O Presidente da República considera que “novos muros” se têm erguido na sociedade portuguesa e diz que a pobreza “nunca deixou ser grave demais” para o país. Na já tradicional mensagem publicada no dia de Natal, no Jornal de Notícias, Marcelo Rebelo de Sousa defende que se deve lutar contra estes muros e alerta que a resposta não pode ser feita nos mesmos termos, sob pena de já não se ver mais nada senão muros.

Na mensagem natalícia ―​ a última como Presidente da República ― Marcelo recua à campanha para a Câmara de Lisboa, em 1989, que o opôs a Jorge Sampaio, lembrando que esse foi o ano da queda do Muro de Berlim e que então sublinhou aquele “momento decisivo da História contemporânea”, convertendo-o em “sinal para o futuro, também de Portugal”. Declarações a que Sampaio respondeu dizendo que “mais importantes do que o muro de Berlim são os muros que existem na nossa terra”.

Sem deixar de assinalar a importância do contexto internacional, Marcelo retoma as palavras do antigo Presidente da República para renovar o alerta que tem repetido ao longo dos seus mandatos contra os populismos e os extremismos, apontando aos novos muros que se têm erguido no país. Começando por destacar a pobreza, elenca também os medos, “reais ou imaginários, mas todos vividos como reais”, como um factor que leva a “muros mais altos”.

“A pobreza já foi mais grave e já foi menos grave. Mas nunca deixou ser grave de mais para o todo nacional que somos”, escreve o Presidente da República. “Antigos muros caíram. Novos muros se ergueram. Pobreza com envelhecimento colectivo imparável. Menos jovens a ficarem e mais gerações antigas a entrarem em becos sem saída. Mais leis a prometerem melhor futuro com mais abertura, tolerância, paz, segurança e, ao mesmo tempo, mais medos, reais ou imaginários, mas todos vividos como reais, a convidarem a mais muros, muros mais altos, tão altos que não se veja nada senão muros”, alerta.

Perante este cenário, o chefe de Estado defende que é preciso não desistir. “Há muros que podem ser difíceis de demolir. Porém não são impossíveis. Quer isto dizer que percamos a esperança neste Natal, e fora dele e sempre? Claro que não. Umas vezes, ajudamos a derrubar muros. Outras, fracassamos”, diz Marcelo Rebelo de Sousa.

Num final de um ano político marcado por umas legislativas antecipadas que quebraram a hegemonia bipartidária de cinco décadas entre PSD e PS, colocando o Chega como o maior partido da oposição — e em que o discurso político se extremou, sobretudo em torno do tema da imigração —, Marcelo aponta directamente ao presente para defender que é preciso identificar os muros que o país deve superar, e que a resposta não pode ser dada nos mesmos moldes.

“O mais avisado talvez seja, neste Natal, revermos o rol dos muros mais urgentes de superar. Sem respondermos a um muro com outro muro. Que os muros tendem a alimentar-se de outros muros. E isso não cria esperança, alimenta condomínios fechados de egoísmos em que só alguns têm direito ao Natal”, remata o Presidente da República.