A guerra civil que tem devastado o Sudão desde Abril de 2023, e que opõe as forças paramilitares RSF, lideradas pelo general Mohamed Hamdan Daglo, ao Exército liderado pelo general Abdel Fattah al-Burhan, o líder de facto do país, pode ter tido um dos episódios mais sangrentos em Abril deste ano, com o massacre de 1500 civis num ataque dos rebeldes ao maior campo de deslocados do país, no Darfur do Norte.

O Guardian noticia nesta quinta-feira que existem testemunhos de execuções em massa e sequestros em grande escala ocorridos no ataque ao campo Zamzam, a sul de Al-Fasher (capital do Darfur do Norte), que esteve sob fogo das RSF durante 72 horas, entre 11 e 13 de Abril.

A ONU identificou “centenas de pessoas” mortas no ataque (civis não árabes), mas o Guardian revela que uma comissão criada para investigar o número de mortos já contabilizou mais de 1500 vítimas mortais. O ataque ocorreu na véspera de uma conferência liderada pelo Governo britânico, em Londres, com o objectivo de chegar a um acordo de paz.

O jornal diz que Mohammed Sharif, membro da comissão da antiga administração de Zamzam, disse que o total final de vítimas mortais será significativamente maior, com muitos corpos ainda não recuperados do campo, que agora é controlado pelas Forças de Apoio Rápido (RSF, na sigla em inglês)

“Os corpos estão dentro de casas, nos campos, nas estradas”, disse Sharif.

O Guardian também menciona um especialista em atrocidades de guerra com décadas de experiência nos conflitos no Darfur que entrevistou dezenas de sobreviventes de Zamzam e que acredita que até duas mil pessoas podem ter sido mortas no massacre.

Segundo a ONU, o campo de Zamzam, capital do estado do Darfur do Norte, abriga cerca de 500 mil pessoas, das quais metade a Unicef diz serem mulheres e crianças.

Os deslocados são mantidos pelos rebeldes árabes em condições de acesso restrito a água, alimentos e medicação e, uma vez que o acesso humanitário é praticamente impossível, os números de mortos causados pela fome são crescentes.

A fome e a limpeza étnica

No Sudão, um dos países mais pobres do mundo, a fome está confirmada em dez regiões, segundo o Programa Mundial Alimentar (WFP, na sigla em inglês) das Nações Unidas.

Esta agência da ONU alertou no início da semana que milhares de famílias presas em Al-Fasher (última cidade ainda sob controlo do Exército), que está sitiada pelos rebeldes de Mohamed Hamdan Dagalo (habitualmente referido como “Hemetti”), correm o “risco de morrer de fome“.

Até agora, pensa-se que morreram cerca de 150 mil pessoas na guerra civil e que o número de deslocados atinge os 13 milhões. Nas contas do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), serão 8,6 milhões de deslocados internos e 3,8 milhões de refugiados que atravessaram a fronteira, para países como o Chade e o Egipto.

O massacre do campo de Zamzam seria o segundo maior crime de guerra do conflito no Sudão. Até agora, pensa-se que a pior das atrocidades desta guerra foi o massacre em grande escala de civis que tentaram fugir de uma vaga de violência étnica em Darfur no Verão de 2023.

As declarações de 221 testemunhas recolhidas pela Human Right Watch (HRW) permitiram concluir que as RSF, lideradas por árabes, orquestraram uma campanha concertada de limpeza étnica contra a tribo não árabe Masalit, em Darfur Ocidental, matando milhares de pessoas.

Segundo a HRW, desde o final de Abril até ao início de Novembro de 2023, as RSF e as milícias árabes aliadas “conduziram uma campanha sistemática” para remover as 540 mil pessoas de Al-Geneina, a capital regional.

O painel de especialistas da ONU sobre o Sudão estimou que entre dez mil e 15 mil pessoas terão sido mortas em Al-Geneina em 2023. Muitas morreram quando viajavam num comboio de civis rumo ao Chade e foram atacadas pelas RSF.

As RSF têm origem nas milícias janjaweed que lutaram num conflito na região no Darfur, nos anos 2000, tendo sido usadas pelo Governo do ditador Omar al-Bashir para ajudar o Exército a neutralizar uma rebelião.