Cena do filme “A Hora do Mal” (2025), escrito e dirigido por Zach Cregger.Warner / Divulgação
Como as comédias, os filmes de terror se beneficiam do ambiente de uma sala de cinema. A escuridão é convidativa ao gênero, a tela grande amplifica a tensão das cenas, o som alto torna qualquer farfalho um alerta de perigo.
Desde que os celulares estejam desligados, a experiência pode ser realmente imersiva: a concentração favorece o estado de pânico e nos deixa mais suscetíveis ao susto.
Simbolicamente, a sala de cinema também é um lugar sem escapatória, o que combina com o tipo de trama projetada: não há como parar o filme para respirar e tomar fôlego.
E dentro de um cinema a gente também pode se contaminar, no bom sentido: dá para sentir o nervosismo alheio diante de uma ameaça iminente ao protagonista ou da imprevisibilidade no rumo da história.
O ruído das poltronas denuncia a perturbação do espectador diante daquilo que vê — ou pior, não vê.
E chega a ser uma coisa boa quando alguém não consegue sufocar o seu medo e solta um gritinho. É quase como um momento de comunhão, um reconhecimento de que não estamos sozinhos, alguém mais está enfrentando conosco o pavor.
Dito tudo isso, fãs de terror tem um compromisso imperdível a partir desta quinta-feira (7). Estreia nos cinemas A Hora do Mal (Weapons, 2025), novo filme do diretor e roteirista estadunidense Zach Cregger, 44 anos, o mesmo de Noites Brutais (2022).
Como em Noites Brutais, o segredo é a alma do negócio. Quanto menos soubermos da trama, melhor. Portanto, pode ficar sossegado: aqui não haverá spoiler. Da sinopse, só será descrito o ponto de partida.
A trama de “A Hora do Mal” (sem spoilers)
Cena do filme “A Hora do Mal”, de Zach Cregger.Warner / Divulgação
Uma narração em off, em uma voz infantil, diz na abertura de A Hora do Mal que esta é uma história real. Na cidadezinha de Maybrook, 17 crianças da mesma sala de aula acordaram no meio da madrugada — às 2h17min, para ser preciso —, saíram da cama, desceram as escadas, abriram a porta de casa e, sem dizer uma palavra e com os braços estendidos como asas, caminharam em direção à escuridão para nunca mais voltarem.
Toda essa sequência é embalada por Beware of Darkness (1970), canção de George Harrison cujos versos pedem “cuidado com os depravados decadentes que aparecem a sua volta”, “cuidado com os pensamentos que ficam reomendo dentro da sua cabeça”, “cuidado com os líderes gananciosos que o levam para onde você não deve ir”.
Julia Garner interpreta a professora Justine em “A Hora do Mal”.Warner / Divulgação
Três vezes premiada no Emmy de melhor atriz coadjuvante pela série Ozark (2017-2022) e vista como a Surfista Prateada no filme do Quarteto Fantástico, Julia Garner interpreta Justine, a professora da turma. Ao chegar ao trabalho, ela é surpreendida pela ausência em massa, mas também com uma presença solitária: o menino Alex Lilly (papel de Cary Christopher), único aluno que não desapareceu.
A partir daí, a polícia e a comunidade tentam descobrir o que aconteceu — muita gente acha que Justine é cúmplice ou foi negligente — e encontrar as crianças.
Josh Brolin encarna Archer, pai de um aluno desaparecido, em “A Hora do Mal”.Warner / Divulgação
“Nada evoca a violência armada e os piores medos dos pais como a visão de uma sala de aula vazia”, escreveu o crítico estadunidense David Rooney no Hollywood Reporter. O título original do filme, Weapons (em inglês, armas), contribui para enxergar em A Hora do Mal uma alegoria para uma tragédia cotidiana nos Estados Unidos: os ataques a tiros em escolas. “A hipocrisia de uma sociedade que busca continuamente bodes expiatórios para atribuir culpas, enquanto se recusa a examinar seu próprio coração sombrio, fornece uma aparência de subtexto”, disse Rooney.
Mas, como o mesmo crítico afirma, há pouca substância para sustentar essa associação. O diretor e roteirista Zach Cregger parece menos interessado no discurso do que no engenho e no impacto — o que não desmerece seu filme. (Na verdade, também existe uma outra leitura sociopolítica que pode ser feita, mas daí teríamos de entrar no terreno dos spoilers).
O diretor Zach Cregger e a atriz Julia Garner nos bastidores de “A Hora do Mal”.Warner / Divulgação
Como em Noites Brutais (2022), o cineasta exibe um baita talento para explorar os cenários e os cantos da imagem, criar uma atmosfera sinistra e reverter expectativas. Não conseguimos antever o desenrolar da trama, e essa incerteza gostosa é apimentada pela estrutura narrativa, que embaralha um pouco o tempo e faz girar uma série de personagens.
Se no começo Cregger mostra fatos pelo ponto de vista da Justine, depois ele acompanha um policial, Paul Morgan (interpretado por Alden Ehrenreich), que investiga o caso ou retrata a busca de um pai, Archer Graff (Josh Brolin), pelo filho desaparecido.
Também como em Noites Brutais, a cada capítulo de A Hora do Mal Zach Cregger, que é egresso da trupe de comédia The Whitest Kids U’ Know, consegue o raro equilíbrio entre provocar temor e provocar riso, sem que um anule o outro. Seu senso de humor pode aparecer —e funcionar — mesmo nos momentos mais terríveis.
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