linguagem complexa da experiência humana real. Para já, está a ensinar ratos a compreender padrões de luz. É um primeiro passo sólido.


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