Desde 1 de julho de 2024 que, em Portugal, nenhuma entidade regula o investimento em ativos digitais na web3. Um vazio legal sobre criptoativos que está a gerar um ambiente de incerteza jurídica que assusta os investidores.
O Regulamento MiCA (Regulamento (UE) 2023/114 do Parlamento Europeu e do Conselho de 31 de maio de 2023) entrou plenamente em vigor na União Europeia a 30 de dezembro de 2024, depois de parte dele ter sido aplicado nos seis meses anteriores. Nos termos deste regulamento, a prestação de serviços de ativos virtuais com novas regras passou a depender de permissão da Autoridade de Supervisão designada pelo Estado-Membro. Mas, em Portugal essa autoridade continua por designar. Antes do MiCA, a responsabilidade pertencia ao Banco de Portugal (BdP). Agora é uma terra de ninguém fazendo aumentar ainda mais os riscos dos investimentos nesse tipo de negócios digitais. Pior: «Esta falta de regulação representa um descalabro a prazo para a economia portuguesa», afirma o professor da Católica-Lisbon, Paulo Cardoso do Amaral.
Antes da entrada em vigor do MiCA, existiam dez empresas habilitadas pelo BdP para exercerem atividades com ativos virtuais. Nenhuma outra autorização foi depois concedida devido ao vazio legal entretanto criado. As dez empresas podem continuar a exercer a atividade, mas o BdP perdeu a competência para as supervisionar, exceto no que toca a matérias relacionadas com branqueamento de capitais e o financiamento de terrorismo.
Conforme explicou o BdP ao Nascer do SOL, «até ao momento, não foi ainda publicado o diploma nacional de execução do regulamento MiCA, pelo que permanecem por definir a(s) autoridade(s) competente(s) pela autorização e supervisão dos prestadores de serviços de criptoativos». E esclarece: «Na ausência de designação do BdP como autoridade competente pela autorização dos prestadores de serviços com criptoativos ao abrigo do regulamento MiCA, esta Autoridade não se encontra atualmente habilitada a receber nem a apreciar pedidos de pedidos de autorização para prestação de serviços de criptoativos nos termos dos artigos 59.º e seguintes do regulamento MICA».
Segundo a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), «os prestadores de serviços de criptoativos que detenham criptoativos pertencentes a clientes, ou meios de acesso a esses criptoativos, segregam as participações de criptoativos em nome dos seus clientes das suas próprias participações e devem dispor de mecanismos adequados para salvaguardar os direitos de titularidade dos clientes, em especial em caso de insolvência do prestador de serviços de criptoativos». Por outro lado, acrescenta aquela entidade supervisora, «os prestadores de serviços de criptoativos devem também estabelecer e manter procedimentos eficazes e transparentes para o tratamento expedito, leal e coerente das reclamações recebidas de clientes e devem divulgar esses procedimentos. Devem ainda analisar todas as reclamações de acordo com esses princípios e comunicar as conclusões dessas análises aos seus clientes num prazo razoável».
Mas, quem fiscaliza? O vazio legal é preocupante para os investidores de ativos digitais confrontados com uma patente insegurança jurídica. Por outro lado, salienta Paulo Cardoso do Amaral, também está fechado o caminho aos novos prestadores de serviços. «Temos conhecimento, temos pessoas preparadas, temos empresas, mas não há uma autoridade que lhes permita exercer a atividade».
Explica o professor: «Por exemplo, com a entrada em vigor do MiCA, os e-money tokens [tipo de criptomoeda desenhada para manter um valor estável e indexado a uma moeda fiduciária como o euro ou dólar] passaram a ser reconhecidas pela lei como massa monetária, passando a permitir o uso oficial desse tipo de moeda na economia incumbente desde que oferecidas por uma entidade devidamente licenciada».
Observa ainda Paulo Cardoso do Amaral: «o MiCA irá permitir o começo da tokenização das atividades económicas do dia-a-dia com extrema conveniência, abrindo um caminho sem precedentes à inovação e à criação de valor económico». Aliás, adianta, «o MiCA também vem permitir a livre utilização desse tipo de token como meio de pagamento tal como o dinheiro tradicional nas contas bancárias».