Central sindical e ministra do Trabalho reúnem dias depois da greve geral que o Governo classificou como “inoportuna”, mas “inexpressiva” e acontece depois de o primeiro-ministro, Luís Montenegro, ter entrado no processo negocial e reunido diretamente com a UGT.
A ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Maria do Rosário Palma Ramalho (D), intervém durante a sua audição na Comissão de Trabalho, Segurança Social e Inclusão, na Assembleia da República, em Lisboa, 10 de julho de 2024. ANTÓNIO PEDRO SANTOS/LUSA
Ministra do Trabalho e UGT reúnem-se amanhã, terça-feira, para continuar as negociações sobre o anteprojeto do Governo de reforma da legislação laboral. A convocatória foi feita no rescaldo da greve geral de quinta-feira, que o Governo considerou ter tido uma adesão “inexpressiva”. O último contacto entre Governo e a central sindical foi uma reunião entre o primeiro-ministro, Luís Montenegro, e o secretário-geral Mário Mourão.
O líder sindical já avisou que uma segunda paralisação geral não está fora da equação, caso as negociações falhem. . “Nunca podem estar excluídas quando se está sentado à mesa de negociações”, diz Mário Mourão. E também já pôs em cima da mesas as condições para um acordo em torno da proposta do Governo: é preciso “começar tudo do zero” e recuar em pontos considerados “fraturantes”, como o regresso do banco de horas individual e o fim da limitação de recorrer ao outsourcing após despedimentos.
E apesar do avanço que significou o documento enviado pelo Governo à UGT, com algumas alterações face ao anteprojeto de 23 de julho, a central sindical entende que ainda “há muita pedra para partir” e não espera que a proposta para a reforma laboral seja enviada ao Parlamento antes das eleições presidenciais de 18 de janeiro. A não ser que o Executivo decida “romper as negociações” e fazer chegar o projeto lei para a Assembleia da República sem acordo com as centrais sindicais.
“Apesar da realização da greve geral que interrompeu o processo negocial que estava em curso, a ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social convocou hoje[sexta-feira], um dia a seguir à greve geral, a UGT para uma reunião na próxima terça-feira, às 17h, para prosseguir as negociações”, revelou a ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, citada numa nota do ministério enviada à Lusa.
Convocada pelas duas centrais sindicais em rejeição ao pacote laboral, a greve geral da última quinta-feira foi “uma das maiores greves gerais de sempre, se não mesmo a maior greve geral de sempre”, tendo contado com a adesão de “mais de três milhões de trabalhadores”, disse o secretário-geral da CGTP, Tiago Oliveira. A UGT apontou para uma adesão acima dos 80%.
A narrativa do Governo, porém, é bem diferente. “A esmagadora maioria escolheu trabalhar”, afirmou o ministro da Presidência, António Leitão Amaro, considerando a adesão à paralisação “inexpressiva”. Sobretudo nos setores privado e social, onde a adesão se situou entre os 0% e os 10%, afiançou.
“Se olharmos para os níveis de adesão, esta mais parece uma greve parcial da função pública”, notou. Leitão Amaro reconheceu os “constrangimentos”, sobretudo nos setores que impactam noutros, mas está convencido que, muitos dos que não foram trabalhar, não foram devido à paralisação dos transportes e não por outros motivos.
A Confederação Empresarial de Portugal (CIP) deu força aos argumentos do Governo. Segundo Armindo Monteiro, na generalidade das empresas dos diferentes setores económicos, as faltas de trabalhadores oscilam entre os 2% e os 3%. E de acordo com as associações empresariais, as faltas devem-se mais a dificuldades com os transportes públicos, e ao encerramento de escolas, do que a adesões à greve geral. “A economia real está a funcionar em todo o país”, assinalou o presidente da CIP.
O anteprojeto Trabalho XXI foi apresentado aos parceiros sociais em finais de julho. Mas se até novembro, as negociações em sede de concertação social não evoluíram, mas nas últimas semanas, pressionado pela convocação da greve geral (há mais de 12 anos que não havia uma), enviou à UGT um novo documento recuando em algumas matérias. “É muito pouco”, disse na altura Mário Mourão. Para a UGT, há duas propostas que são “fraturantes” e nessas o Governo não mexeu uma linha: é o caso do regresso do banco de horas individual e o fim da proibição de recorrer ao outsourcing durante um ano após despedimentos.
O Governo, que classificou a greve geral como “inoportuna”, tem procurado contrariar a ideia de que está a ser intransigente. E garante que, apesar da paralisação, continuará com “espírito de abertura ao diálogo”. Diálogo esse que, vincou o ministro da Presidência no dia da paralisação, “já deu frutos”. Leitão Amaro recordou, a esse respeito, o acordo tripartido para a valorização salarial e os cerca de 20 acordos com carreiras da função pública.
Contudo, “notamos que o exercício do protesto corresponde a uma minoria” e “temos de ouvir também a maioria”, sinalizou, prometendo que o objetivo da reforma laboral é “fazer as mudanças que o país exige”. “E muitas delas, são muito importantes para a valorização dos trabalhadores”, garantiu.
O que é que mudou na contraproposta?
No anteprojeto apresentado em julho, o Governo avançava com a possibilidade de os trabalhadores comprarem dois dias de férias, com perda de rendimento, mas sem prejuízo de outros benefícios, como seja o subsídio de refeição e os subsídios de natal e de férias. Os patrões concordaram com a “ideia base”, mas avisaram que só teria pernas para andar se a inciativa partisse do trabalhador; se houvesse acordo entre as partes e se não fosse motivo de conflitualidade. Os sindicatos apontaram vários problemas e riscos associados à compra de férias. Desde logo, criava uma questão de “desigualdade inicial flagrante” – trabalhadores com o salário mais elevado poderia, comprar férias, os que auferem o salário mínimo ou próximo dele, não, apontava ao JE Sérgio Monte, secretário-geral da UGT.
Agora, o Governo troca essa medida pela reposição dos três dias de férias ligados à assiduidade, que foram retirados no período da troika, uma matéria que já estava a ser discutida com os sindicatos da função pública. Na prática, os trabalhadores que não tenham faltado ou tenham faltado apenas um dia, terão direito aos três dias extra de férias, totalizando 25. Quem tiver faltado até dois dias, terá direito dois dias, e quem tiver até três faltas, terá um dia extra de férias.
O Executivo também abandonou a simplificação dos despedimentos por justa causa nas médias empresas. Atualmente, apenas as microempresas (com menos de dez trabalhadores) podem despedir através de um regime simplificado que dispensa o patrão de fazer prova das imputações feitas contra o trabalhador. O Governo queria estender este regime a empresas maiores, mas desistiu da ideia.
Outra dos recuos prende-se com a redução para metade as horas de formação obrigatórias a que o trabalhador tem direito nas microempresas. O Governo propunha que os trabalhadores destas empresas tivessem 20 horas anuais de formação. Mas a proposta caiu, mantendo-se as 40 horas de formação para todos.
No capítulo da parentalidade, que tanta polémica causou no verão, tal como o JE noticiou, o Governo recua na obrigatoriedade de apresentar um atestado médico logo no regresso ao trabalho para as trabalhadoras terem direito à dispensa diária de duas horas para amamentação, mas mantém os dois anos como limite para esse direito.
Nas faltas por luto gestacional, que o Governo queria revogar, há uma reformulação da norma para garantir que todos os casos são abrangidos pela licença por interrupção da gravidez.
Sem surpresa, até porque a ministra do Trabalho disso deu conta no Parlamento dias antes, o Governo avança para a jornada contínua no setor privado. O objetivo, disse Maria do Rosário Palma Ramalho, é permitir que os pais ou mães saiam mais cedo para cuidar dos filhos.
Aprovado em Conselho de Ministros no verão passado, a 24 de julho, anteprojeto para revisão da legislação laboral designado “Trabalho XXI” prevê a uma “profunda” revisão da lei laboral que visa a alteração de mais de cem artigos do Código do Trabalho. O Governo pretende flexibilizar regimes laborais “que são muito rígidos” de modo a aumentar a “competitividade da economia e promover a produtividade das empresas”, tem dito Palma Ramalho.
Além das propostas já mencionadas, o executivo liderado por Luís Montenegro quer alargar os setores que passam a estar abrangidos por serviços mínimos em caso de greve – intenção que tem gerado contestação dos sindicatos.