A cimeira que deveria marcar a assinatura histórica do tratado de comércio livre entre a União Europeia e o Mercosul, em Foz de Iguaçu, acabou esvaziada à última da hora pela ausência de acordo entre os europeus. O Presidente brasileiro, Lula da Silva, um dos maiores defensores do acordo, pediu coragem e vontade política aos parceiros europeus. A paciência dos sul-americanos está perto do limite.
Foi com um ambiente de inegável frustração que arrancou a cimeira do Mercosul, bloco económico que junta Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai, este sábado em Foz de Iguaçu. Era no cenário idílico das famosas cataratas onde conflui a fronteira de três dos quatro membros do grupo que estava prevista a formalização do tratado que é negociado há mais de duas décadas nos dois lados do Atlântico.
Tudo parecia encaminhado até ao início desta semana quando, de forma súbita, o Governo italiano manifestou as suas reservas em relação ao acordo por recear o impacto para o seu sector agrícola. A Bruxelas, por ocasião da cimeira do Conselho Europeu, acorreram milhares de agricultores de toda a Europa em protesto contra o tratado com o Mercosul, reforçando a pressão sobre os governos dos 27 Estados-membros.
Com viagem marcada para o Brasil, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, e o presidente do Conselho, António Costa, viram-se obrigados a cancelar à última da hora a presença na cimeira do Mercosul, cedendo aos pedidos de França e Itália para estender as conversações até Janeiro. Com a oposição dos dois Estados-membros, não fica reunida a maioria necessária para aprovar o tratado.
Sem nenhum triunfo para apresentar, o Presidente brasileiro, que esperava ver a concretização de um dos maiores tratados de comércio livre da História durante a sua presidência rotativa do Mercosul, lamentou mais um adiamento.
“Sem vontade política e coragem dos dirigentes não será possível concluir uma negociação que já se arrasta por 26 anos”, declarou Lula na abertura do encontro, este sábado, depois de receber os seus homólogos da Argentina, Javier Milei, do Uruguai, Yamandú Orsi, e do Paraguai, Santiago Peña.
A assinatura de um acordo tão ambicioso seria a oportunidade para que europeus e sul-americanos enviassem “uma mensagem importante em defesa do multilateralismo”, disse Lula, lembrando o “cenário global cada vez mais competitivo”.
Apesar de manter o desejo de que o acordo seja finalmente assinado em Janeiro, Lula avisou que “há muitos países a querer fazer acordos com o Mercosul”: um recado claro de que a vontade dos sul-americanos pode não sobreviver a mais hesitações.
Na última ronda de negociações, explica o El País, os membros do Mercosul concordaram com um mecanismo de suspensão das vantagens aduaneiras constantes no tratado em situações nas quais sejam detectadas “distorções graves” em sectores considerados especialmente sensíveis para a economia europeia, como a carne bovina, por exemplo.
No seu discurso, Lula também deixou alertas para a tensão crescente entre os EUA e a Venezuela, numa altura em que o Presidente Donald Trump diz manter todas as opções em aberto, incluindo uma intervenção armada.
“Passadas mais de quatro décadas desde a Guerra das Malvinas, o continente sul-americano volta a ser assombrado pela presença militar de uma potência extra-regional”, afirmou o Presidente brasileiro. “Uma intervenção armada na Venezuela seria uma catástrofe humanitária para o hemisfério e um precedente perigoso para o mundo”, acrescentou.
O Governo brasileiro já manifestou disponibilidade para mediar negociações entre Washington e Caracas de forma a evitar uma nova escalada da tensão.
A Administração Trump acusa o regime de Nicolás Maduro de promover e lucrar o narcotráfico internacional e tem atacado frequentemente embarcações ao largo da costa venezuelana que alegadamente pertencem a cartéis de droga. Recentemente, os EUA anunciaram um bloqueio a todos os petroleiros alvo de sanções e têm reforçado a presença militar na região.