Pela primeira vez no Brasil, uma nova técnica de quimioterapia para câncer de pâncreas, ainda em estudos, mas com potencial para reduzir os efeitos colaterais da medicação, foi aplicada em uma paciente com a doença.
O método, chamado de microperfusão isolada, tem como objetivo isolar a circulação arterial do órgão na área próxima ao tumor para permitir que o quimioterápico seja aplicado de forma mais concentrada na lesão maligna, diminuindo, assim, as reações indesejadas do tratamento, como fadiga, náuseas, queda de cabelo e outros danos a células saudáveis.
Em pesquisas clínicas que estão em andamento nos Estados Unidos, cientistas também investigam se a aplicação do medicamento de forma mais concentrada do que na quimioterapia sistêmica aumentaria a efetividade do tratamento.
A paciente brasileira submetida à técnica tem 84 anos e está sendo tratada no Einstein Hospital Israelita, em São Paulo. Ela recebeu a primeira aplicação em maio e, desde então, já passou por quatro sessões de químio por microperfusão isolada.
Equipe de radiologia intervencionista do Einstein realiza procedimento em paciente Foto: Divulgação/Einstein Hospital Israelita
De acordo com Francisco Leonardo Galastri, radiologista intervencionista do Centro de Medicina Intervencionista do Einstein, a paciente relatou redução dos efeitos colaterais e melhora da qualidade de vida.
“Ela já tinha feito químio sistêmica anteriormente e tinha tido muita toxicidade, com falta de apetite, perda de peso, queda do cabelo, cílios e sobrancelha e, por causa desse prejuízo, se negou a receber o tratamento sistêmico. O caso foi analisado e ela foi indicada pelo oncologista a receber a químio por microperfusão. Com as sessões, ela recuperou peso e tônus muscular, se descreve ótima, teve mudança notável nos efeitos colaterais“, conta o especialista.
Para quais casos a técnica é indicada
O câncer de pâncreas é conhecido por sua agressividade e baixa taxa de operabilidade. Por não manifestar sintomas em fases iniciais, ele costuma ser diagnosticado em estágios mais avançados.
Segundo Galastri, apenas 20% dos pacientes têm indicação cirúrgica no momento do diagnóstico. Outros 40% já apresentam metástases e, para eles, a quimioterapia sistêmica é a única alternativa. Os 40% restantes têm doença localmente avançada, sem metástase a distância, mas com tumores que não podem ser operados.
Esses pacientes costumam iniciar o tratamento com quimioterapia tradicional, na tentativa de que o tumor encolha o suficiente para permitir a cirurgia. Quando isso não acontece, resta apenas continuar o tratamento quimioterápico sistêmico, com efeitos colaterais muitas vezes limitantes. É para esse grupo que a técnica de microperfusão vem sendo testada.
“Quando a gente faz a quimioterapia tradicional intravenosa, uma fração muito pequena da medicação consegue penetrar na área em tratamento, pois os tumores pancreáticos têm uma alta pressão intersticial (entre as células) e a medicação não consegue romper essa barreira e entrar adequadamente dentro da lesão”, explica o especialista.
Com isso, a concentração da droga nas células tumorais é menor do que a desejada e a químio sistêmica não costuma ter bons resultados. A aplicação experimental da dose concentrada tem como objetivo avaliar se, além de reduzir efeitos colaterais, a técnica é capaz de aumentar a eficácia da terapia.
Para a oncologista Maria Ignez Braghiroli, coordenadora do comitê de tumores gastrointestinais baixos da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC), apesar de a técnica ser promissora, ainda é preciso esperar os resultados de mais estudos clínicos para saber o real benefício desse tipo de intervenção.
“Os estudos finalizados tiveram poucos pacientes, então ainda precisamos de mais pesquisa para avaliar se realmente reduz efeitos colaterais para a maioria das pessoas tratadas”, diz.
Ela explica que técnicas de isolamento da circulação para aplicação de quimioterapia já são usadas para alguns casos de câncer de fígado e sarcomas (tumores ósseos ou em tecidos musculares).
Para cânceres mais prevalentes, como o de mama, a médica não vê a possibilidade de uso da técnica de microperfusão porque, para esses casos, a quimioterapia sistêmica é a mais indicada, já que o objetivo é justamente “matar” eventuais células tumorais que tenham se espalhado para outras regiões do corpo, reduzindo, assim, o risco de metástases.
Como a técnica é feita
De acordo com Galastri, o isolamento da circulação no pâncreas é feito com a inserção de um cateter especial com dois balões que são levados até a área do órgão a ser tratada. Após serem posicionados, os balões são insuflados, isolando temporariamente a circulação na região tumoral. O quimioterápico, então, é infundido diretamente nesse espaço através de um terceiro canal do cateter por cerca de 20 a 40 minutos.
O procedimento realizado no Einstein, o primeiro hospital da América Latina a aplicar a técnica para câncer de pâncreas, segue o protocolo do estudo americano Tiger-PaC, um ensaio clínico de fase 3 em andamento.
As análises preliminares indicam que a técnica aumenta a concentração da droga no tumor e reduz efeitos colaterais sistêmicos, embora ainda não haja dados conclusivos se ela é capaz também de aumentar a sobrevida.
O câncer de pâncreas é um dos tumores mais letais. De acordo com o Instituto Nacional de Câncer (Inca), quase 12 mil brasileiros morreram vítimas da doença em 2021. Embora seja responsável por cerca de 1% de todos os tipos de câncer diagnosticados, ela causa 5% dos óbitos por tumores.
Ainda segundo o Inca, o risco de câncer de pâncreas aumenta com o envelhecimento e com condições como obesidade, diabetes tipo 2, tabagismo, consumo excessivo de álcool, baixo consumo de fibras, frutas, vegetais e carnes magras, e condições genéticas ou hereditárias, como síndrome de Lynch, câncer pancreático familiar e pancreatite hereditária.