Em A Ilustração, de dezembro de 1888, notam como é inconveniente dizer “desta Paris não beberei”. Patti prometera não voltar a atuar na capital francesa devido à forma como a sua separação fora escrutinada sem pudor. “Todo o escândalo desse famoso divórcio que se debateu nos jornais franceses fez surgir vários artigos, qual deles o mais picante”, lamentou. “Paris ri-se da minha tragédia conjugal – pois não mais lá irei cantar”. A precisar dos aplausos e da crítica parisiense, “a primeira do mundo na crítica das coisas de arte”, Adelina acabaria por dar o braço a torcer, regressando para o Romeu e Julieta de Goulnod.

O casamento com o tenor durou até à morte deste e terá sido feliz, mas o conteúdo do testamento sugeria tensão nos últimos anos. Nicolini cortara Patti de todos os bens. A artista que foi a Gilda de Rigoletto, a Leonora do Trovador, a protagonista de Semiramide, a Zerlina de Don Giovanni ou a Violetta de La Traviata, morreria como baronesa, no Castelo de Craig-y-Nos, no vale de Swansea, na Gales do sul, a 27 de setembro de 1919, com 76 anos, e de forma natural.

O seu último enlace aconteceu em 1899, com o barão Rolf Cederström (1870-1947), um aristocrata sueco, vários anos mais novo. Nova viagem pelo arquivo mostra como o casal alugou um comboio para a sua boda, circulando entre Brecon e Londres. O marido terá ceifado boa parte da vida social e desafogo vivido por Adelina, poupando por exemplo no número de empregados à sua disposição. Depois da sua morte, Rolf Cederström casou-se com uma mulher muito mais nova e teve uma filha, Brita Yvonne Cederström, nascida em 1924, que haveria de herdar o espólio de Patti, que morreu sem deixar descendência. A diva era no entanto muito próxima das sobrinhas e sobrinhos e entre a lista de sobrinhos bisnetos ou trinetos contam-se a atriz e cantora Patti LuPone, o baterista Scott Devours, e a cantora de ópera galesa Lisa Lee Dark, cuja afinidade se estende ao casamento de Adelina com o tenor francês Ernesto Nicolini.

No seu refúgio galês, que por sua vontade viria a ser um hospital para tuberculosos após a sua morte, Patti cortou mais de 30 gravações de gramofone de disco de músicas e árias operísticas. Também ali instalou o seu próprio teatro de ópera doméstico, uma miniatura do milanês La Scala onde recebeu os amigos até aos primeiros anos do novo século. Entre 1905 e 1906, para a Gramophone & Typewriter Company, fez uma gravação de voz falada, uma saudação de Ano Novo para seu terceiro marido, que pretendia que ele mantivesse como lembrança.

Uma parte da antiga propriedade de Adelina Patti serve atualmente como um hotel boutique, catering, espaço para conferências e local de entretenimento. Os terrenos do castelo estão cercados por um parque rural inserido no Parque Nacional Brecon Beacons.

Em abril de 2025, a jornalista Reyes Monforte recuperou no livro “La Diva” a incrível história da mulher que nasceu em Madrid, marcada pela lenda desde a primeira hora, incluindo que a sua mãe teria rebentado as águas em plena representação de “Norma”, o que nunca foi dado como certo — muito menos o extravagante hábito de comer todos os dias uma sanduíche de doze línguas de canários para cuidar da voz. “Que falem bem ou mal de ti, o importante e falarem”, tranquilizava o amigo costureiro Frederick Worth.

Segundo Monforte, a estrela conhecia bem a sua voz, uma cláusula no contrato isentava-a de ensaiar — “que ensaiem os outros” — e evitava cantar mais de três vezes por semana. Seguia uma dieta rigorosa, tornou-se vegetariana e praticava homeopatia. As selfies demorariam a ser inventadas, mas Patti foi pioneira da cultura das celebridades. “Recebia cartas, flores, presentes de admiradores, os seus seguidores beijavam o tapete de sua casa ou desenganchavam os cavalos da carruagem para serem eles a levarem-na para o hotel. De alguma maneira, conheceu em vida o seu próprio processo de mitificação, era usual que os periódicos e revistas dedicassem capas inteiras às suas digressões”, descreveu a autora ao La Razon.

Em solo nacional, a publicação quinzenal de musica e theatros Arte Muscial, produzida nos Restauradores, caprichou na ousadia — e na tão popular teoria do parafuso que já impregnava a cultura das atualidades. Talvez Adelina Patti até tivesse, imagem bem, uma costela portuguesa.

Depois de Lisboa, seguiu-se uma tour pela América do Sul. Nos seus diários, Adelina conta como em março partiu da capital portuguesa no vapor Congo. Durante meses, em 1888, apresentou-se no argentino Teatro Politeama para uma das fases de maior êxito.

Nas suas memórias, publicadas em 1913, o maestro Wilhelm Ganz recorda os anos com Patti, da presença no seu casamento ao amor pelos animais, a pontualidade, e ainda as prodigiosas vezes ao longo da sua vida em que a estrela escapou à morte. Certa vez, aos 16 anos, enquanto cantava a Cena da Loucura em Lucia, a comprida manga do seu vestido pegou fogo numa vela, um pequeno incêndio que conseguiu extinguir com a própria mão, sem comprometer a atuação. Uma outra vez, na América, um anarquista atirou uma bomba a um homem que se encontrava junto ao palco. Por sorte, Patti encontrava-se no lado oposto, porque o engenho, que não chegou a rebentar, foi parar à zona onde estivera pouco antes. Ainda jovem, um mensageiro deixou um par de luvas em sua casa. O pai detetou uma aparência estranha e levou-as a um químico, que identificou a presença de veneno. Outra vez ainda, de regresso ao camarim, parou a tempo a ingestão de um copo de água — lá haviam embebido uma série de fósforos.

Um conjunto de ameaças quase tão maravilhosas quanto ela, cuja derradeira apresentação ao vivo foi no Royal Albert Hall em 24 de outubro de 1914, como parte de um concerto da Cruz Vermelha para ajudar as vítimas da Primeira Guerra Mundial. “Patti cantou, maravilhosamente ainda”, louvou o rei George V naquela noite. Como era seu desejo, foi sepultada em Paris, no cemitério Pele Lachaise, para repousar perto do compositor e amigo Gioachino Rossini (1792-1868).