O que estão compartilhando: vídeo que diz que uma fábrica de mosquitos no Paraná produz mosquitos geneticamente modificados. O conteúdo sugere que a iniciativa teria relação com o bilionário Bill Gates.
O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é falso. A biofábrica Wolbito do Brasil foi fundada por meio de uma parceria entre o Instituto de Biologia Molecular do Paraná (IBMP) e o World Mosquito Program (WMP). Ela infecta ovos do mosquito aedes aegypt com a bactéria natural wolbachia. Ela impede a replicação dos vírus da dengue, chikungunya e zika nos insetos. Não há modificação do DNA da bactéria ou dos mosquitos.
Método usado por empresa do Paraná não utiliza modificação genética no processo, uso de produtos químicos ou manipulação comportamental de espécies. Foto: Reprodução/Instagram
Saiba mais: um vídeo publicado no Instagram diz que uma fábrica no Paraná estaria modificando geneticamente mosquitos aedes aegypti, com o apoio do empresário Bill Gates. Nos comentários, muitos usuários se mostraram preocupados com as alegações. “Não basta termos todos os problemas de saúde que temos, todas as dificuldades de uma vida contemporânea… e temos que lidar com ISSO?”, escreveu um usuário. “Já fizeram isso uma vez e deu ruim… Triplicou os casos de dengue”, disse outro. Leitores também pediram a checagem desse conteúdo pelo WhatsApp (11) 97683-7490.
O conteúdo distorce informações sobre a biofábrica de mosquitos inaugurada no Paraná. Ela foi construída para ampliar a escala de mosquitos usados no controle da transmissão da dengue, chikungunya e zika vírus. A biofábrica utiliza o método Wolbachia, um estratégia natural desenvolvida e aplicada no país pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Confira abaixo a checagem das informações falsas presentes no vídeo:
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Bactéria Wolbachia é natural e não envolve modificação genética
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Bactéria impede reprodução viral nos mosquitos
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Eficácia da estratégia já foi demonstrada
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Técnica utilizada é diferente da aplicada pela empresa Oxitec
Bactéria Wolbachia é natural e não envolve modificação genética
A wolbachia é uma bactéria presente em cerca de 60% dos insetos, como borboletas, abelhas e moscas-das-frutas, e em alguns mosquitos. Ela é natural, e não pode ser transmitida para humanos ou outros mamíferos. O Verifica não encontrou registros públicos de que a bactéria já tinha sido usada como estratégia militar, como diz o vídeo. As informações disponíveis apontam para a implementação em estratégias de saúde pública.
“A Wolbachia utilizada no Método Wolbachia da Wolbito do Brasil não apresenta riscos à saúde humana, animal ou ao meio ambiente, conforme demonstrado por diversos estudos científicos”, informou em nota a empresa Wolbito do Brasil. “Ela não foi criada em laboratório, não tem modificação genética e não possui qualquer aplicação militar”, esclareceu.
Bactéria impede reprodução viral nos mosquitos
A wolbachia impede que os vírus da dengue, zika, chikungunya e febre amarela se desenvolvam dentro do mosquito. Como essa bactéria não é naturalmente presente nestes mosquitos, os pesquisadores a introduzem, em laboratório, nos ovos de aedes aegypti.
Assim, o mosquito com wolbachia se reproduz com os que já existem na natureza, transmitindo a bactéria às próximas gerações e reduzindo a transmissão dos vírus causadores de arboviroses. Não há modificação genética, porque não há alteração do DNA desses mosquitos nem da bactéria wolbachia.
Eficácia da estratégia já foi demonstrada
Niterói (RJ) foi o primeiro município totalmente coberto pelo método e se tornou referência nacional. Em novembro do ano passado, a WMP divulgou que a cidade registrou o menor número de casos de dengue em mais de 20 anos, apenas 326, entre 2020 e 2023. O monitoramento de longo prazo pelas autoridades de saúde mostrou que pelo menos 97% dos mosquitos Aedes aegypti continuavam com Wolbachia até oito anos após o fim das primeiras liberações.
Dados de um estudo publicado na Public Library of Science (PLOS) em 2021, já mostravam que, entre 2017 e março de 2020, de 33% a 90% da população de mosquitos da cidade passou a ter Wolbachia, resultando em redução de 69% nos casos de dengue, 56% nos de chikungunya e 37% nos de zika nas áreas de intervenção, em comparação com regiões sem o método. Resultados semelhantes de redução de casos de arboviroses com a implementação do projeto já foram registrados em outros 13 países, como na Indonésia e na Austrália.
Em Campo Grande (MS), o projeto começou as operações em 2020. Com fim em 2024, as seis fases do método cobriram 74 bairros e sete regiões urbanas, atendendo cerca de 130 mil pessoas por fase e beneficiando mais de 900 mil moradores no total. A operação envolveu a produção de 2,7 kg de ovos e a liberação de 102 milhões de mosquitos.
O Ministério da Saúde diz que cada R$ 1 investido na estratégia economiza até R$ 500 em gastos com medicamentos, internações e tratamentos.
Atualmente, o Método Wolbachia é aplicado em cidades como Rio de Janeiro (RJ), Belo Horizonte (MG), Londrina (PR), Joinville (SC) e Brasília (DF). Dois novos estudos sobre os resultados em Belo Horizonte e Campo Grande devem ser publicados até o fim deste ano.
Técnica utilizada é diferente da aplicada pela empresa Oxitec
A Wolbito do Brasil foi fundada por meio de uma parceria entre o Instituto de Biologia Molecular do Paraná (IBMP) – associação privada criada a partir de uma cooperação entre a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e o Governo do Paraná – e o World Mosquito Program (WMP) — que é uma iniciativa sem fins lucrativos da Monash University, da Austrália. Ao Verifica, a empresa negou qualquer vínculo com o bilionário Bill Gates.
Também não é verdade que Bill Gates seja dono da Oxitec, empresa britânica dona do projeto Aedes do Bem, que utiliza ovos do mosquito Aedes aegypti geneticamente modificados para controle de doenças. O Verifica já checou essa alegação, e confirmou que não há patrocínio ou vínculo de Gates com o programa.
Ao Projeto Comprova, do qual o Verifica faz parte, a Fundação disse que “tem o compromisso de apoiar inovações que ajudem a proteger as comunidades locais contra doenças transmitidas por mosquitos”, mas que não financia nenhum dos trabalhos da Oxitec envolvendo a liberação dos mosquitos Aedes aegypti no Brasil. “A alegação que vincula o trabalho da Fundação Bill & Melinda Gates sobre a dengue aos casos registrados no Brasil é falsa”, diz a nota.
A Oxitec reforçou, à época, que “a Fundação Bill & Melinda Gates não tem nenhuma relação com o desenvolvimento dos Aedes do Bem, relacionada ao programa de combate ao Aedes aegypti.”
O projeto Aedes do Bem fornece ovos de mosquitos geneticamente modificados que, ao atingirem a fase adulta, irão acasalar com fêmeas do Aedes aegypti – que são as responsáveis pela transmissão de doenças como dengue, chikungunya e zika. Deste cruzamento, apenas os descendentes machos sobrevivem, o que reduz consequentemente o número de fêmeas que transmitem o vírus.
A Wolbito do Brasil esclareceu que utiliza “mosquitos naturais, não transgênicos. Já a Oxitec atua com mosquitos geneticamente modificados, conforme divulgado em seu próprio site. Não há qualquer relação comercial, técnica ou institucional entre as duas empresas.”