Todos os anos, quando se aproxima o Natal, regressamos aos clássicos que moldaram o nosso imaginário natalício. Entre eles, o “Sozinho em Casa” que mantém um estatuto quase ritualístico: Kevin, uma criança engenhosa, enfrenta dois ladrões desastrados com armadilhas improvisadas que fariam corar qualquer especialista em segurança. Mas, se o filme fosse escrito hoje, num contexto onde a Inteligência Artificial (IA) invade casas, gadgets e decisões, a história seria, inevitavelmente, outra. E talvez nos revelasse mais sobre o nosso presente do que gostaríamos de admitir.
Num “Sozinho em Casa” de 2025, o Kevin não dependeria apenas de cordas, latas de tinta e carrinhos miniatura. Provavelmente, teria acesso ao agente de IA doméstico, câmaras inteligentes, sensores de movimento, drones caseiros e um painel de controlo no telemóvel. Os dois icónicos ladrões não se deparariam com uma escada cheia de gelo, mas antes com alertas em tempo real, reconhecimento facial e fechaduras inteligentes a bloquear-lhes o acesso. E, ironicamente, talvez nem chegassem à porta: o próprio sistema de IA poderia antecipar comportamentos suspeitos e contactar as autoridades antes que qualquer intrusão acontecesse.
Parece perfeito… até deixarmos de lado o romantismo tecnológico e enfrentarmos os riscos. Porque num mundo altamente conectado, a segurança não vive apenas da engenhosidade do protagonista, depende sim, da eficácia do ecossistema digital. E se os ladrões, em vez de dois adultos atrapalhados, fossem cibercriminosos capazes de desativar câmaras, contornar firewalls domésticas ou manipular agentes inteligentes? Kevin, sozinho, teria agora um inimigo que não se vê pela janela: um algoritmo comprometido e malicioso. Bastaria um ciberataque à rede doméstica para o deixar literalmente às escuras, impossibilitado de comunicar ou controlar seja o que for. Se pensarmos bem, é aqui que este exercício se torna pertinente para o mundo real.
Vivemos numa altura em que as casas são mais “inteligentes”, contudo, muito mais vulneráveis. Os nossos sistemas aprendem connosco, adaptam-se às rotinas, recolhem dados e, quando mal protegidos, podem transformar-se em portas abertas para quem sabe explorá-las. Um “Sozinho em Casa” moderno seria menos sobre a criatividade infantil e mais sobre literacia digital: a capacidade de compreender riscos, gerir permissões, reforçar passwords, atualizar dispositivos e desconfiar de comportamentos invulgares.
No fundo, a história lembraria que a verdadeira proteção não depende apenas da tecnologia, mas antes da forma como a usamos e governamos. E talvez nos expusesse a fragilidade de um mundo onde delegamos cada vez mais decisões a sistemas que não compreendemos totalmente.
No final, talvez a grande lição deste exercício seja simples: a IA pode ser o nosso melhor aliado ou o nosso maior risco. Dependerá sempre de nós garantir que os ladrões modernos não entram pela porta digital da nossa própria casa.